Nasci na Alemanha, do outro lado do mundo. Durante muito tempo vesti um senhor branco, de olhos azuis, alto, empresário. A maioria das vezes que ele me usava era quase sempre para ir ao templo.
Fiz com ele, o senhor Hewrich Goth este percuso várias vezes. Com o passar do tempo cheguei até mesmo a decorar os hinos cantados naquela Igreja. Mas, um dia, a esposa do senhor Hewrich Goth faleceu. Naquela ocasião ele estava comigo. Logo depois do enterro, chegou em casa, abriu o guarda-roupa e começou a selecionar algumas peças velhas para serem doadas. Eu seria uma delas. Fui jogado numa caixa, levada a um navio e quando desembarquei estava na América Latina, Brasil, Natal.
Fiquei triste, pois logo percebi que numa cidade onde o clima é tão quente, dificilmente alguém usaria um paletó preto, fabricado para países de clima frio. Seria meu fim. Mãos pegaram-me de forma estranha, sem carícias, seguraram-me pela gola, fizeram movimentos bruscos para cima e para baixo, como quem desejasse fazer cair algo preso em mim. Com certeza, pensei, este sujeito nunca usou um paletó. Estava certo. Eu seria seu primeiro paletó. Levou-me para casa, com orgulho mostrou-me à esposa e já foi agendando minha estréia.
-Irei vesti-lo domingo, quando for à Igreja.
Outra vez Igreja! Estava destinado a ser um paletó clérigo? E foi assim que em Natal, por três anos eu frenquentei com aquele ancião os cultos daquele templo. Então, um dia, ele deu-me a um homem que aparentava ter uns trinta anos. Para este eu seria também seu primeiro paletó. Fui trabalhar à noite, numa recepção de um bar temático, em Ponta Negra. Dois anos seguidos, recebendo muita fumaça de cigarro, ouvindo confissões de bêbados e vendo o sol nascer. Foi maravilhoso, bem diferente de tudo aquilo que havia vivido desde quando morava na Alemanha.
Entretanto, despediram meu senhor. Ficou sem emprego e para ele eu não teria função nenhuma. Temi ser jogado na primeira cesta de lixo. Mas, esse meu senhor soube retribuir as noites que o protegi do sereno e do frio. deu-me um banho seco, guardou-me numa ombreira, pôs sobre mim um grande saco plástico e deixou-me no armário. Fiquei ali por muito tempo, a vida acontecia lá fora e eu não sabia de nada. Parecia que estava num sarcófago. Um ano, dois, anos, três anos. Nenhum templo, nenhum bar, nada de festas de aniversários e casamentos. Definitivamente estava morrendo. Quem iria querer um paletó preto, velho, já usado? Mas, o calor dos trópicos havia reservado uma experiência descomunal para um paletó alemão. Fui pela terceira vez doado a um outro senhor, na faixa de quarenta e cinco anos. Disse para mim mesmo: com este sei que irei todos os domingos a um culto. Estava enganado. Ele levou-me a sua irmã e esta fez uns arranchos sobre mim, pôs uma pipa nas costas, cola colorida nas mangas, flores estampadas e então eu renasci. Hoje eu sou uma peça indispensável na fantasia do Palhaço Leiturino. Vivo! Danço, corro, brinco e quando um dia eu deixar de existir poderá alguém exclamar: Descança em paz trabalhador do riso e das histórias infantis.
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