Carta para Mel - IV
Por Flávio Rezende*
Ontem a princesa que torna os meus dias e os de Deinha e Gabriel mais felizes completou dois meses. Cumprimos a rotina das vacinas recomendadas, a fuga dos curiosos desavisados que buscam com mãos sujas o corpo ainda frágil da nova criatura e, voltamos para casa onde estamos reclusos esperando a ultrapassagem dos três meses sugeridos, para começar a mostrar de maneira mais tranqüila, o planeta que ela voltou a encarnar.
Neste universo caseiro a televisão e a leitura dos jornais revelam a indignação praticamente geral com a classe política. Diante de tantas histórias que mais parecem estórias, tamanha a ousadia dos personagens deste segmento social, fiquei pensando se daqui a 20 anos, quando Mel estiver no auge do entendimento de tudo que acontece, ainda existirá a classe de políticos.
Assim como estamos inventando muitas coisas na área de saúde, telefonia, bem estar, turismo, urbanismo e automobilismo, certamente algum gênio esfregará seu juízo do bem e nos brindará com um novo modelo de gestão, eliminando os predadores do tesouro público, tão precioso para o coletivo, mas, infelizmente, surrupiado por políticos insensíveis, muito egoístas em suas maldades, que desprezam as mortes advindas de seus desvios e de suas condutas malignas.
Com a popularização da internet e o acesso a esse fantástico universo tecnológico, bem que podíamos decidir tudo que nos diz respeito, votando através de um programa desses, eliminando assim intermediários, que já não são mais importantes e nem necessários, pois criados por nós, adquiriram imunidades e, contaminados pelo vírus da individualidade, se desprenderam da origem da necessidade, ficando isolados e infestados por ações que são opostas ao interesse coletivo das sociedades em geral.
Minha linda Mel pode ser que me pergunte ai no futuro, como eles surgiram. Acredito que o ser humano, nos primórdios de sua existência, era muito sujo, egoísta, não ligava para a necessidade dos demais, tendo um comportamento agressivo e que colocava em risco a sobrevivência da própria espécie.
Com o decorrer do tempo, foi ficando mais inteligente, procriando, começando assim a sentir a necessidade de escolher alguns dentro do próprio grupo para decidir algumas coisas, enquanto outros saiam para caçar ou depois, guerrear.
Uma série de fatores levou o ser humano naturalmente à eleição de uns para a manutenção da ordem, a elaboração de regras, a tomada de decisões. Ficava difícil todo mundo dar uma opinião, uns estavam fora, outros alheios. Com uns poucos assumindo o comando das coisas mais gerais, outros ficavam livres para caçar, colher frutos, construir abrigos.
E a coisa foi indo, com o tempo a inteligência foi aumentando mais ainda e foram sendo criados sistemas diferentes de gestão a esses seres eleitos para cuidar das coisas comuns a todos nós. Uns acharam que era melhor socializando tudo, outros democratizando e, tem até alguns, que querem a decisão sendo tomada por apenas um, o que chamam de ditadura, totalitarismo etc.
O problema é que de uma maneira ou de outra, a origem das coisas, o sentido de tudo, a filosofia da representatividade sumiu. Os que são eleitos para tomar decisões pelos demais, voltaram ao que éramos no começo, egoístas e, ganham de todos para atender somente seus interesses por mais dinheiro, carros, poder, sexo, comida, roupas, jóias, viagens, ações, aviões e mídia, deixando o planeta, países, estados e municípios mais pobres, fragilizando a espécie humana, degradando regras de conduta duramente talhadas ao longo de milênios, empobrecendo o debate e desumanizando tudo, posto que humilhados, roubados e aviltados em nossa fé numa perfeita representatividade, ficamos mais pobres de bens materiais e de espírito, jogados pelos cantos, reclamando, nos estressando, impotentes, assistindo ao desfile de carros cada vez mais imponentes, jantares que somam quantias superiores a dois, três mil reais, proseccos e uma proteção legal, através de leis lentamente criadas, para a salvação dos ricos e, rápida eficácia na condenação dos pobres.
Minha linda e doce Mel, espero que ao ler este artigo do seu pai, no ano de 2030, essa turma já não exista mais. Torço para que cada cidadão possa retomar, com ajuda da tecnologia, o poder de decisão. Hoje os políticos estão cegos e mergulhados num universo irreal de assessores, verbas indenizatórias, passagens aéreas, carros caríssimos, café toda hora, dinheiro na cueca, enredados em prostituição, desvio de verbas, conversas infindáveis de interesse de grupos partidários, curtindo a vida em iates, twitters, lojas de grife, Roma, Paris, Barcelona.
As pessoas de bem, os heróis que tem um olhar para o semelhante, que trabalham para que todos sejam ricos material e espiritualmente, não precisariam estar mendigando apoios por ai, se as riquezas estivessem sendo administradas por políticos sérios, por seres que realmente pensam no coletivo. Eles seriam esses heróis.
É verdade Melzinha que toda generalização é equivocada, dentro deste universo, almas boas militam, tentam, conduzem suas vidas e produzem seus atos de acordo com o verdadeiro espírito público. Por eles é que ainda não aconteceu uma grande convulsão, uma revolta e um quebra-quebra generalizado.
Seu pai é um otimista, um ativista social, convive com tudo e com todos e, sonha, sonha com a volta do real sentido da representatividade ou, com a união da tecnologia com a necessidade das decisões coletivas. Certamente todos nós teremos condições de resolver através de um programa de computador, qualquer assunto, seja ele municipal, estadual, federal ou terral.
Quando isso um dia acontecer e os que são egoístas sumirem, o planeta estará mais feliz, a riqueza melhor dividida e todos, do mais rico ao mais pobre, poderão ao menos perceber que a diferença de um para o outro, não é do zero para o infinito. Um dia as pontas estarão ao nível da visão e, só o fato de se enxergarem, será suficiente para promover a grande revolução: a do amor e do sentimento de que todos somos UM.
* É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)