O primeiro texto do “Anuário do Cordel
Brasileiro” foi escrito de forma
artesanal, usando-se as goivas que abriram sulcos na madeira e deram forma à
matriz da xilogravura que ilustra a capa. Um trabalho de Jefferson Campos, nome que está se tornando conhecido no Brasil,
nesta arte de fazer a madeira revelar poema.
Ver Lampião sentado, lendo um folheto de
cordel é uma imagem muito significativa
e de uma simbologia estética preciosa aos olhos dos leitores e dos
poetas. Zeca Pereira organizou todo o
material, Josué G. de Araujo fez a parte da diagramação e a arte final, a
Nordestina Editora entrou com o selo na impressão desta antologia que tem 40
poemas, de 28 poetas, oriundos de 8 estados, num volume com 248 páginas.
Atribuí a cada um dos participantes uma
nota, avaliando os cordéis. A escala vai de 1 a 5. Levei em conta vários tópicos, a
saber:
A
trama do poema: Prende e
surpreende o leitor?
O Desenvolvimento da narrativa: soube o
poeta escrever o que pensou de forma
linear?
Coerência
textual: dentro da
narrativa apresentada as estrofes estão coesas?
A
Rima: o autor fez uso das
rimas orais de maneira demasiada? Não repetiu a rima na mesma estrofe?
A
métrica: teve o poeta a
preocupação de não escrever verso de pé quebrado?
A
oração: as estrofes conseguem dentro da sua estrutura funcionarem como uma
pequena redação com começo, meio e fim?
Além dos tópicos acima tive o cuidado de
observar também a grafia das palavras, a acentuação, pontuação, conjugação dos
verbos e outras coisas que quando bem usadas dão beleza ao texto.
Quero chamar a atenção para uma
peculiaridade desta antologia, dos 28 participantes 64,2% possuem curso superior, são graduados nas mais
diversas áreas. Esta característica permite-me exigir dos poetas graduados uma responsabilidade maior no tocante à sua
produção textual. Para eles eu revelo
que tive um olhar mais severo.
Tirei alguns exemplos para que tenhamos
mais atenção quando formos escrever e evita-los:
Exemplo 1:
“Cuia de medir farinha
Botija cheia de cana
Tem na cozinha uma banca
Deixando bela e bacana
E o depósito de feijão
Pra despesa da semana”
Lá na
frente, o poeta volta a dizer que tem
cuia na casa, desnecessária a repetição.
“Casa de taipa é cultura
Na mobília da cozinha
Tem as cambucas com sal
Pilão, cuia
de farinha
Um ralo de ralar milho
E abanador de palhinha”
Exemplo 2:
“Pelo cipó céu acima
Os meninos foram embora
Subindo de um a um
Cada vez na sua hora
E a velhinha cansada
Dormia feito uma amora”
Se a palavra amora está sendo empregada no
sentido de fruta, como pode ela dormir?
Exemplo 3:
As
estrofes estão obedecendo a estrutura de rima
AAABCCCB, e no meio do texto o autor
resolve deixar uma única estrofe com a estrutura AAABBBBB.
“Se hoje eu fosse contar (A)
Os peixes que tem no mar (A)
Passaria de um milhar (A)
Tem bagre, pargo, corvina (B)
Xareu, parum e cação (C)
Mariquita, atum, dentão (C)
Manjubinha e tubarão (C)
Tudo eu sei ninguém me ensina (B)”
Na
sequência ...
“A inveja e a mentira (A)
Não estão na minha lira (A)
O candidato que vira (A)
Não vinga no meu conceito (B)
Votei naquele sujeito (B)
Que não encontrei defeito (B)
Meu cachorro pra prefeito (B)
Fiz, foi feito e está direito (B)”
Exemplo 4:
Aqui
o autor usou e abusou dos sinais de pontuação: interrogação (?) e exclamação
(!). Fez uma verdadeira sopa.
“Mas verifique o lote
Esse não é pra serrar (!?!)
Pode até tirar os dentes (!)
Nas costas se vai tocar (!?)
Quem trabalha com crianças
Tem que ter mais segurança
Pro acidente evitar (!?!)”
Muitos erros como concordância verbal,
pronominal, ortografia, digitação poderiam ter sidos evitados se o conjunto
fosse revisado antes da impressão. Coisa a ser pensada pelo Editor, pois no
final fica em jogo a imagem do trabalho gráfico da Nordestina Editora. Vai longe aquele tempo em que os erros de
folhetos podiam ser absorvidos sem causar mal estar, e aqui, mais de 50% dos
autores são graduados.
Pode ter algum verso de pé quebrado? Sim, é
permitido. Afinal somos falhos e às
vezes, por mais que tenhamos cuidado, sempre vai escapar. Vejam o exemplo nesta
estrofe:
“A impunidade reina
Por todo o imenso Brasil.
Maracutaias à vista
Comendo feito esmeril.
A oferta de propina
Neste país já é sina
Na
politicalha hostil”
Um único verso desmetrificados dentro de um
conjunto com 378 versos. Totalmente admissível.
Agora o que não podemos, como poetas cordelistas, é achar natural que um texto tenha 192 versos e 79 estejam desmetrificados (41%
do poema) . É ora do poeta autor se avaliar se realmente ele é cordelista ou
não. E para não dizerem que estou vendo
um cisco no olho do próximo, quando há no
meu uma trave, já adianto: tive muitos
versos desmetrificados. TIVE, mais hoje prezo pela métrica.
Diversos assuntos estão presentes nesse
Anuário: fé católica, política, lendas brasileiras, gracejo, romances, sabedoria
popular, educação, ecologia, biografia, entre outros.
Criatividade e desenvolvimento são “roupas” que vestem bem o cordel
brasileiro. Para quem o poeta está escrevendo? Qual mensagem ele deseja levar ao
leitor com o seu texto? Ninguém escreve
simplesmente por escrever, sempre queremos dizer algo a alguém, nem que seja a
nós mesmos.
Abaixo tem a lista com os nomes dos
autores, os títulos dos textos e as notas que eu tive a ousadia de dar. O
crítico deve ser humano, ético, real. Não vou nomear os erros encontrados aos seus
autores,
Acursío
Esteves – Salvador/BA
1) Deus, o Diabo e a Saúde Humana – Nota 4
2) A Grande Ideia – Nota 4
Antonio
Marcos Gomes Monteiro – Itabaiana/PB
1) Casa de Taipa – Nota 4
AroDinei
Gaia de Souza – Cametá/PA
1)
Defensores
da Educação no Reino de Já-Temyr – Nota 3
Aurineide
Alencar – Catolé do Rocha/PB
1)
A
Lenda das Estrelas – Nota 3
Bento
Júnior – João Pessoa/PB
1)
A
louca da Diocese – Nota 1
2)
O baba
ovo – Nota 1
Chico
Leite – Morro do Chapéu/BA
1)
O dia
em que Rodolfo Cavalcante encontrou a poesia – Nota 4
Cléber
Eduão - Ibotirama/BA
1)
A
primeira vez que Zezin Siriema foi a capital visitar um doutor – Nota 3
Flávio
Barjes - Itupiranga/PA
1)
Tonica
e o bicho feio – Nota 5
2)
Um
deputado perdeu cem mil lá no matagal – Nota 5
Francisco
Mendes - Cametá/PA e Edna Corrêa – Itapupana/PA
1)
A
Borboletinha Branca – Nota 5
2)
A Promessa
– Nota 4,5
Helonis
Brandão – Crateús/CE
1)
Tudo
eu sei ninguém me ensina ... – Nota 3
Ismael
André – Ruy Barbosa/RN
1)
A
ferro e fogo: Uma conversa sobre a vida – Nota
4
2)
A
História de um José – Nota 3
Ivaldo
Batista - Carpina/PE
1)
Gravidez
na adolescência – Nota 3
José
Vieira – Manaus/AM
1)
Cantando,
pinto sertão com tintas da poesia – Nota 5
2)
Avistamos
da estrada no interior do sertão – Nota
4
3)
Sou
caboclo, sertanejo, matuto do pé rachado – Nota 4
4)
São
essas coisas bonitas que só se vê no sertão – Nota 5
5)
Todo
sertanejo chora se não chover no sertão – Nota 5
Josemário
dos Santos Fernandes – Ibotirama/BA
1)
O
jumento de Zé Nuno – Nota 3
Kalango
Menezes – Ibicaraí/BA
1)
As
peripécias de Zé Calango em uma palestra no Céu – Nota 3
Luiz
Esperantivo – Bom Jesus/PE e Maria Farias – Santa Terezinha/PE
1)
Vida e
importância das abelhas – Nota 5
2)
O
carnaval no reino animal - Nota 4
3)
Janeiro
Branco – Nota 4
Marcelo
Figuerêdo – Bom Jesus da Lapa/BA
1)
Raul
Rock Seixas – Nota 5
Márcio
Fabiano - Ribeirão Pires/ ?
1)
Tião
Valentão e Rosa Formosa – Nota 4
Marco
Binatti – Viamão/SC
1)
O
serrote musical – Nota 3
Nando
Poeta – Natal/RN
1)
Reino
da corrupção – Nota 5
Pedro
Viola – Central/BA
1)
Amor!
Virtude que não tem preço – uma história de muitas emoções – Nota 4
Péricles
Monteiro- Salvador/BA
1)
A
carta de um brasileiro guloso ao Papa Bento XVI – Nota 5
Raimundo
Augusto Corado – Santa Rita de Cássia/BA
1)
A
mofinez do valentão - Nota 3
2)
OZé
bandeira homem – Nota 4
Ulisses
Ângelo – Várzea Nova/BA
1)
A
lenda do João de Barro – Nota 4,5
2)
A
lenda da Mandioca – Nota 4,5
Vanecílio
Paulo – Barcelona/RN
1)
O
lamento de um pássaro engaiolado – Nota 4
2)
Nordestino
e suas habilidades – Nota 5
Zeca Pereira - Barreiras/BA
1)
A
confissão de um drogado – Nota 4,5
Concluo
a resenha com um verso de uma poeta que não é cordelista, ei-lo: “Existem coisas que eu digo no meio
das coisas que escondo” (Luci Collin).
Mané Beradeiro
04 de dezembro de 2019