Izabel Nascimento, poeta cordelista, escreveu na apresentação do livro que é objeto desta resenha, o seguinte: “honrar o passado é a maneira mais admirável de alicerçar o futuro”. Concordo plenamente com a poeta dos girassóis. E aproveitando essa assertiva, dela extraio para introdução da resenha duas palavras: honra e futuro.
HONRA A QUEM MERECE
“82 anos de Publicações Femininas na Literatura de Cordel” é um dos mais recentes trabalhos publicados pela Cordelaria Castro, que tem sua sede em Petrolina – PE. A edição foi organizada por Graciele Castro, tem capa e ilustrações de Nireuda Longobardi e também de Kelmara Castro e Regina Drozina, poetas das goivas.
A obra coletiva contou com a participação de 21 mulheres cordelistas, cujos nomes citarei adiante. Além da presença de Alzinete Alencar Pimentel, Alinete Pimentel e Suely Pimentel. Tudo nesse livro foi feito com a presença feminina, nem mesmo o projeto gráfico da capa (Julie Oliveira), a diagramação (Graciele Castro) e a revisão (Isis da Penha) fugiram disso.
Toda essa equipe e o empenho dela teve como objetivo honrar MARIA DAS NEVES BATISTA PIMENTEL, a primeira mulher que escreveu poemas no gênero de cordel, publicado em 1938. Maria das Neves nasceu em João Pessoa-PB no dia 2 de agosto de 1913. Era filha de Francisco das Chagas Batista e Hugolina Nunes Batista. O fruto nunca cai longe da árvore, e Maria das Neves é a prova disso.
Maria das Neves
Naquele
tempo, todos os poetas cordelistas eram homens. Maria das Neves recorreu ao
nome do esposo Altino Alagoano (Altino de Alencar Pimentel) para poder imprimir o folheto e vender. O título
dessa obra foi “O Violino do Diabo ou o
valor da honestidade” (uma releitura do livro “O Violino do diabo” de Victor
Pérez Escrich).
Quem desejar se aprofundar no poema do cordel acima, convido o leitor a conhecer o excelente texto “Maria das Neves Batista Pimentel: a voz por trás do verso”, de Elanir França de Carvalho e Letícia Fernanda da Silva Oliveira. Vide endereço abaixo.
A bandeira erguida pela Cordelaria Castro é digna de honra e aplauso por todos aqueles que labutam e sabem o quanto é importante apregoar o cordel brasileiro.
CONSTRUINDO O FUTURO AGORA
Há outras coisas que devo escrever sobre o livro “82 anos de Publicações Femininas na Literatura de Cordel”. É a hora de apresentar minhas considerações como crítico literário. Primeiro: gostaria de dizer que oito décadas guarda muitos acontecimentos referentes ao tema proposto. Senti falta de uma pesquisa mais profunda sobre outras mulheres. Segundo, não sei qual foi o critério usado pela editora para formar o ramalhete das 21 poetas, mas muita gente boa ficou de fora e que com certeza só viria a engrandecer a obra.
Terceiro: quando eu me proponho a escrever uma crítica sobre determinado livro ou coletânea, procuro ter respeito pelos participantes, mas, sobretudo pelo meu leitor. Li e volvi minha atenção aos poemas e suas autoras. Todas as 21 convidadas receberam a missão de tecer seu poema usando o mote: “Minha trajetória no cordel”, optando pela sextilha ou setilha. Quero chamar a atenção do leitor para uma observação que jugo importante: apenas a poeta Tânia Castro optou pela sextilha no estilo corrido (AABCCB), a maioria ficou mesmo na sextilha com estilo aberto (XAXAXA) e somente Cleusa Santos escreveu em setilha.
Debrucei-me sobre os cordéis que elas produziram, andei entre as estrofes, conversei com os versos, sentei e escutei as rimas. Vi a beleza da oração, senti o ritmo dos poemas, e alguns estão carentes disso. Quando se trata se poesia, queremos o melhor, pois a poesia é a moldura da beleza. Esse pensamento aplica-se também ao cordel brasileiro.
Quero mulheres escrevendo com qualidade, com segurança, com o exercício de lapidarem seus versos e apresenta-los como diamantes que são cobiçados. Isso não é um sonho utópico, é tangível. Aqui, nesta resenha temos o exemplo de Giselda Pereira, poeta de excelência, e outras que estão chegando neste nível.
Trouxe tudo anotado e apliquei na minha Tabela Beradeiriana, que com base nos dados de rimas certas, métricas corretas, oração e ritmo, consigo obter o Índice de Coeficiente Poético – ICP dessas 21 mulheres. O resultado foi o seguinte:
1) Alaíde Souza Costa – 87,9%
2) Aurineide Alencar – 91,2%
3) Bhetty Brazil – 62,4%
4) Cleusa Santo – 99,2%
5) Cris Moura – 92,2
6) Dani Almeida – 98,9%
7) Daniela Bento – 93,9%
8) EdiMaria – 98,5%
9) Elizângela Soares – 89,3%
10) Giselda Pereira – 100%
11) Graciele Castro – 81 %
12) Isabel Maia – 89,5%
13) Josenilda Dias – 79,9%
14) Josy Silva – 73,5%
15) Julie Oliveira – 95,2%
16) Madalena Castro – 93,7%
17) Negra Aurea – 97,7%
18) Raimunda Frazão – 79%
19) Tânia Castro – 93%
20) Vana Miletto – 98,8
21) Vânia Alves – 76,3%
Quanto mais próximo de 100 estiver o ICP, mas
competente é a poeta no que diz respeito aos itens avaliados. As cordelistas que apresentam problemas de
métricas e rimas, que são os pilares
mais problemáticos na construção de um cordel, deixo aqui o que escreveu a
poeta Madalena Castro:
“Fiz meus primeiros cordéis
Alguns desmetrificados,
Mas com o tempo eles foram
Todos eles revisados
Já conto quase noventa
De cordéis meus publicados”
(CASTRO, 2020, p.44).
Essa é a atitude que o cordel brasileiro espera que todos os cordelistas façam sempre. Burilar o poema é engrandecer o cordel. Reconhecer os erros é uma qualidade dos grandes poetas. Infelizmente eu já ouvi alguns dizerem: “não fico preocupado se a rima ou a métrica estão certas”. Que tipo de cordel esse poeta produz? Eu mesmo venho fazendo isso com os meus cordéis. Quantos erros eu cometi de métrica e rima! Se queremos um futuro para esse gênero literário, não podemos permitir que ele continue sendo impresso com erros gritantes que atingem a base das suas regras.
Hoje, a maioria dos poetas cordelistas possui o ensino médio e há até doutores. Eis a razão de estarmos atentos a tal assunto.
As xilógrafas trouxeram suas imagens poéticas e enriqueceram a obra. Continuem escrevendo seus textos, extraindo da madeira as raspas que permitem surgir a beleza das cenas que nascem através das vossas mãos.
Por último, gostei do registro que o trabalho apresenta fazendo referência às mulheres violeiras. Por tudo isso, está de parabéns a Cordelaria Castro. O livro, ora resenhado, podia ter vindo bem melhor, mas o importante é que ele chegou e está circulando pelo Brasil, compondo as prateleiras da estante reservada à História do Cordel Brasileiro.
E se eu não fosse um crítico de cordel escreveria apenas: O livro “82 anos de Publicações Femininas na Literatura de Cordel”, uma obra coletiva, mostra-nos o quanto o cordel é importante para transformar vida. Lemos isso nos vários depoimentos, em formas de versos, que as 21 mulheres participantes escreveram. É uma prova tangível que a poesia funciona como terapia, tábua de salvação, além de ser uma ferramenta para hastear a bandeira do feminismo e denunciar pensamentos retrógrados. Viva as mulheres desse universo!
Se você leu até aqui, quero que saiba, parafraseando o poeta Manoel Cavalcante: " ...a grandeza da poesia jamais vai ser exata...a poesia não é regra de três". Mas um texto como manda o figurino do cordel brasileiro é bem mais bonito, isso é.
Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 29 de novembro a 3 de dezembro de 2020.
Fontes:
1) https://www.paraibacriativa.com.br/artista/maria-das-neves-batista-pimentel/
2) “Maria das Neves Batista Pimentel: a voz por trás do verso”, file:///C:/Users/Cliente/AppData/Local/Temp/716-Texto%20do%20artigo-1801-1-10-20170221.pdf
3) Dicionário Brasileiro de Literatura de Cordel – ABLC. Rio de Janeiro, 2005.