Mané Beradeiro já fez uma homenagem a José Raimundo, quando escreveu o cordel "Oito vidas na casa de cor azul" (novembro 2017), no qual há entre outras as seguintes sextilhas:
Seis nomes eu já mostrei,
Faltam dois a revelar.
O meu coração dispara,
Bastando nele pensar:
Um casal tão formidável,
Impossível não amar.
Ele tem olhos fechados
Lembrando o povo chinês,
As bochechas de Fofão,
Mas vê com intrepidez,
Batizado, Zé Raimundo,
Eu não sei ano nem mês.
...
Nesta semana que ainda estamos em espírito pela celebração do Dia dos Pais, ocorrido ontem, trago aos meus leitores a prosa poética "O Servo de Zé Raimundo".
Zé
Raimundo, septuagenário, casado e sem filhos. Tenho o privilégio de no mínimo 8
vezes por mês assisti-lo em seu banho noturno.
A
primeira vez que fiz isso muito me emocionei, pois ao vê-lo debaixo daquela
ducha, imediatamente pensei em meu pai, que há muito já não vive. Ele percebeu
que eu estava olhando diferente e perguntou:
_
Você não dá banho em seu pai?
Não
contive as lágrimas. Deixei que corressem em minha face e apenas respondi:
_
Não tenho pai vivo. Ele já partiu. E desde aquele primeiro banho, todas as
vezes que eu me torno servo de Zé Raimundo, faço com tal zelo que cada gesto é
semelhante a uma oração.
Zé
Raimundo não consegue se despir, tem dificuldade de lavar a cabeça e como idoso
precisa de cuidado e atenção no banho. É um momento ímpar. Um ritual cuja
sincronia se repete sempre numa cadência harmoniosa.
Pega
o sabonete esfrega várias vezes na mão esquerda e com aquela espuma ele lava
todo o lado direito do corpo, depois repete com a mão direita, desta vez no
lado esquerdo. Brinco com Zé Raimundo e lembro que ele não pode deixar de lavar
a “ribaçã”. Vejo o sorriso em seu rosto e dele escuto causos e estórias que ele
vai lembrando e contando.
As
caçadas de passarinho, as primeiras namoradas, os patrões e o trabalho no
roçado são temas frequentes. E quando o banho termina é hora de enxugar, vestir
e perfumá-lo para que ele tenha o encontro com as ninfas dos sonhos. Aproveito
para dizer que a ninfa dele está ali, bem pertinho e se chama Sebastiana.
Ele
rir, como quem simplesmente afirma que ela não entra naquele mundo só seu.
Ah!
Zé Raimundo, estou com 54 anos e tenho certeza que não verei outro como você.
Seus cabelos brancos, suas cicatrizes, seus gestos são imagens de uma linda
aquarela na qual eu ouso ver a face do meu pai .
Obrigado
Zé Raimundo por permitir ser seu servo.
Francisco
Martins
11
de agosto de 2018.
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