quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

FECHANDO O BAÚ DO MEDO - PARTE II - FINAL


E se de repente ao invés de resenhar a segunda parte do livro “O Baú do Medo”, com o mesmo olhar que foi feito para a primeira parte, este aprendiz de crítica literária do cordel brasileiro ousar aprofundar a análise dos poemas, tentando neles encontrar elementos que comprovam aos céticos ser o cordel uma literatura que possui  a mesma grandeza de outros poemas?
Seria isso possível? É o que você vai comprovar agora. 



SEXTA-FEIRA SANTA – Francisco Mendes
38 estrofes, em septilhas (ababccb) foi o que precisou Francisco Mendes para narrar o conto trágico e cheio de suspense e terror que vai afetar uma família ribeirinha em Tocantins.  Francisco Mendes presa em burilar seus textos e o resultado são estrofes bem feitas onde as rimas em seu conjunto atingem 100% de aproveitamento. Ele usou a figura de linguagem Antonomásia na estrofe 22, página 128:

No quarto refugiadas
E diante da Trindade
Pediram resignadas
-Deus afaste essa maldade
Tenha compaixão da gente
Suplico seja clemente
Por nós tenha piedade.

Antonomásia consiste na substituição de um nome próprio por um epíteto ou qualidade que lhe é inerente” nos ensina Massaud Moisés. Neste caso ela está na palavra “Trindade”, que significa Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
 Atribuo notas 5, tanto para o objetivo de suspense e terror, como também no geral.


A CIDADE DOS MORTOS – Izaías Gomes
159 estrofes, em sextilhas que obedecem a estrutura xaxaxa, com narração na primeira pessoa, trazem uma interessante história criada pelo poeta Izaías Gomes. O texto nos ensina o quanto a vida é frágil e as curvas devem ser vistas com cautela.  É na  estrofe 103 (p. 146) que o poeta apresenta o ápice da mudança de realidade do narrador: 

                Ao passar meio minuto
                Poucas vozes eu ouvia;
                A poeirada baixou;
                Misteriosamente o dia
                Num segundo virou noite
                E cessou a gritaria 

Realidade que tão somente  será esclarecida ao eu lírico lá na estrofe 142 (p. 150).  No tocante a estrutura, rimas orais, alguns erros gramaticais e outros detalhes foram as “curvas” que trouxeram prejuízo à beleza do texto de Izaías.  88,67% de rimas perfeitas. Nota 5 pelo suspense e terror e nota geral 4. O poeta fez uso da figura de linguagem que chamamos Diácope na estrofe 102, página 146.
                        A poeira cobriu tudo
                        Que ninguém via ninguém;
                        Eu só ouvia as pessoas
                        Gritando: -Não estou bem!
                        Outras gemiam de dores,
                        Entre elas, eu também.
A Diácope acontece quando dentro de uma frase ou um verso existe a repetição de uma ou mais palavras, tendo outra ou outras intermediando. Na estrofe acima a diácope está no segundo verso: “Que ninguém via ninguém”




O HOMEM QUE NÃO TINHA MEDO – José Edimar
47 estrofes, todas em sextilhas formam o texto poético de José Edimar. Interessante que ele é  violeiro, repentista e cordelista, o que à priori poderia carregar as rimas de oralidades, mas fez uso apenas duas vezes, no conjunto das 282 rimas , o que lhe dá um percentual de 99,29% de rimas perfeitas.
A história contada pelo poeta é  repleta de sinais da fé que se escondem muitas vezes dentro da  alma humana. O Zé Grandão, protagonista do enredo ensina isso ao leitor através da narrativa e sua experiência.
Vai o autor elaborando o poema com uma linha muito bem entrelaçada com imagens e diálogos, quando se perde um pouco no final e compromete o fechamento do texto. Refiro-me às estrofes 42 e 44. Escolhi a estrofe 32, página 159, da qual encontrei a  Catacrese.
                        Depressa saiu correndo
                           Seguindo a sua pegada
                           Muito longe ele escutava
                           Da fera grande zoada
                           Ela gritava – me espera!
                           Rasgando a mata fechada.

Catacrese é o emprego impróprio de uma palavra no lugar de outra.  É um estilo linguístico. Neste caso ela acontece no verso: “Rasgando a mata fechada”.   Há carência de revisão gramatical. Dou para o poema a nota 4  nas duas áreas.
                        


O GAÚCHO QUE VIROU FANTASMA – José Heitor Fonseca

Somos um país com dimensões continentais, as regiões do Brasil possuem características próprias e elas interferem no cordel brasileiro. Aqui, nas 67 estrofes, em septilhas que foram criadas pelo poeta José Heitor Fonseca, há termos próprios da cultura local: pampa, chimarrão, cancha, amanunciar, redomão, etc.
Heitor nos apresenta duas histórias, numa só, optou pela septilha e o poema tem 67 estrofes. Das estrofes 8 a 15 ele escreve sobre a origem de Jacinto Nambu e depois, situa o caçador às margens do rio Camaquã e começa uma história sobre amizade, traição e família. Um enredo muito bom.  99,70% de rimas perfeitas.  É preciso também rever para futuras edições pequenos detalhes de concordâncias, uso de “se não e senão”,  “onde e aonde”. Heitor fez uso de Hipérbole, estrofe 61, página 173.


                        Lauro da Rocha pensou:
                        “Que maluquice danada!
                        O sujeito ficou doido,
                        Para ver alma penada”
                        E disse com ar de riso:
                        -Ver papai não é preciso,
                        Esqueça meu camarada!

A Hipérbole corresponde ao exagero intencional na expressão, É uma ênfase, neste caso encontra-se no verso:  “ O sujeito ficou doido”.  Nota 5 para suspense e terror e nota 4, 5  no geral.


A HOSPEDARIA DA MORTE – José Nascimento
Já teci algumas considerações sobre este trabalho do poeta José Nascimento, quando resenhei  a coleção da “Cabana Maldita”. Lembro o aproveitamento de 99, 53% de rimas perfeitas e confirmo a excelente narrativa de suspense e terror. O que tenho a acrescentar é apenas no tocante ao uso da figura de linguagem, que neste caso eu escolhi a da estrofe 12, página 179:
                        Animais mudaram hábitos,
                        Morcegos davam rasantes,
                        Trovões e raios bailavam
                        Como se fossem amantes.
                        Da mata se ouviam uivos,
                        Gemidos horripilantes.
As forças da Natureza (trovões e raios) ganham aos olhos do poeta a figura de retórica que denominamos  Prosopopeia ou personificação, que é quando se atribui vida ou qualidades humanas às coisas:  “Trovões e raios bailavam/Como se fossem amantes”. A nota não poderia ser outra: 5 para os dois critérios.

O RAPAZ QUE TEVE MEDO NO PORTÃO DO CEMITÉRIO – Marciano Medeiros
     Confesso, não minto. Quem está com medo agora sou eu. Não porque passo em frente ao cemitério, mas sim, pelo fato de ter a ousadia de fazer crítica a um texto de Marciano Medeiros.  Ele é um poeta que entre tantos que conheço, talvez seja o que mais se preocupa com a perfeição dos seus textos. Ler qualquer poema  de Marciano Medeiros é ter a certeza de que vamos nos deparar com coisas boas.
Não foi diferente aqui. 100% de rimas perfeitas, nenhum deslize encontrado na parte gramatical. 31 estrofes em  septilhas narram o que foi narrado pelo avô do eu lírico. A oralidade torna-se literatura:
                        Mas vovô fechou a porta
                        Mostrando o semblante sério,
                        Pediu para nos contar,
                        Falou com muito critério:
                        -Vou dizer cada segredo
                        Do rapaz que teve medo
                        No portão do cemitério.
E é nesta narrativa que Romildo se entregar ao leitor.  Escolhi a estrofe 2, página 185, para trazer a pitada de imagem poética.
                        Quando a cortina da noite
                        Espalhava escuridão,
                        Zé Salustino, dos netos,
                        Ganhava toda atenção.
                        Descrevia os cangaceiros
                        Junto às almas dos vaqueiros
                        No silêncio do sertão.
Encontramos aqui um recurso de linguagem que dá beleza ao texto, a Conotação, quando empregamos palavras no sentido figurado: “ ... a cortina da noite ...”.   Nota 5  no suspense e terror e também no geral.


A GÊMEA – Niro Carper
Niro Carper é um dos poetas que tem talento de sobra para escrever no estilo de suspense e terror.  Nas 94 estrofes, todas em sextilhas, ele consegue  deixar em quase todas a semente do medo.  99,64% de rimas perfeitas, distribuídas num enredo que altera a pressão arterial.  A vida de Cristina, personagem central, passa por uma série de experiências sobrenaturais.
                        Imaginava, tristonha,
                        Como tudo aconteceu,
                        Como seria a irmã,
                        Como sua mãe morreu,
                        Como vencer o demônio –
                        Por três vezes se benzeu
É nesta estrofe 53, página 199, que vamos nos deparar com a figura de linguagem chamada Anáfora que consiste na repetição de uma ou mais palavras no princípio de sucessivos segmentos métricos, isto é, versos. No exemplo a anáfora se dá nos versos 2 a  4, através da palavra “Como”. Notas 5 para as duas categorias.
                        


A BOTIJA – Rita Cruz
“Não sou estátua para ficar a vida inteira na mesma posição, sem nunca mudar” – esta frase foi dita por Rafael Negreiros.  Uso-a para louvar a poeta Rita Cruz que tem crescido no seu trabalho literário, graças a coragem de mudar, de não ficar estática. É com alegria que mensuro a poética de Rita Cruz que no presente texto tem  100% de rimas perfeitas e  quase nenhum erro ao longo das 32 estrofes sextilhadas. “A Botija” de Rita Cruz vem com a confissão  e um pedido do dono (estrofes 18 a 25, páginas 210 e 211).
  Deste texto apresento ao leitor Obsecração, uma figura de estilo da  linguagem, bastante usada pelos cordelistas, que  consiste numa súplica a Deus ou aos  santos, durante uma situação difícil. Vamos encontrá-la  na estrofe  13, página 209:
                        -Maria cheia de  graça,
                        Valei-me Nossa Senhora!
                        Assim rezava vovó,
                        Se benzendo toda hora.
                        Meu avô com a enxada
                        Cavava sem ter demora.
Fácil a identificação, não é mesmo? Nota 5 recebe a autora nos dois segmentos: suspense e terror e no geral.
                         



OS RATOS DO CEMITÉRO –Stélio Torquato
     O poeta Stélio Torquato tem prestado um relevante serviço ao público leitor de cordel. Uma das suas bandeiras é transpor clássicos da literatura para o gênero de cordel. Fico pensando o que sobre ele escreveriam Veríssimo de Melo, Raymond Cantel e Diegues Junior se tivessem conhecido seus textos. Vocês irão compreender melhor o que digo quando for publicado o artigo “Veríssimo de Melo e sua importância à Literatura de Cordel”, na Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
Voltemos ao texto de Stélio Torquato. 74 estrofes dispostas na estrutura de septilhas, uma releitura do texto de Henry Kuttner.  99,72% de rimas perfeitas.  A história do velho Masson é bem interessante. O protagonista é a priori bem instruído pelo povo sobre as  narrativas  existentes  em Salém. Qual o destino que aguarda o velho Masson?  Vai ser logo na primeira estrofe, página 215, que o poeta Stelio Torquato faz uso de uma figura de pensamento, neste caso,  o  Oxímoro,  que é a presença de ideias contrárias. Veja:
                        Vem de lá, do aquém do além,
                        Lá d’onde vivem os mortos,
                        Um causo que um esqueleto,
                        Com sua mão de dedos tortos,
                        Um tanto insone, escreveu.
                        Contaram-no, leitor meu,
                        Os ventos vindos dos portos.
“Aquém/ além” e “vivem os mortos” são expressões que apresentam pensamentos paradoxos, razão pela qual  formam o Oxímoro.  Atribuo notas 5 nas duas categorias.



FANTASMA DA CONSCIÊNCIA – Zeca Pereira
Chegamos ao último poema do “Baú do Medo”, é hora de fechá-lo, mas antes vamos tratar um pouco do cordel escrito por Zeca Pereira, que usando a sextilha construiu 64 estrofes, com as quais narra a história de Aderval.
100% de rimas perfeitas  dão ao texto um desenvolvimento que vai conduzindo o leitor a um desfecho repleto de suspense e terror. Até que ponto suporta o homem o sigilo dos seus erros? É isso que Zeca Pereira nos revela no seu texto.  Finalmente, depois que identificamos nos cordéis acima a presença de Antonomásia, Diácope, Catacrese, Hipérbole, Conotação, Anáfora, Obsecração, Oxímoro, Prosopopeia, é a vez de  mostrar que Zeca Pereira fez uso de  Metáfora, é uma figura de linguagem que descreve um objeto ou uma qualidade de uma maneira não literal, e ajuda a explicar uma ideia geral sobre algo ou alguém. 
                        O peso da consciência
                           Deixava-lhe preocupado,
                           Desejava achar alguém
                           Pra viajar do seu lado
                          Tentando assim esquecer
                          O episódio passado.

Consciência é um substantivo abstrato, portanto não pode ter peso.  Registro notas 5 também ao texto de Zeca Pereira. Fecho  “ O Baú do Medo” e  jogo a chave dentro da “Cabana Maldita” quem tiver coragem que vá lá buscar.

Mané Beradeiro, 29 de janeiro de 2020.

Referências:

 PEREIRA, Zeca. O Baú do Medo - Coletânea de Cordéis  de Suspense e Terror. Barreiras/BA: Nordestina Editora, 2019. 

MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São paulo/SP: Cultrix, 1974.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

PESQUISAS SOBRE A LITERATURA NO RIO GRANDE DO NORTE

O pesquisador Francisco Martins quando tomou a decisão de não mais fazer atividades culturais pelas escolas, coisa que fez por 11 anos, não foi para ficar parado. Na verdade ele aspirava mais tempo para se dedicar às pesquisas.

Francisco Martins
Desde o  início de janeiro que ele se dedica a organização da segunda parte do livro "Autores e Assuntos na Revista da ANRL - 2019", que estará disponível para venda em março, quando a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras estará lançando a Revista ANRL nº 62, do trimestre janeiro-março. Em dezembro de 2018 Francisco Martins lançou a primeira parte desta pesquisa  que abrange o período de 1951 a 2018.

 O pesquisador também está organizando a bibliografia de Veríssimo de Melo, tendo em vista o seu centenário de nascimento que vai ocorrer em 2021.

Veríssimo de Melo

Uma curiosidade sobre Veríssimo de Melo que Francisco Martins vai trazer à comunidade literária diz respeito aos livros "Patronos e Acadêmicos", que embora tenham sido feitos por ele, a ideia surgiu de Manoel Rodrigues, que era Presidente da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e que confiou o trabalho a Aderbal de França.


terça-feira, 14 de janeiro de 2020

CACIMBA DE SÃO TOMÉ - GENERAL JOÃO VARELA

 


Rua Professor Zuza, centro de Natal.
Esta rua já foi chamada de Jerônimo de Albuquerque. Câmara Cascudo diz que onde existiu a casa de número 219, residiu o General Varela (João da Fonseca Varela), herói na guerra do Paraguai, Comandante do Forte dos Reis Magos.
João Varela nasceu em 2 de dezembro de 1850 e faleceu em 1931.

Foi General João Varela.
Homem que amou o Brasil
Lutou lá no Paraguai
Disparando seu fuzil
Defendeu a nossa pátria
O jovem tão varonil"

Mané Beradeiro


segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

E AGORA RAIMUNDO?



Raimundo ia se casar, estava  marcado para ser no final de dezembro, tudo bem certinho igual a boca de bode, até que ele descobriu uma coisa da sua futura esposa. Alguém muito machista veio até ele e disse:
-Você vai mesmo casar com aquela moça?
-Claro
-Mesmo sabendo que ...
-Sabendo o quê?
-Que ela é mais lambida que tampa de iogurte!
Foi o suficiente para Raimundo acabar com os planos de casamento, e ainda por cima, para não lembrar da ex-noiva, até hoje não entra em sua casa nenhum pote de iogurte.


 

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

ABRINDO " O BAÚ DO MEDO" - ANTOLOGIA DE CORDEL COM SUSPENSE E TERROR - PARTE I



 Assim como a Coleção “A Cabana Maldita” publicada em 2019 também apareceu no ano passado a  antologia de cordéis de suspense e terror, intitulada “O Baú do Medo”,  ambas com o selo da Nordestina Editora. “O Baú do Medo” um livro com 236 páginas, que tem a participação de 20 poetas.  Resolvi escrever sobre o material dessa antologia e para não ficar tão extensa a resenha dividi em duas partes, cada uma contemplará 10 folhetos, seguindo a ordem da própria antologia.
Tenho sentido alegria neste ofício de ser crítico do cordel brasileiro. Ser crítico é uma atividade solitária. Fazemos nossas considerações porque acreditamos que deixaremos um legado que servirá aos que leem hoje e aos que irão ler amanhã.
Busco escrever uma crítica mestra, que traga sinais da imparcialidade e seja luz àqueles que almejam apresentar aos seus leitores um cordel mais belo. Nesta estrada nem todos compreendem os meus passos. Mas continuo com o olhar fixo no horizonte, pois sinto que já tenho alguns olhando e agradecendo a jornada que ousei começar.
Suspense e terror são elementos que integram o conjunto do medo.  Nos cordéis da antologia “O Baú do Medo” iremos nos deparar com vários textos que trazem cenas onde personagens são estimulados às situações de possível luta ou fuga. Alguns poetas souberam construir com maestria, outros nem tantos, mas o que importa é que neste momento eles fazem história por serem participantes deste livro.

Zeca Pereira, editor e organizador desta antologia nos diz:

Quando surgiu a ideia de lança-la, eu já imaginava a tamanha dificuldade, pois não seria fácil encontrar    autores com textos prontos para esse fim, e realmente foi difícil...Para muitos, inclusive para mim, foi um grande desafio, mas eu tenho dito: o poeta precisa ser versátil para conseguir chamar  a atenção do leitor” (PEREIRA, 2019).

Foi pensando nessa dificuldade e na proposta da versatilidade acima que entro na leitura crítica destes cordéis e trago até vocês minhas considerações.

O COLECIONADOR DE CRÂNIOS – Alberto Figueredo
        Numa misteriosa mansão, de um morador estranho há um galpão com uma coleção horripilante.  Esta é a trama que Alberto Figueredo desenvolveu em 41 sextilhas. Um poema com 100% de rimas aproveitadas. Desenvolveu o poema com suspense e traz várias cenas de terror. Gostei da sequência dos fatos e da forma como foi encerrado o cordel.  Entretanto, pequenos ajustes devem ser feitos nas estrofes 5,6,7,10,28 e 31 no tocante a acentuação e concordância e nas estrofes 37 e 38 a questão da cacofonia, respectivamente “la´no dela” e “praquela”, expressões carregadas de sonoridades não poéticas. Veja também o autor as estrofes 3 e 13, nelas há uma fuga de coesão, afinal o colecionador é um velho (estrofe 3) ou um moço (estrofe 13?


O VULTO  - Aurineide Alencar
Neste cordel Aurineide Alencar nos traz um causo que aconteceu com Galego, morador do Sítio Sossego que viveu uma experiência diferente, com suspense e medo. Que tipo de “bicho” perseguiu Galego? Que aconteceu com o nosso protagonista? Para ter a resposta é necessário correr os olhos nas 31 estrofes do cordel (30 sextilhas e 1 nona). A poeta Aurineide conseguiu atingir 96,83% de rimas perfeitas. Não fechou os 100% por causa das rimas orais e as que mesclam singular e plural. Aqui também há necessidade de revisar algumas palavras que precisam serem escritas com iniciais maiúsculas (substantivos: Galego, Virgem Maria, Sítio Sossego). Em edições futuras a autora faça uso das aspas (“ “)  para as frases que são pensamentos  ou falas de personagens  citadas pelo narrador (estrofes 11,19,20,27) . Quando for o próprio personagem falando, em discurso direto não é preciso o uso das aspas, mas torna-se imperiosa a presença do travessão (─). Como por exemplo a estrofe 23:
                        Galego então resolveu
                            De onde estava gritar:
                            ─Eu também quero comer
                            “tô” com uma fome de lascar.
                            Bem nessa hora a cozinha
                            Voltou a silenciar.
                            (PEREIRA,   2019, P. 20)

Na estrofe 28, página 21,  o  correto é  o verbo acender e não ascender.



O NOIVADO MACABRO  - AroDinei Gaia

Estamos com Pedro, na cidade de Belém, numa sexta-feira, dia 13, data que traz elementos de azar. É noite, e a distância vamos acompanhar os passos de Pedro, lendo o que escreveu o poetar AroDinei Gaia, nas 32 estrofes, todas em sextilhas, que se entrelaçam na construção da trama de um noivado tão diferente. 100% de aproveitamento das rimas. Apenas um verso com necessidade de correção. Ele está na estrofe 4. Como se trata de um pensamento de Pedro não deve ter o uso do travessão (─), mas sim das aspas (“ “).


A MALDITA BOTIJA DO CASARÃO -  Antonio Marcos

As botijas fazem parte do universo de contos de suspense e terror, é quase impossível numa roda de conversas sobre  histórias mal-assombradas, não aparecer este assunto na pauta. No cordel também é assim. E é o poeta Antonio Marcos quem vai ter a primazia de contar uma história com botija, nesta antologia  “O Baú do Medo”.
Faz isso através de 34 estrofes, em sextilhas. Casarão abandonado, almas penadas, a botija, o diabo, caveira e outras coisas fazem parte da lista  dos ingredientes deste cordel. É bem verdade que em alguns momentos da narrativa sentimos mais a característica do gracejo que o suspense e terror. Todavia, de forma geral, Antonio Marcos conseguiu através de José e Pedro de Bil atingir o objetivo proposto pelo editor. 97,05% de rimas perfeitas. Eu fiquei querendo um fechamento da narrativa de forma mais impactante.



A LENDA DO VAQUEIRO FANTASMA – Cleber Eduão

Pedro Valente, vaqueiro, casado com Abla Cecília, é capaz de tudo para defender seu chão. Até que ponto vai a sua determinação?  Terá Pedro Valente força suficiente para enfrentar a força do coronelismo? O poeta Cleber Eduão é o autor desta narrativa, com 54 estrofes, em septilhas, 100% de  aproveitamento de rimas perfeitas.  Três observações eu sinalizo ao poeta Cleber Eduão: 1) O verbo estar. Em algumas estrofes ela vai aparecer escrito de forma contraída (“tava”). Isso é quase uma constante no meio dos textos de cordéis, inclusive eu usei muito sem perceber que aplicava um termo oral. Creio que ele só deva ser usado assim quando estiver representando uma fala direta de um personagem e neste caso, entre aspas e de forma itálica. 2) Lá na página 45, estrofe 22, o poeta  tem um verso, dentro do qual há um cacófato ( do grego kakophonía),  que nada mais é do que um som desagradável, neste caso “já tava”. 3) Na estrofe 49  reveja a ortografia do verso: “Quando ouviu-se a livuzia” (sic).


ZÉ DEGREDO E O MALAMÉM DO CASARÃO ASSOMBRADO – Chico Leite

O Malamém que o poeta Chico Leite  nos apresenta no seu texto é um personagem já bastante presente nas histórias contadas pelos nossos avós e bem como em livros de prosas que trazem contos populares.  O que Chico Leite escreveu foi um trabalho de alusão estrutural e, diga-se de passagem, bem montada, em suas 77 estrofes, sextilhas. É um misto de suspense, terror e um pouco de gracejo.  Nas 231 rimas presentes, 97,40%  estão harmoniosamente perfeitas. Zé Degredo prova ser um homem de coragem e fazer jus ao que diz a estrofe seguinte:
                        Não tinha medo de nada:
                            Onça, caipora ou fantasma,
                            Coisas que a qualquer um outro
                            Basta para dar até asma ...
                            A coragem deste Zé,
                            Até jagunço se pasma.
                            (PEREIRA, 2019, P. 53)



JARDIM DAS ALMAS – Douglas Sodré e Zeca Pereira

Nestes versos convidamos
O nosso caro leitor
Para seguirmos viagem
Nas asas dum beija-flor
Até o Jardim das Almas,
Cenário de grande horror.
(PEREIRA, 2019, P. 67)

Atendo ao convite dos poetas Douglas Sodré e Zeca Pereira e vou com eles até o Jardim das Almas. Conheço Maristela e o jardineiro Antonio Galeno. Uma história contada em 124 sextilhas, com nível de aproveitamento das rimas em 99,19%.  Os poetas souberam costurar os versos com uma linearidade que vai  de estrofe a estrofe cativando o leitor. É na 17ª que tem início o suspense:

De repente, Maristela
Ouviu sorrisos de alguém
Ela perguntou quem era
Não apareceu ninguém
Quando viu duas crianças
Como vindas do além.
(PEREIRA, 2019, P. 69).

As cenas construídas a seguir ganham a beleza de um rio que vai desaguar numa cachoeira, atingindo em minha perspectiva de leitor, o ápice do suspense a partir da estrofe 30:

                Matilde vendo os desenhos
                   Despertou suas lembranças,
                   Em um que tinha os rostos
                   De duas belas crianças
                  Desaparecidas há anos
                   Sem deixar mais esperanças.
                   (PEREIRA, 2019. P. 70)

Neste poema vai ser preciso fazer algumas podações nas estrofes 25, 76 e 95, para que o Jardim fique mais bonito.



O CANIBAL – Ednaldo Alves e Zeca Pereira

A história tem como palco a cidade de São Paulo,  capital. São 50 estrofes, em sextilhas, com mais cenas de terror do que suspense.  Durante 10 anos os crimes permaneciam sem soluções, até que um detetive resolve ir atrás deste mistério. Gutenberg Nogueira conseguirá obter êxito? Charles permanecerá no anonimato?  No texto só encontrei duas pequenas coisas a serem revistas:  no tocante a geografia física, estrofe 3, não se pode afirmar  “A praça da Catedral fica na  periferia”.  Catedrais  estão  sempre no centro das metrópoles. A outra está na estrofe 37,  página 89, tem uma palavra com ortografia errada. O poema tem 98% de aproveitamento de rimas perfeitas.




A LAGOA DO TERROR – Flávio Barjes

 Quatro jovens estudantes se aventuram pelo interior do Pará e vão escutar a história sobre o feiticeiro  Tomé Sobral.  Conselhos, canja de galinha e seguro são coisas que não fazem mal a ninguém.Terão  os jovens o discernimento do perigo que pode atingi-los naquela lagoa amaldiçoada? Quantos escaparão?  A Lagoa do Terror  infelizmente teve sua diagramação prejudicada na antologia, há várias estrofes fora de ordem. São 54 estrofes, em sextilhas, 100% de rimas perfeitas. Na página 97, a quarta estrofe, o verbo fazer deve ficar no impessoal (Onde já faz anos). Um cordel muito bem criado, com estrofes repletas de imagens que enriquecem o texto e trazem veracidade à narrativa.



 
O CARTEIRO FANTASMA – Flaviano Medeiros

Um carteiro do além que traz correspondências sinistras às suas vítimas. Entra em qualquer ambiente sem precisar usar as portas e suas cartas só podem ser abertas pelos destinatários, qualquer outra pessoa que tentar violar as correspondências não obterá êxito. Alfredo Mendonça Filho é um dos personagens que irá ser atribulado por esse carteiro.  Uma história que cativa o leitor. Muito bem montada, através das 171 estrofes em sextilhas que foram escritas pelo poeta Flaviano Medeiros. Um triângulo amoroso, um homem ambicioso, uma família, este trinômio vai prender  sua atenção na leitura.  100% de rimas perfeitas. Há erros de ortografia, acentuação de crase, uso inadequado do travessão, colocação pronominal, respectivamente nas estrofes 19,20,52,101,142.



NOTAS DOS POEMAS
1)   O Colecionador de Crânios – pelo suspense e terror nota 5.  Por causa dos ajustes que necessitam serem feitos nota geral 3,5.
2)  O Vulto -  pelo suspense  - nota 5. Pelos ajustes a serem feitos nota geral 3,5.
3)  O Noivado Macabro – Pelo suspense nota 5. Nota geral 5.
4)  A Maldita Botija do Casarão – Pelo suspense e terror nota 5.  Nota geral 4,5.
5)  A Lenda do Vaqueiro Fantasma – Pelo suspense – nota 4,5. Nota geral 4,5.
6)  Zé Degredo e o Malamém do Casarão Assombrado – Pelo suspense e terror – Nota 5. Nota geral 4.
7)  Jardim das Almas – Pelo suspense e terror – nota 5.  Pela podação a ser feita – nota geral 4.
8)  O Canibal – Pelas cenas de terror – nota 5.  Nota geral 4.
9)  A Lagoa do Terror - Pelas cenas de suspense e terror - nota 5. Nota geral 4
10)       O Carteiro Fantasma – Pelo suspense e  terror – nota 5. Nota geral 4,5.

          Vou ficando por aqui, mas breve voltarei. Permitam-me refazer dos medos e das lembranças horripilantes que estão povoando minha mente.


Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 07 de janeiro de 2020. 

Referência:

PEREIRA, Zeca. O Baú do Medo - Coletânea de Cordéis  de Suspense e Terror. Barreiras/BA: Nordestina Editora, 2019.



CACIMBA DE SÃO TOMÉ - MADALENA ANTUNES



Hoje é apenas um muro, mas exatamente aí, neste local, que fica na Avenida Hermes da Fonseca, bem defronte ao que resta do Estádio Juvenal Lamartine, em Natal, foi a casa da maior memorialista do Rio Grande do Norte e uma das quatro melhores do Brasil. Quem foi ela? MADALENA ANTUNES PEREIRA, autora do livro Oiteiro -Memorias de uma sinhá-moça (1958).

Madalena com a pena
Registrou tudo que viu
Os negros sendo libertos
A nobreza que existiu
Agora só em OITEIRO
Saudamos quem já partiu.


Mané Beradeiro

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O GRITO DO MAR



Mar, por que gritas com as pedras?
Quem te ensinou a esbravejar?
Meus olhos só te conhecem até a linha do horizonte e pareces ser tão calmo.
Neste balé de águas verdes percebo que tua placidez é falsa.
Tu és grande, mas as pedras não temem tua imensidão.
Tua superfície tem rastros de pescadores que somente as gaivotas conseguem identificar.


Francisco Martins 


quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

ACADEMIA DE CORDEL DO VALE DO PARAÍBA

Edital – Concurso de Cordel de Gracejo
            O Núcleo de Editoração da Academia de Cordel do Vale do Paraíba institui o 1º Concurso de Cordel de Gracejo, com o objetivo de incentivar a criação artística ligada ao cordel em todas as suas formas de expressão e o fomento à produção, difusão e circulação de cordéis.
I – TEMÁTICA E FEITURA
A temática deverá ser ligada ao folheto “de gracejo”, ou fescenino. Serão valorizados os itens relevantes sobre pesquisa, criatividade e poética, observando os elementos estruturais do texto de cordel:  a rima, a métrica e a oração.
  1. Para a feitura do texto de cordel foi determinada a categoria de sextilha, estrofe de seis versos obedecendo o seguinte esquema de rimas: XAXAXA, ou seja, rima nos versos pares, com versos de sete sílabas métricas.
  2. O texto concorrente deverá conter 32 (trinta e duas) estrofes de seis versos cada, obedecendo a uma linha temporal com início, desenvolvimento e conclusão, digitado no Word, fonte  Arial 12, espaçamento simples entre  os versos e dois espaços entre as estrofes, em folha com margens de  1cm em todos os  lados, e em duas colunas (entre colunas  2 cm).
  3. Os textos que não obedecerem às normas citadas acima serão automaticamente desclassificados, assim como os que não apresentarem nível técnico ou que estejam fora da temática, bem como trabalhos escritos por terceiros
II – INSCRIÇÃO       
As inscrições acontecem de 1º a 31 de janeiro de 2020, podendo se inscrever cordelistas de todo o Brasil, com um trabalho por candidato.
  1. As inscrições poderão ser feitas das seguintes formas:
1 -Pela internet através do e-mail: mozartpe@gmail.com
2 – Via postal para o endereço: Rua Dr. Olavo Magalhães, 79 – Jaguaribe – João Pesso – PB CEP 58.015-010
  1. candidato deverá enviar dados pessoas com telefone, endereço, junto com o trabalho.
III –SELEÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E PREMIAÇÃO
Serão classificados 20 textos e destes, os três melhores trabalhos serão publicados.
  1. Cada autor receberá 200 exemplares do seu trabalho publicado.
  2. Se o autor tiver capa produzida, poderá enviar. Não tendo, ao Comissão do Concurso providenciará a arte.
  3. Os vinte primeiros textos classificados serão publicados em formato de livro, havendo disponibilidade de recursos através de financiamento coletivo.
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Casos omissos a este Edital serão tratados com a comissão organizadora do concurso.
Os vinte participantes classificados cederão os direitos de publicação dos seus textos para a Academia de Cordel do Vale do Paraíba para que sejam publicados, sem fins lucrativos.
João Pessoa, 02 de janeiro de 2020
COMISSÃO ORGANIZADORA

MANÉ BERADEIRO FOI CONVIDADO PARA O CONSELHO EDITORIAL DA NORDESTINA EDITORA



O poeta Mané Beradeiro foi convidado para fazer parte do Conselho Editorial da Nordestina Editora, com sede em Barreiras/ BA. A página do Facebook da  Editora tem a seguinte nota: " A NORDESTINA EDITORA há tempos pensava em criar um Conselho Editorial para avaliar melhor suas publicações e agora temos três pessoas capacitadas para nos auxiliar nessa nova empreitada, são elas: Niro Carper(PA), Mané Beradeiro (RN) e Márcio Fabiano (SP). Com isso os novos trabalhos serão bem mais avaliados e todos temos a ganhar." A Nordestina Editora levanta e sustenta a bandeira do cordel brasileiro, publicando folhetos de vários poetas, antologias, anuários e outros livros referentes ao  assunto.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

ASSIM DISSERAM ELES ...

"Estou preso nesta liberdade de viver"



Francisco Martins

O HUMOR DE MANÉ BERADEIRO - ANO NOVO


Pular sete ondas no dia 1 de janeiro é moleza.
Quero vê  beijar um baiacu,
pentear um ourisco, 
dá polimento numa ostra e pescar uma sereia.

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

CACIMBA DE SÃO TOMÉ - PRAÇA ANDRE DE ALBUQUERQUE




Praça André de Albuquerque. Em seu entorno nasceu a cidade do Natal. A primeira rua que era conhecida com o nome de Rua Grande, a primeira igreja que foi demolida pelos holandeses, o pelourinho, etc. O chão da praça é testemunha de muita história. Deram-lhe o nome de André de Albuquerque, o líder e mártir da Revolução de 1817. Esqueceram de fazer no berço de Natal uma homenagem ao fundador da cidade: Jerônimo de Albuquerque.

Quando a praça era um descampado, em 1906 foi aí que pela primeira vez os irmãos Pedroza trouxeram da Inglaterra uma bola de futebol e Natal assistiu a primeira pelada, registra Cascudo.

No berço da capital
Tem histórias de montão
Marco Zero de Natal
Porteira do coração
Quem por ela já passou
Vê a Praça em aflição.


Mané Beradeiro