Francisco Martins
Os contos
completos de Monteiro Lobato estão presentes em quatro livros: Urupês (1918),
Cidades Mortas (1919), Negrinha (1920) e o Macaco que se fez homem (1923). Ao
todo totalizam sessenta e seis contos. Desse conjunto, quatro celebram
centenário em 2016, são eles: “A Vingança da Peropa”, “Um Suplício Moderno”,
“Pollice Verso” e “O Espião Alemão”. Os três primeiros estão em Urupês e o
último integra Cidades Mortas. Esses não são os contos mais antigos de Lobato,
de todos os que foram datados, há três que já estão nas páginas da literatura
com seus cento e dezesseis anos: Café Café, Cavalinhos e Noite de São João,
escritos em 1900.
O
quê há de tão especial nos contos acima que completam centenário de criação? Nada de extraordinário. Mas, tomei a
iniciativa de enquanto leitor, buscar um viés que interligasse a trama
lobatiana dos três contos com a sociedade do presente século. Será possível? Até quando a literatura permite que isso
aconteça? Afinal, lemos para quê? Alguns dirão: para entretenimento, outros
afirmarão – para buscar conhecimento, e tem os que lêem pela cultura.
Independente
do tipo de leitor que somos, habituais
ou ocasionais, uma coisa é certa, devemos
ter em mente o poder da leitura:
Que ninguém leia por nós para que ninguém seja dono de nossas vidas. Esse
é o valor da leitura. Ler para aprender a nos ler no próprio mundo... uma
pessoa, um país, uma nação é uma forma própria de ler e de se ler (BÉRTOLO)
Seguiremos
então na busca do viés que penso encontrar nos contos centenários, objeto deste
artigo. Primeiramente vejamos “A Vingança da Peroba”, no qual vamos nos deparar com João Nunes, o
pai de José Benedito, apelidado por
Pernambi, com sete anos, a quem o pai já ensinava a tomar pinga. Sua máxima
filosófica era: “Homem que não bebe, não
pita, não tem faca de ponta, não é homem” (LOBATO, p.70). Aqui encontramos
a ponta do viés, inda hoje, um século depois, a sociedade vive mais do que
ontem mergulhada no problema das drogas. Se antes fora o álcool que destruiu tantos
males, hoje, fora das páginas ficcionais está bem presente o craque, a cocaína
e outras drogas que acabam com nossas crianças e jovens.
Saiamos do
conto acima e vamos às páginas de um
outro “Um Suplício Moderno”, nesse, a personagem central é Biriba, um homem,
funcionário público, explorado em todos os sentidos, no salário e nos afazeres.
O próprio narrador do conto diz: “Mundam
de formas as coisas; a essência nunca muda” (LOBATO, p. 83). Fiquei a pensar nos “Biribas” que estão hoje sendo
servidores municipais e estaduais e federais, nos “Biribas” da ativa e
aposentados, que sofrem com a atual crise política e econômica em que vive o
Brasil.
Já no terceiro
conto desta análise, em “Pollice Verso”,
após a leitura percebi que ainda hoje,
em pleno século XXI existem profissionais de saúde fazendo gesto do polegar
virado para baixo, condenando à morte seus pacientes. Apenas um pequeno grupo
vê a medicina como um sacerdócio. Fala mais alto o dinheiro. Sempre haverá
neste meio profissional a figura de Inácio Gama, médico que assim se
comportava: “Inácio não enxergava em
Mendanha o doente, mas uma bolada maior ou menor, conforme a habilidade do seu
jogo” (Ibid., p. 105)
Por fim, no
quarto conto, “O Espião Alemão”, Lobato
inicia o texto falando das guerras e com muita sabedoria exprime: “Homens e
coisas passam, mas guerra fica” e transporta o leitor até um pequeno lugarejo
de cinco mil habitantes, Itaoca, que por sinal se faz presente em diversos
contos da sua obra. Aqui, o escritor nos mostra o quanto é possível com
artimanhas, produzir e trazer à população uma situação perigosa:
A situação é gravíssima, senhores! Itaoca está sobre um
vulcão! Minada de todos os lados, a vida das nossas famílias, a honra das
nossas esposas, as mãozinhas das nossas crianças (sensação) correm o maior dos
riscos! (Id., 2014, p. 312)
Eis
que já se passaram cem anos que foram escritos esses contos, mas a droga, a
exploração do homem em seu trabalho, a inoperante prestação dos serviços públicos e a escassez de pessoas com condutas íntegras dão campo ao
crescimento e existência destes males em nossa sociedade.
Referências:
BÉRTOLO, Constantino. Revista Emília, In: Ler para quê? Fronteiras e horizontes.
Disponível em: http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=475.
Visualizada em 25 jul 2015.
LOBATO, Monteiro. Contos
Completos. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014