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quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

COMENTANDO MINHAS LEITURAS: CORDÉIS ACADÊMICOS - LIVRO DA ACVPB



“Cordéis Acadêmicos  - folhetos de membros da Academia de Cordel do Vale do Paraíba” é o título da antologia organizada por Fábio Mozart, poeta.  Tem a participação de 20 poetas. Lancei meu olhar de leitor aos textos e fui ansioso conhecer um pouco da produção destes imortais.
O livro tem apenas 96 páginas, portanto, uma leitura que não demanda muito tempo. Começa com um resgate da história de Branca Dias, uma mulher judia que foi levada à fogueira na época da Inquisição, coisa que aconteceu aqui pelo Brasil. O poeta Antonio Marcos escreveu sobre o assunto.
Chico Mulungu chega lembrando “sou passageiro do tempo como uma flecha certeira”, e nesta condição vai abrir cenas da sua vida, numa trajetória de lutas e aprendizados, dando ao leitor um testemunho de glória, ornada com a poesia. Finaliza o poeta afirmando que “Este mundo é Severino/ Mas é possível driblar”. Tem toda razão poeta Chico Mulungu, somos “Severinos”, como bem anunciou João Cabral de Melo Neto.
Fábio Mozart escreve um cântico de amor verdadeiro quando narra a presença de Bob Motta e Adele na outra dimensão, onde somente o amor pode chegar, “pois o amor é mais forte/ que a decomposição”.  Não tenho certeza se Fábio Mozart conhece aquela citação do Poeta Paulo de Tarso, presente na carta que ele escreveu aos Coríntios, capítulo 13, versos 8, texto bastante antigo, mas que permanece vivo: “ O AMOR JAMAIS ACABA”.  Nesta mesma linha de homenagem, Gilberto Baraúna registra a ação de Aderaldo Luciano, um dos grandes defensores e estudiosos do cordel brasileiro. Orlando Otávio traz uma cacimba  repleta de reminiscências, da época em que trabalhou na SUCAM. Rubens do Valle também pode ficar junto a esses poetas, pois ele personificou seu pai João Paraibano, nas estrofes  do poema “As coisas que João cantava”.
Cristine Nobre, Jota Lima e Marconi Araújo usam a arte do cordel para expor coisas dos seus ofícios, respectivamente na Odontologia, Matemática e Direito.
No tocante a poemas com temas de gracejos, vamos encontrar na Antologia Bento Júnior,  sobre um jumento que assiste a uma aula e Lino Sapo  participa com suas memórias adolescentes, lembrando aquele tempo em que a masturbação ainda tinha como principal material os calendários de bolsos.
Pai e Filho se encontram nesta antologia. Estou me referindo a Sander Brown e Sander Lee, parecem até nomes de artistas de cinema dos anos setenta, mas são dois poetas, que  escreveram sobre Jackson do Pandeiro e a feira de Itabaiana.  Sander Brown ainda sendo lapidado pelo pai neste gênero poético.
Em “Agruras de um poeta popular”, Manoel Belizário, mostra a luta do poeta Zé Damião com a evolução da tecnologia, onde rádio, luz elétrica e televisão se tornam o trio fantástico que vai abalar o cordel brasileiro. Abala, mas não destrói.
A luz elétrica chega
Com olhar bisbilhoteiro.
Vai logo cuspindo assopro
Em tudo o que é candeeiro.
Com isso apaga a fogueira
Que iluminava o terreiro”
  ...
“A noite ficou chorosa.
Perdeu sua companhia.
O terreiro num clamor
Nem comia nem bebia.
O folheto não falava
Nem chorava nem sorria”

E agora José? A clássica interrogação de Drummond chega ao cordel e tem a resposta: somos uma classe de poetas que traz na história e no sangue, na vida e na obra, no ritmo e nos versos a resistência. Vencemos!
Maurício Lima apresenta “ A bela e a cobra”, um cordel  que ao meu ver necessita de um burilamento (revisão do português;  coesão textual; entre outras coisas). Francisco Carvalho, poeta, tem uma expressão que ajudará Maurício Lima a entender o que escrevo: “Forma e conteúdo são coisas indispensáveis”.
Pádua El Gorrión talvez tenha escrito, sem perceber, toda a filosofia cristã do Sermão da Montanha, em seu cordel “Valores de A a Z para vivermos melhor”. Fui comparar os valores citados por ele e vi que todos se fazem presentes no texto de Mateus, capítulo 5.  Se eu fosse o autor mudaria a posição da primeira estrofe para o 37º lugar, pois aí tudo ficaria de “A”  a “Z” como propõe o texto.
Tiago Monteiro com sua pena poética, provavelmente extraída do “Pavão Misterioso”, traz uma história muito bem contada, que surpreende o leitor  em determinado momento. Tudo escrito com tamanha maestria que ao longo dos seus 192 versos, usou apenas uma vez a rima oral.
Ao Thiago Alves peço permissão para dizer que em “Macaco matriculado” também se aplica a citação acima de Francisco Carvalho e junte-se a ela, que “a palavra é o instrumento primordial do poema. Cabe ao poeta usá-la da melhor maneira possível”.  Thiago Alves optou em fazê-lo em décimas setissilábicas ( abbaaccddc), mas em algumas estrofes  ele se perde na construção na estrutura proposta, o que indelevelmente prejudicou o conjunto. 
Josafá de Orós, poeta e sociólogo, teve a coragem de montar um texto onde Ariano Suassuna e um cantor de rap vão se encontrar numa peleja. Se foi pretensão do poeta fazer uma crítica aos dois gêneros, um literário (cordel) e o outro musical (rap), eu teria escolhido um outro nome para o cantor do rap, não o nomearia MC Merda Seca. Senti aí uma caracterização de aversão ao rap,  gênero artístico musical mais presente na cultura brasileira atual. Entretanto, o diálogo entre Ariano e o cantor de rap  tem a sua singularidade e é um tema que vem enriquecer qualquer mesa de debate entre os dois gêneros.
Raniery Abrantes mostra que já aprendeu a escrever cordel. Está pronto para levantar voos por esse mundo poético.
No geral a média poética da antologia é nota 4,2 ( na minha mensuração crítica). Perdoai-me aqueles que acham que estou querendo estabelecer uma escala, mas infelizmente vivemos em um mundo onde tudo é avaliado.  No tocante à parte gráfica ficaram a desejar a diagramação, a digitação e a colagem. O meu exemplar  já soltou todas as folhas, não aguentou  a leitura e releituras que faço no processo da construção de uma resenha.
Erros de diagramação:
Página 9 – repetiu a 4ª estrofe
Página 56 – estrofe 8 tem um verso a mais. Exatamente o que falta na página 57, estrofe 14
Página 60, a estrofe 5 falta o primeiro verso.
Página 84 – repete as estrofes 12 a 16, já presentes na página anterior.
Página 95 -  O último verso da 3ª estrofe ( nesta página) é o que falta na página 95, 1ª estrofe, verso 3º.

 TÍTULO – AUTOR E NOTA
Branca Dias – Antonio Marcos Monteiro – 4,0
O jumento estudante – Bento Júnior – 4,0
De Mulungu a Guarabira – Chico Mulungu – 5,0
Odontologia também rima com poesia – Cristine Nobre – 3,0
Chegada de Bob Motta no céu de Adele – Fábio Mozart – 5,0
Aderaldo Luciano, o professor de Cordel – Gilberto Baraúna – 5,0
A peleja de Ariano Suassuna com MC Merda Seca – Josafá de Orós – 4,0
O Debate do Plano com o espaço no Reino da Geometria – Jota Lima – 5,0
Meu amor proibido que terminou em tragédia – Lino Sapo – 4,0
Cordel da Conciliação – Marconi Araújo – 4,5
Agruras de um poeta popular – Manoel Belizário – 4,0
A bela e a cobra – Maurício Lima – 3,5
Sucam, um gostoso veneno – Orlando Otávio – 3,0
Valores de A a Z para vivermos melhor – Pádua El Gorrión – 4,5
Um Aprendiz de cordel – Raniery Abrantes – 5,0
As Coisas que João cantava – Rubens do Valle – 5,0
Quando Jackson do Pandeiro tocou na casa de Tota –  Sander Brow –  3,5
Sander Lee na feira de Itabaiana – Sander Lee – 5,0
A criança raptada – uma história de angústia e de perdão – Tiago Monteiro – 5,0
Macaco matriculado –Thiago Alves – 2,0

Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 25 de dezembro 2019









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