Jurandyr Navarro
O mar tem vida e dá vida. Tendo vida, sofre e ama. Quem soluça a sua dor, senão, as suas vagas noturnas?
Quem exprime a alegria do seu coração inquieto, senão as "espumas
sorridentes" das suas ondas matinais?!
O mar, que dá vida, pode,
também, ocasionar a morte ou causar o desespero.
Das praias natalenses a mais perigosa delas é a
chamada Praia do Meio, compreendendo a orla marítima que se derrama da Ponta dos Morcegos
à Praia do Forte, pontos extremos das praias de nomes: dos Artistas e do Poço
do Dentão.
Desde menino que ouço falar em afogamentos de banhistas por aquelas bandas.
A minha mãe guardava um recorte de jornal, do seu tempo, em que narrava um
afogamento não consumado, ali, em que
papai figurava como salvador de uma pessoa. Depois, muitos casos havidos de salvamentos por intervenção
miraculosa de terceiros.
Parece existir, nessa área, uma nova Medusa
fabulosa, habitando aquelas locas e caldeirões, petrificando os nadadores incautos que
lhes miram os olhos ardentes, arrastando-os para o redemoinho da morte. Ou,
então, caravelas róseas-violáceas, envenenando com seus raios e tentáculos
letais, a quem se adentra no oceano bravio.
Quantos não já perderam a vida, em minutos, dominados pelo pânico
paralisante e tragados pelas ondas traiçoeiras; e que, meio submersos, com os
pulmões cheios d'água, foram levados pela correnteza até a distante Praia da
Redinha!
Quantos amigos e parentes, que alegres vão desintoxicar o corpo e o
espírito na Praia e são sobressaltados com os afogamentos, retornando aos
lares envoltos pelo véu da tristeza.
Narro, aqui, três episódios diferentes e verídicos em que a morte e o
desespero rondaram aquela área litorânea.
Conheci Milu, rapaz cheio de vida e de alegria contagiante. E presenciei o
seu mergulho para a morte. Foi numa manhã de domingo de Verão. Pilotava ele um
pequeno avião Teco-Teco, como era chamado, na época, nos idos de 1950, mais ou
menos. Depois de algumas acrobacias e voos rasantes, numa curva rápida, o
vento forte partiu-lhe uma das asas. E o pássaro metálico rodopiou,
vertiginosamente, mergulhando nas águas frias da Ponta dos Morcegos, ali perto
dos negros rochedos, como ícaro precipitou-se, derretidas as asas, no mar Egeu.
Vi o lance como se fora numa tela de cinema. E nadei com alguns amigos até
bem perto do local e só vimos os destroços da pequena aeronave e o alvoroço da
tragédia.
O cadáver do co-piloto fora resgatado. E Milu teve o mar como sepultura,
como os têm os heróicos marinheiros. Jamais o seu corpo aflorou às águas...
Este caso isolado não se configurou num afogamento natural, por ter sido
um desastre.
Porém, incontáveis são os registros de afogados naquela linha d' água.
Outro caso foi o da poetisa Zila Mamede. Minha companheira de praia, nos
verões da Areia Preta, nos anos quarenta, Zila, com seu corpo esguio, era uma
exímia nadadora.
Igualmente aos outros, o seu pálido corpo foi arrastado pela correnteza à
Praia da Redinha; boiando, qual o de Ofélia shakespeariana,
com os cabelos amarfanhados e de rosas cobertos; e, como a meiga Ofélia,
inconscientemente cantando estrofes de antigas árias...
Não houve notícia de alguém ter presenciado a sua agonia, desfalecendo no
mar. Continua envolta em mistério, como os caprichos da urna da fatalidade, a
deusa da Noite.
A sua dor a todos aturdiu. E a cidade chorou o pranto amargo pela morte inesperada e misteriosa da sua poetisa maior.
Fonte: http://ihgrn.blogspot.com.br/search?q=jurandyr, visualizada em 18 out 2014
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