DISCURSO DE INAUGURAÇÃO DA CORDELTECA POETA
XEXÉU – BIBLIOTECA DRIKA DUARTE – ESCOLA MUNICIPAL ANTONIO BASÍLIO – PARNAMIRIM/RN
Meus Senhores,
minhas senhoras
Queridos alunos:
O nome do patrono escolhido para a Cordelteca da Biblioteca
Escolar Drika Duarte, aqui na Escola Municipal Antonio Basílio, é sem sombra de
dúvidas um nome precioso do cordel brasileiro.
“...Sou Nordestino da gema
Do
Rio Grande do Norte
Santo
Antonio é minha terra
Poesia é meu esporte
Sem
versar não tenho nada
Versando
é que tenho sorte
(O
Caboclo Sonhador – Xexéu)
João
Gomes Sobrinho nasceu no
Sítio Lajes, distrito, que fica distante três quilômetros da cidade de Santo
Antonio/RN, no dia 13 de maio de 1938. Filho de agricultores. Seu pai se
chamava Alísio Gomes de Carvalho e sua mãe Jesuína Gomes de Carvalho. No ano de 1995 a Fundação José Augusto, através dos pesquisadores Dácio Galvão,
Severino Vicente e Gutenberg Costa, que andavam pelo interior do Rio Grande do
Norte, mapeando a cultura popular,
encontraram-se com esse homem,
que morava no mesmo sítio onde nascera há 57 anos e que o povo o conhecia
pelo nome de Poeta Xexéu.
Naquele ano (1995), o Poeta Xexéu já tinha
publicado vários folhetos de cordel, muitos dos quais se perderam em suas
constantes mudanças. Andou muito por
este Brasil e sobre isso deu o seguinte depoimento ao pesquisador Gutenberg
Costa:
“Sou
um poeta popular, meio cigano e aventureiro inspirado, que passa para o cordel, o modo de
viver a sua vida, simples, humilde e cheia de poesia com o cantar dos pássaros
e as sombras das árvores de meu sitiozinho” (COSTA, P. 235/ 236).
Se o Poeta Xexéu buscava a encarnação da
poesia, na figura de uma mulher, podemos então compreender a razão pela qual
teve tantas esposas e gerou muitos filhos. No dia 10 de maio deste ano eu fui
prestigiar uma homenagem aos 81 anos do Poeta Xexéu, organizada pela Fundação
Capitania das Artes/FUNCART, que teve como local o auditório do Museu de
Cultura Popular Djalma Maranhão, no bairro da Ribeira, em Natal. Foi lá que eu conheci o caçula do Poeta
Xexéu, um menino com 13 anos de idade, por nome de Gentil Jenuíno Gomes. Quanto
eu lhe perguntei quantos irmãos ele tinha, deu-me a resposta:
-São
muitos!
-Mais
de dez?
-Sim
-Mais
de quinze?
-Mais
ou menos.
O pequeno Gentil, o filho “Benjamim”,
usando a metáfora bíblica, é o último
cântico físico escrito pelo Poeta Xexéu. Ele não sabe sequer a dimensão artística e o valor cultural que representa
seu pai para a história do cordel brasileiro. Mas nós sabemos e por isso inauguramos
hoje 23 de setembro de 2019, a Cordelteca Poeta Xexéu.
Qual a razão dele ter escolhido o
nome de “Xexéu” para usar como pseudônimo de suas produções literárias?
Xexéu é nome de ave canora, que possui
um cântico lindo e tem a capacidade de
imitar outros pássaros. Ouvir um Xexéu é escutar uma melodia que com certeza nos
faz sentir bem.
João Gomes Sobrinho nos diz que “aos
nove anos de idade ele começou a juntar plateia, cantando muito bonito, por isso lhe deram o apelido de
Xexéu”.
Eu fiz
o primeiro mote
Aos nove anos de idade
Naquela mangueira rosa
Foi a minha academia
Nela aprendi poesia
Na maior tranquilidade
(Poeta Xexéu)
O Poeta Xexéu também foi um leitor. Leu Cassimiro de Abreu,
Machado de Assis, Castro Alves, são alguns dos escritores citados por ele.
Aprendeu a ler na Cartilha do ABC e aprimorou a leitura com os folhetos de
cordel. Produziu mais de 800 folhetos de
cordéis, mas grande parte está perdida e é um desafio aos pesquisadores para resgatar
tamanha preciosidade.
Agradeço ao meu Deus por ter nascido
Com
o dom de poeta popular
Consegui
aprender sem estudar
Sou
discípulo da Suprema Faculdade
Quando
recito numa universidade
Escuto
o Reitor me aplaudir
Só
Deus tem o poder de construir
Um
poeta da minha qualidade
(Poeta Xexéu)
O poeta Gelson Pessoa, autor do folheto “Sendo Xexeu Dom
Quixote – Seu Sancho Pança eu seria”, que desde quando conheceu Xexéu, sempre
esteve ao seu lado, daí receber a alcunha de Sancho pança, diz que
além de ter sido um excelente poeta, teve também a capacidade de
memorizar seus versos, uma qualidade que poucos poetas exercitam na arte de
declamar.
Optei em tematizar este discurso com o título: XEXÉU, O CORDELISTA DA MANGUEIRA, e quero agora
explicar a razão. Um dos seus folhetos
mais belo: A Flor da Mangueira Rosa, escrito em estrofes de oito versos (
oitavas) narra o lugar mais sagrado para
o poeta, o seu berço, onde ele veio ao mundo, deu seus primeiros passos e
também chorou a morte da sua mãe.
Ouçamos:
Lajes
meu berço querido
Abençoado
torrão,
Que
me deu inspiração,
Pra
tudo quanto escrevi,
Agradeço
o grande mestre,
Lá
do céu ter me ensinado,
Fazer
poema inspirado
Da
terra onde nasci.
Quem
vier nas Lajes vê,
A lagoa
e o serrote,
Que
eu fiz o primeiro mote,
Com
nove anos de idade,
Naquela
mangueira rosa,
Foi
a minha academia,
Nela
aprendi poesia,
Na
maior tranquilidade
Aquela
mangueira ali
Representa
um drama infindo
O monumento
mais lindo
Que
neste solo se ergueu
Era
no quintal da casa
Que
eu brincava diário
Hoje
demonstra o cenário
Onde
o poeta nasceu
Foi
nessa mangueira onde,
Andei
meus primeiros passos
Quando
saia dos braços,
De
quem mais me deu carinho
A morte
levou mamãe,
Pra
onde quem vai não vem,
Fez
eu chorar sem ninguém,
Na
sombra dela sozinho.
Foi
ali que eu vi abelhas,
Fazendo
festas nas flores,
Passarinhos
cantadores,
Saudando
o nascer do dia,
O sabiá
modulando,
No
verde céu arvoredo,
Como
quem conta um segredo,
Num
quadro de poesia.
Papai
cantava comigo,
Na
sombra dessa mangueira
A moda
da jardineira,
E outra
que dizia assim:
Enquanto
vida eu tiver,
Por
mim serás relembrada,
Moreninha
bem-amada,
Pra
que fugiste de mim.
O
romance da princesa
Do
Reino da Pedra Fina,
O
de Alonso e Marina
E da
Cigana Feiticeira,
Mistérios
dos três anéis,
E a
Lâmpada de Aladim,
Papai
cantava pra mim
Na
sombra dessa mangueira.
Essa
mangueira foi palco,
De
amor e poesia,
Na
sombra dele eu relia,
Cartas
de frase amorosa,
Cantei
igual um xexéu,
Na
mata verde do sonho,
Agora
choro tristonho,
Revendo
a mangueira rosa.
Foi
o tempo esse malvado,
Quem
destruiu meus amores,
Despetalou
todas flores,
Do
meu pé de amor perfeito,
Só
não destruiu ainda,
pra
minha felicidade,
esse
jardim de saudade,
que
tem plantado em meu peito!
E
esta saudade infinita,
De
quem jamais esqueci,
Faz
eu declamar aqui,
Sentindo
a brisa cheirosa,
Trazer
o cheiro suave,
Das
primaveras de outrora
Recordo
beijando agora,
A Flor
da Mangueira Rosa!
O Poeta Marciano Medeiros, em recente
homenagem a Xexéu diz que ele tinha um riso discreto, gostava de andar pela
feira de Santo Antonio, era sentimental e romântico por natureza, tendo a
poesia como porta voz desta peculiaridade.
A obra deixada pelo poeta João Gomes
Sobrinho – o Xexéu do cordel brasileiro vai continuar perpetuando a sua
existência literária. No dia 13 de maio
de 2019 na cidade de Santo Antonio, através da Fundação José Augusto, foi
realizada uma linda festa em comemoração aos 81 anos de João Gomes Sobrinho,
com a presença de familiares, amigos, poetas e admiradores.
Àquele momento eu escrevi no dia 10 de
maio:
Você
um poeta de ouro
Homem
de grande valor
Hoje
celebrando a vida
Com
este imenso esplendor
Quisera
ter o seu canto
Xexéu
- menestrel do amor.
Começou
inda pequeno
No
mundo do versejar
Já
faz tempo meu poeta
Mas
pode continuar
A
mangueira que era rosa
Não
cansa de lhe esperar.
E
derramo a minh’alma
Em
profunda gratidão
Por
Deus ter feito você
Sem
nenhuma abstenção
Nestes
oitenta e um anos
De
grande inspiração.
Receba
Xexéu dourado
Do
poeta Beradeiro
Estes
versos atrevidos
A um
coração arteiro.
Plante
lá no seu roçado
Dará
frutos por inteiro
(Mané Beradeiro)
João Gomes Sobrinho
“...Sentia o peso da idade
E preso
pela saudade
Numa
gaiola se achava
Com
versos de consolava
Tinha
na arte o sustento ...”
(CARDOSO,
P. 44)
Com
o fragmento desta décima escrita pelo poeta Gilberto Cardoso, no seu poema
“Meu encontro com o Xexéu”, eu
quero ultimar minhas palavras, dizendo
que mesmo quando esteve hospitalizado, não deixou de poetizar.
Um dos seus filhos, Josenildo Gomes, diz
que ao chegar ao hospital para fazer
visita ao pai e quando perguntou como ele estava, , dele ouviu a resposta:
Pra
mim a coisa vai feia
De
um lado é o cemitério
Do
outro lado a cadeia
De
um lado se come barro
Do
outro se leva peia.
O Poeta
Xexéu partiu deste mundo no dia 29 de
maio de 2019. Cabe a nós enquanto leitores não esquecê-lo. Que em cada coração
haja a semente de uma mangueira rosa aguardando ser regada com a poesia de
Xexéu.
Parnamirim-RN,
23 de setembro de 2019
Mané
Beradeiro
Referências:
CARDOSO,
Gilberto. Um maço de cordéis – lições de gente e de bichos. Natal/RN: CJA Editora, 2019.
COSTA,
Gutenberg. Dicionário de Poetas Cordelistas Rio Grande do Norte. Mossoró/RN:
Editora Queima Bucha, 2004.
https://www.youtube.com/watch?v=ly0dDxnV_Fc
(Visualizada em 20 setembro 2019)
https://youtu.be/woiSBgGjTg
( visualizado em 23 setembro 2019)
https://www.youtube.com/watch?v=xDOo3xb0rW4
( Visualizado em 20 setembro 2019)