A José Cortez
Foi num dia de novembro
Quarta feira de verão
Dezoito pra ser preciso
Que não haja confusão
Do ano de trinta e seis
Que nasceu lá no sertão
José Xavier Cortez
Menino sem expressão
Que soube fazer da vida
Grande fonte de lição.
Camponês foram seus pais (1)
Vivendo no Seridó
Terra seca de lajedos
Onde há cobra e mocó
E no sítio Santa Rita
Sete filhos foram pó (2)
Coisa comum no Nordeste
Chão quente tal
Mossoró
Mas isto só atiçou
Cortez desfazer o nó.
Que não deixava correr
Homem, mulher e menino,
Que ousasse querer
ser
Diferente do escravo
Que viu Mizael nascer.
Terra braba, só espinhos
Tinha a oferecer
E Cortez muito danado
Jurou ali não viver.
Mas antes de criar asas
É preciso registrar
A infância de Cortez
Que nos faz lacrimejar
Calvário da meninice
Que muito o fez chorar
No torrão de Santa Rita
Por isto eu vou contar
A vida deste Cortez
Pra você admirar.
A disciplina foi rude
Os lombos podem atestar
Pelas pisas e as surras
Que ele sabe contar.
A mãe batia maneiro
Como quem não sabe dá,
Mas o pai descia o braço
Na hora de aplicar,
Gemia o reio de couro
E o filho a chorar.
O trabalho era grande
Na lavoura do sertão
De domingo a domingo
Sem pausa pra diversão
Era assim a sua vida
Todo dia sem exceção
Cortar capim e dá água
Aos bichos de criação
Para garantir ao gado
Arrobas na nutrição.
Naquele tempo distante
Menino não tinha vez
Mizael ditava tudo
E nada de dizer talvez
Tinha boi pra capinar
No roçado com Cortez
Puxando pelo focinho
Sem nenhuma placidez
Trabalhava o menino
Com toda intrepidez.
Seu estágio lá no sítio
Muita coisa aprendeu
Foi menino de recado
Isto nunca esqueceu
Cortou palma para o gado
E jumento tangeu
Levou água em cabaço
Pra regar os sonhos seus
Fechou e abriu porteira
No sítio dado por Deus.
De tudo que ele fez
Duas não desenvolveu
Cavalgar na caatinga
Rebanhar o gado seu
E tirar leite de vaca
Também nunca aprendeu
Talvez por sabedoria
Pois não era um ateu
E agindo com princípios
A bênção do céu desceu.
Fecho os olhos e vejo
Alice a me dizer
Que naquele sítio
Tinha um doido pra se ver
Era um tal de Zé Galinha
Cabra bom de obedecer
Além de Manoel Cândido
Que gemia pra valer
Isso pode ser mentira
Mas foi bom de escrever.
E assim cresceu Cortez
Naquela animação
E ficava bem melhor
Na safra do algodão
Quando tinha na lavoura
Fava, milho e feijão.
A noite era pequena
Pra tanta recreação
Ao som de uma sanfona,
Zé Nilton em emoção. (3)
No tempo do “Ouro Branco”
Famílias em mutirão
Preparavam grandes fardos
Pra venda do algodão
Aquilo era moeda
De grande circulação
Que comprava rapadura
Carne, arroz e feijão.
E a conta do fiado
Zerava no barracão.
Naquele tempo remoto
Cortez viu algo estranho:
Móvel sem boca falar,
Cantando tal passarinho.
Era o rádio que tocava,
Não havia nenhum ninho.
Aquilo o assustou
Pois era um rapazinho,
Isto foi em Campo Redondo (4)
No lombo do jumentinho.
O menino foi crescendo
De forma inteligente
Armou fojo e quixó,
Pra matar inocentes
Preás que foram vendidos
Num lugar onde há gente
Mina do Poço Entupido,
Nesta tal experiência
Ele foi muito prudente.
Estudou em Currais Novos
Onde primário cursou
Na Capitão-Mor Galvão
E de lá se preparou
Para voos bem maiores
Que o destino lançou.
Trocou “talão” (5) por sapato,
Coisa que nunca usou
Tava ficando taludo
Alice sentenciou.
O destino da criança
É o berço superar,
Mamar, brincar, crescer,
Criar asas e voar.
E alguns são altaneiros,
Vivendo a superar
Todo tipo de problema,
Derruba sem reclamar,
São heróis da resistência
Que a vida vai formar.
Vou ultimar o poema
Desta fase tão bendita
Prometendo ao leitor
Voltar com outra escrita
Pois ainda escreverei
De forma inaudita
A vida do marinheiro
Que foi nobre e finita
Nestes mares do Brasil
Se você me acredita.
Agradeço ao meu Deus
Fonte de inspiração
Que do barro fez o homem.
Deu-lhe mente coração,
Deixando à sua escolha
Inércia
ou ação.
Isto é livre arbítrio
Desde Eva e Adão.
Sou poeta popular
Em qualquer situação.
Mané Beradeiro, julho 2012
NOTAS DO POEMA
2)
Dos 17 filhos gerados, apenas 10 vingaram.
3)
José Nilton, primo de Cortez, passava as noites tocando sanfona e animando
o pessoal que debulhava milho e feijão.
4)
Foi na cidade de Campo Redondo-RN, onde pela
primeira vez Cortez viu um rádio. Ele tinha ido num jumento entregar umas
mercadorias.
5)
“Talão”, era assim que Cortez e seus irmãos
chamavam as alpercatas de couros que usavam. Somente aos 14 anos veio usar sapatos.
INFORMAÇÕES
CATALOGRÁFICAS
Título: Do Sertão ao Mar – A infância de um sonhador
Autor: Mané
Beradeiro
Data: 9 de
julho de 2012
Grupo
temático: Biografia
Marcadores:
José Cortez; infância no campo; Seridó; costumes; comportamento social;
Nordeste.
Fonte: O poema foi todo baseado na leitura da
primeira parte do livro: “Cortez - A Saga de um sonhador”, de Teresa Sales e
Goimar Dantas, São Paulo, Cortez, 2010.
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