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domingo, 4 de julho de 2021

"A IGREJA DO DIABO" NA VISÃO DE UM LEITOR CRISTÃO

 


Em 1884 Machado de Assis então com 45 anos  publicou pela Garnier, um conjunto de contos intitulado "Histórias sem data". Nesse livro, o conto de abertura é "A Igreja do Diabo", que tem quatro capítulos. O texto trata exatamente do que declara o título - isto é - o Diabo funda uma Igreja.

O anjo decaído não nega seu caráter destruidor, "aquele que veio para destruir" tem bem ciente o seu papel: "...combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez" (Cap.I, Parágrafo I). Há nesse conto verdades bíblicas. É bom dizer que o autor, intelectual, que provavelmente tenha sido coroinha "na Igreja de Lampadosa, na altura dos seus catorze ou quinze anos....conheceu de perto a atmosfera  das Igrejas" (Massaud Moises- Coleção Vidas Ilustres - Volume Os Romancistas, ano 1961).

Quando lemos há muitas coisas que estão presentes nas entrelinhas, e com  maturidade de leitor vamos notando isso ao decorrer do nosso crescimento. São as sombras das frases! O fato do Diabo se apresentar a Deus - fez-me lembrar que no livro de Jó ele também esteve diante de Deus e debalde argumentou que  Jó só era fiel a Deus porque era rico e tinha uma família feliz. "Estende, porém, a mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face", diz o Diabo ( Jó 1:11). E é nesse livro de Jó que aprendemos ser o poder do Diabo limitado. "Eis que tudo quanto ele tem está em teu poder, somente contra ele não estendas a mão" (Jó 1:12).

Voltando ao conto "A Igreja do Diabo" vemos no final do capítulo II, no último parágrafo:"Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mas Deus impusera-lhe silêncio". Notem a Onipotência de Deus mostrada por Machado de Assis neste parágrafo - Deus impusera-lhe silêncio! "Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina" - Aqui também nos deparamos com mais duas verdades bíblicas - presentes nas sombras das frases - são elas:

1)  Apocalipse 12:12b "Ai dos que habitem na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo"

2)  II Coríntios 11:14 "...Porque o próprio satanás se transfigura em anjo de luz"

Machado de Assis teve em certo tempo da sua vida, amizade com o Padre Silveira Sarmento, que lhe ensinou Latim. Isso foi em 1858 - tinha ele 19 anos. A influência do Padre Sarmento na formação do jovem Machado foi mais além do que o Latim.  O fato é que sabia escrever com maestria, não apenas no estilo literário, mas também na profundidade do assunto,  com domínio e conhecimento. Não podia ser diferente quem cresceu sempre nutrindo o gosto de ler.

Em 1856 - aos 17 anos - trabalhava na Tipografia Nacional - como aprendiz de tipógrafo. Um funcionário superior surpreendeu-o em falta,  porque lia em pleno expediente, encaminhou-o ao administrador da repartição que era Manuel Antonio de Almeida, autor do livro "Memórias de um Sargento de Milícias". Este passou a  ampará-lo e foi amigo de Machado de Assis até seus dias finais.

Chegando ao capítulo IV notamos que a Igreja do Diabo era sucesso. Estava presente nos quatro cantos da terra, mas havia O HOMEM no meio do caminho, lembrando a Pedra de Drummond que Machado não chegou a ler. E o homem - o mesmo que optou por perder o Paraíso lá no Gênesis - também agiu sendo infiel ao Diabo, mostrando "a eterna contradição humana".

Quero trazer a riqueza de elementos de intertextualidade que está presente nesse conto. São portas de diálogo que Machado de Assis deixa para o leitor abrir. Vejamos algumas:  Abrãao - homem natural de Ur, região da Caldeia, do qual se originaram o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo , religiões com crença em um único deus; Maomé - profeta que recebeu de Alá a inspiração para escrever o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos; Lutero - monge agostiniano que se tornou uma das figuras centrais da Reforma Protestante; Fausto - personagem de uma lenda popular alemã que fez pacto com o Diabo em troca da sua alma; Homero - poeta da Grécia antiga autor de Ilíada e Odisseia, além de outros.

Por fim, o que aprendemos com o conto?

Coisas assustadoras não podem ganhar ideia de normalidade

Natureza dissimulada é sempre perigosa

Quem mais compreende o homem é o seu Criador - Deus.


Francisco Martins




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