“Cordéis Acadêmicos - folhetos de membros da Academia de Cordel
do Vale do Paraíba” é o título da antologia organizada por Fábio
Mozart, poeta. Tem a participação de 20
poetas. Lancei meu olhar de leitor aos textos e fui ansioso conhecer um pouco
da produção destes imortais.
O livro
tem apenas 96 páginas, portanto, uma leitura que não demanda muito tempo. Começa
com um resgate da história de Branca Dias, uma mulher judia que foi levada à
fogueira na época da Inquisição, coisa que aconteceu aqui pelo Brasil. O poeta Antonio
Marcos escreveu sobre o assunto.
Chico
Mulungu chega lembrando “sou passageiro
do tempo como uma flecha certeira”, e nesta condição vai abrir cenas da sua
vida, numa trajetória de lutas e aprendizados, dando ao leitor um testemunho de
glória, ornada com a poesia. Finaliza o poeta afirmando que “Este mundo é Severino/ Mas é possível
driblar”. Tem toda razão poeta Chico Mulungu, somos “Severinos”, como bem
anunciou João Cabral de Melo Neto.
Fábio
Mozart escreve um cântico de amor verdadeiro quando narra a presença de Bob
Motta e Adele na outra dimensão, onde somente o amor pode chegar, “pois o amor é mais forte/ que a
decomposição”. Não tenho certeza se
Fábio Mozart conhece aquela citação do Poeta Paulo de Tarso, presente na carta
que ele escreveu aos Coríntios, capítulo 13, versos 8, texto bastante antigo,
mas que permanece vivo: “ O AMOR JAMAIS ACABA”.
Nesta mesma linha de homenagem, Gilberto Baraúna registra a ação de
Aderaldo Luciano, um dos grandes defensores e estudiosos do cordel brasileiro.
Orlando Otávio traz uma cacimba repleta
de reminiscências, da época em que trabalhou na SUCAM. Rubens do Valle também
pode ficar junto a esses poetas, pois ele personificou seu pai João Paraibano,
nas estrofes do poema “As coisas que
João cantava”.
Cristine
Nobre, Jota Lima e Marconi Araújo usam a arte do cordel para expor coisas dos
seus ofícios, respectivamente na Odontologia, Matemática e Direito.
No
tocante a poemas com temas de gracejos, vamos encontrar na Antologia Bento
Júnior, sobre um jumento que assiste a
uma aula e Lino Sapo participa com suas
memórias adolescentes, lembrando aquele tempo em que a masturbação ainda tinha
como principal material os calendários de bolsos.
Pai e
Filho se encontram nesta antologia. Estou me referindo a Sander Brown e Sander
Lee, parecem até nomes de artistas de cinema dos anos setenta, mas são dois
poetas, que escreveram sobre Jackson do
Pandeiro e a feira de Itabaiana. Sander
Brown ainda sendo lapidado pelo pai neste gênero poético.
Em
“Agruras de um poeta popular”, Manoel Belizário, mostra a luta do poeta Zé
Damião com a evolução da tecnologia, onde rádio, luz elétrica e televisão se
tornam o trio fantástico que vai abalar o cordel brasileiro. Abala, mas não
destrói.
“A luz
elétrica chega
Com olhar
bisbilhoteiro.
Vai logo
cuspindo assopro
Em tudo o
que é candeeiro.
Com isso
apaga a fogueira
Que
iluminava o terreiro”
...
“A noite ficou chorosa.
Perdeu sua companhia.
O terreiro num clamor
Nem comia nem bebia.
O folheto não falava
Nem chorava nem sorria”
E agora
José? A clássica interrogação de Drummond chega ao cordel e tem a resposta:
somos uma classe de poetas que traz na história e no sangue, na vida e na obra,
no ritmo e nos versos a resistência. Vencemos!
Maurício
Lima apresenta “ A bela e a cobra”, um cordel
que ao meu ver necessita de um burilamento (revisão do português; coesão textual; entre outras coisas).
Francisco Carvalho, poeta, tem uma expressão que ajudará Maurício Lima a
entender o que escrevo: “Forma e conteúdo são coisas indispensáveis”.
Pádua El
Gorrión talvez tenha escrito, sem perceber, toda a filosofia cristã do Sermão
da Montanha, em seu cordel “Valores de A a Z para vivermos melhor”. Fui
comparar os valores citados por ele e vi que todos se fazem presentes no texto
de Mateus, capítulo 5. Se eu fosse o
autor mudaria a posição da primeira estrofe para o 37º lugar, pois aí tudo
ficaria de “A” a “Z” como propõe o
texto.
Tiago
Monteiro com sua pena poética, provavelmente extraída do “Pavão Misterioso”, traz
uma história muito bem contada, que surpreende o leitor em determinado momento. Tudo escrito com
tamanha maestria que ao longo dos seus 192 versos, usou apenas uma vez a rima
oral.
Ao Thiago
Alves peço permissão para dizer que em “Macaco matriculado” também se aplica a
citação acima de Francisco Carvalho e junte-se a ela, que “a palavra é o
instrumento primordial do poema. Cabe ao poeta usá-la da melhor maneira
possível”. Thiago Alves optou em fazê-lo
em décimas setissilábicas ( abbaaccddc), mas em algumas estrofes ele se perde na construção na estrutura
proposta, o que indelevelmente prejudicou o conjunto.
Josafá de
Orós, poeta e sociólogo, teve a coragem de montar um texto onde Ariano Suassuna
e um cantor de rap vão se encontrar numa peleja. Se foi pretensão do poeta
fazer uma crítica aos dois gêneros, um literário (cordel) e o outro musical
(rap), eu teria escolhido um outro nome para o cantor do rap, não o nomearia MC
Merda Seca. Senti aí uma caracterização de aversão ao rap, gênero artístico musical mais presente na
cultura brasileira atual. Entretanto, o diálogo entre Ariano e o cantor de rap tem a sua singularidade e é um tema que vem
enriquecer qualquer mesa de debate entre os dois gêneros.
Raniery
Abrantes mostra que já aprendeu a escrever cordel. Está pronto para levantar
voos por esse mundo poético.
No geral
a média poética da antologia é nota 4,2 ( na minha mensuração crítica).
Perdoai-me aqueles que acham que estou querendo estabelecer uma escala, mas
infelizmente vivemos em um mundo onde tudo é avaliado. No tocante à parte gráfica ficaram a desejar
a diagramação, a digitação e a colagem. O meu exemplar já soltou todas as folhas, não aguentou a leitura e releituras que faço no processo
da construção de uma resenha.
Erros de
diagramação:
Página 9
– repetiu a 4ª estrofe
Página 56
– estrofe 8 tem um verso a mais. Exatamente o que falta na página 57, estrofe
14
Página
60, a estrofe 5 falta o primeiro verso.
Página 84
– repete as estrofes 12 a 16, já presentes na página anterior.
Página 95
- O último verso da 3ª estrofe ( nesta
página) é o que falta na página 95, 1ª estrofe, verso 3º.
TÍTULO – AUTOR E NOTA
Branca
Dias – Antonio Marcos Monteiro – 4,0
O jumento
estudante – Bento Júnior – 4,0
De
Mulungu a Guarabira – Chico Mulungu – 5,0
Odontologia
também rima com poesia – Cristine Nobre – 3,0
Chegada
de Bob Motta no céu de Adele – Fábio Mozart – 5,0
Aderaldo
Luciano, o professor de Cordel – Gilberto Baraúna – 5,0
A peleja
de Ariano Suassuna com MC Merda Seca – Josafá de Orós – 4,0
O Debate
do Plano com o espaço no Reino da Geometria – Jota Lima – 5,0
Meu amor
proibido que terminou em tragédia – Lino Sapo – 4,0
Cordel da
Conciliação – Marconi Araújo – 4,5
Agruras
de um poeta popular – Manoel Belizário – 4,0
A bela e a
cobra – Maurício Lima – 3,5
Sucam, um
gostoso veneno – Orlando Otávio – 3,0
Valores
de A a Z para vivermos melhor – Pádua El Gorrión – 4,5
Um
Aprendiz de cordel – Raniery Abrantes – 5,0
As Coisas
que João cantava – Rubens do Valle – 5,0
Quando
Jackson do Pandeiro tocou na casa de Tota –
Sander Brow – 3,5
Sander
Lee na feira de Itabaiana – Sander Lee – 5,0
A criança
raptada – uma história de angústia e de perdão – Tiago Monteiro – 5,0
Macaco
matriculado –Thiago Alves – 2,0
Mané
Beradeiro
Parnamirim-RN,
25 de dezembro 2019
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