Eu não tinha lido nada de Madalena
Castro, poetisa pernambucana, até que recentemente a descobri no livro “82
Anos de Publicações Femininas na
Literatura de Cordel”. Percebi que Madalena
Castro é uma poetisa que prima pelo seu texto poético, não o deixa sair do ninho
sem antes surgir a plumagem e ter ensaiado as primeiras notas do seu cântico.
Só então, depois disso, Madalena Castro permite que seus poemas batam asas e
ganhem o mundo.
|
Madalena Castro ( foto do Facebook da poeta)
|
Os poemas criados por Madalena
Castro têm sempre algo a nos ensinar. É assim com a aventura vivida pelo jovem
Ademar em um carnaval de Olinda, onde o leitor vai perceber que nem tudo que
brilha é ouro. E o rosário de Mané? (Que
não é este que escreve) Um texto cheio de sofrimento e infidelidade, onde Madalena
narra a história de um esposo traído e remoído, mas que tem a esperança
plantada em seu coração. Um quadro cheio de imagens onde a arte imita a vida.
Na linha da cidadania, a poetisa apresenta sua forma de pensar, no tocante a
presença feminina, que luta muito mais do que os homens e enfrenta dificuldades
gigantescas para ocupar seu espaço na sociedade. A poeta traz um eu lírico que
sabe da sua importância histórica:
“Dia da mulher pra mim
Deverá ser todo dia
Pois se não fosse a
mulher
Filho não existiria
Também, homem sem
mulher ...
Não deve ter alegria”
E sente-se injustiçada pela ação
dos homens que roubam, fazendo da corrupção o maior mal desta nação. Nesse
pensamento, a poeta convida a todos a fazerem parte dessa luta:
“Com esta vassoura, eu varro
Da nossa linda nação
Os bandidos, mal feitores,
Gente de mau coração
No meu pensamento, eu varro
Do Brasil qualquer ladrão”
Quando lemos “A discussão do freguês com o
macaco e o louro”, onde humanos e bichos dominam a mesma linguagem, percebemos
que muito mais do que gracejo, a autora deixa também a mensagem de ninguém deve
ser explorado neste Brasil, nem mesmo os animais.
Ela conhece as estradas do cordel
brasileiro e nessa trilha nos apresenta muito mais do que o constante existente
nos folhetos (sextilhas e septilhas), dominando também o quadrão mineiro, como
por exemplo, “A peleja da Cobra Jararaca
com o Jacaré”
Tenho Deus no coração
Sempre
faço uma oração
Na
hora da precisão
Quando
encontro um forasteiro
Que
quer me prejudicar
Com
conversa, me enrolar
Querendo
me derrubar
Cantando
quadrão mineiro
O Quadrão Mineiro é escrito com estrofes de oito versos, com sete
sílabas poéticas, onde os três primeiros versos rimas entre si, o quarto rima
com o oitavo (devendo terminar em EIRO). O quinto verso rima com o sétimo.
Quando adentra na construção de décimas, a poeta se junta com Ocione
Soares (Joselândia-MA), que reside em Caucaia-CE e tendo como base o mote “Só
me derruba quem por um sapo na minha frente”, Madalena e Ocione pelejam numa
forma gostosa de ser lida, onde as estrofes trazem beleza e riqueza de imagens
poéticas.
As pelejas são molduras que
ostentam as telas nas quais os autores
pintam as qualidades do eu lírico que fazem parte da pugna poética. Vejamos
duas estrofes, respectivamente de Ocione e Madalena:
“Faço bomba de argila
Pego cobra dou um nó
Eu já derrotei Popó
Amansei onça e gorila
Minha mente não vacila
Minha unha é um tridente
Um titular sem suplente
No verso seu professor
Só me derruba quem pôr
Um sapo na minha frente”.
“Sou igual um furacão
Da guerra sou o fuzil
Sou a praga no Brasil
Destruindo a plantação
Sou a seca do sertão
Que derrota toda enchente
Sou a bomba no oriente
Queimando o detonador
Só me derruba quem pôr
Um sapo na minha
frente”.
Por fim, a poeta Madalena Castro também tem em sua bibliografia, o cordel “A
história da boneca Abayomi”, no qual ela nos conta como surgiu essa boneca,
nascida dentro dos navios negreiros e a sua importância às crianças escravas. Vale a pena conhecer
este folheto.
“A Palavra Abayomi
É símbolo de tradição
De encontro precioso
A significação
Da negra, é resistência
E também afirmação”
A produção de Madalena Castro não se atém apenas a estes oito títulos apresentados
aqui, isso é a ponta do queijo de coalho que eu consegui
adquirir, na verdade, a peça inteira vem
com muito mais. Conheça Madalena Castro,
uma das grandes cordelistas brasileiras.
Ultimo esta resenha lembrando aos leitores e poetas cordelistas, que o
Cordel Brasileiro tem crescido bastante em todas as regiões do país. A prova
disso é que recentemente foi publicado pela Nordestina Editora “O Dicionário
Biobibliográfico dos Cordelistas Contemporâneos”, do qual Madalena Castro é
verbete. Daí a importância do trabalho de um crítico literário, que tem a
função de mostrar a produção poética que ora é feita pelos cordelistas. Nem
sempre o crítico é compreendido, mas sigo em frente. Os anos vindouros dirão se
o que escrevi valeu ou não. Por enquanto, sem medo de batráquios, sigo na árdua
missão de horas ser agraciado por alguns e noutras ser chicoteado.
Mané Beradeiro
28 de dezembro de 2020
FONTES:
CASTRO, Madalena. O azar de
Ademar no carnaval de Olinda. S/L.
Pantera Cordelaria, 2013.
_________________ A discussão
do freguês com o macaco e o louro. 2ª Ed. S/L. Pantera Cordelaria, 2017
________________. O corno e o soldado. S/L. Pantera
Cordelaria, 2017.
________________. A história da boneca Abayomi. Paulista/PE.
Pantera Cordelaria, 2017.
________________ A Peleja da
Cobra Jararaca com o Jacaré. Paulista/PE. Pantera Cordelaria, 2019.
________________. A peleja da
Cobra Jararaca com a Cobra de Cipó.
Paulista/PE. Pantera Cordelaria, 2019
________________. A Guerreira
do dia-a-dia/ A Revolta da mulher da vassoura. Paulista/PE. Pantera Cordelaria,
s/d.
_________________. Só me
derruba quem pôr um sapo na minha frente.
Fortaleza/CE. Edições Rimais,
setembro 2020. (Em parceria com Ocione Soares).