No dia 30 de abril de 1989, o jornal O POTI publicou dentro da série "A Natal que eu conheci" a seguinte crônica escrita por Vicente Serejo ....
“Não
faz muito tempo. Quando cheguei a Natal, saindo de Macau no ônibus de Chico de
Gustavo, hoje Empresa Cabral, aqui encontrei uma cidade que era grande aos meus
olhos, talvez magicamente maior que a de hoje, por suas ruas compridas, suas
praças grandes, seus prédios enormes.
Cheguei
em 1960, quando Natal cantava os versos da canção de Aluízio Alves, “que vinha
do sertão, lá do Cabugi, para sanar o sofrimento do seu povo”. Era a campanha e
dela eu só tinha notícias vagas nos meus nove anos.
Aqui
chegando, arrastando tudo quanto tinha vida, conheci muito intimamente, uma
praça: a Praça Pedro Velho. Naquele tempo ela não era cívica, não tinha
palanque de solenidade e não ouvia dobrados.
No
centro, assim cercada de árvores muito bem podadas, tinha um coreto. Foi lá que
um maluco encheu de espanto a cidade pacata quando resolveu pedalar durante
cinco dias sem parar um instante, nem para fazer aquilo. Passei madrugadas
controlando suas pedaladas, eu que descobrira nele a primeira imagem de herói.
Ora,
tinhas árvores podadas. Fícus muito verdes e muito bem cuidados, sem a praga
dos lacerdinhas e sem defensivos. Praça de canteiros cheios de flores, de uns
sapatinhos de Nossa Senhora e de umas florzinhas vermelhas e leitosas.
E
tinha uns tanques. Uns enormes tanques de cimento, cheios de água. Naqueles
tanques, onde se dizia ser um perigo alguém mergulhar, moravam algumas
tartarugas que comiam pipocas, sob o olhar severo dos vigias.
Uma
noite, a praça encheu-se de pavor, com a notícia de que um homem tinha tirado
toda a roupa e mergulhado num dos tanques. Veio a polícia e saiu o pobre homem
cercado de soldados. Era um bêbado, quem sabe, cheio de muito calor e muito
álcool, desejando apenas um banho para refrescar.
Mas,
não era só a praça. Do lado tinham os campos e neles a imagem de uma grande
construção que começava e que só teria nome e forma alguns meses depois. O
Palácio dos Esportes. Acompanhei os arcos de suas fachadas sendo erguidos dia a
dia, até que recortassem o céu em meias-luas, como até hoje.
O
busto de Pedro velho não era, como é hoje, uma coisa tão cívica assim. Era um
busto com pedestal de granito e cimento e a mesma e incansável mulher de bronze
a ofertar ao fundador da República, entre nós, um ramalhete de flores. Ora,
flores de bronze, é claro, mas flores de qualquer maneira, homenagem da cidade
ao político.
Depois,
quando o civismo chegou, então o busto de Pedro Velho saiu do centro da praça,
que ficou maior e mais cheia de pedras e desenhos no chão. Foi para perto do
palanque, ali do lado da Prudente de Morais. Foi também a mulher de bronze, que
os meninos apalpavam suas formas.
Hoje,
a bem da verdade, a praça Pedro Velho não diz muito. É uma coisa entre o
lembrado e o esquecido, um lugar de desfiles de escolas de samba, corrida de
bicicleta, desfile do 7 de setembro, de tudo. Mas, não diz nada.
Para
viver, outra vez, é preciso que se olhe a sua fotografia antiga. O quadro que
foi, no início dos anos sessenta, revive no lance de olhar dessa fotografia que
colocaram aqui, diante dos olhos, muito perto do coração. A velha praça, onde
tirei uma fotografia ao lado da minha tia morta e que carrego até hoje, com seu
sorriso de carinho que nunca esqueci”.
Já se foram 29 anos e Natal está assim...
(foto)