O livro que Doutor Armando Holanda lançará nesta quarta-feira, dia 23 de novembro, é um poço do qual poderemos tirar muitas águas. Eu me aventuro a ser o primeiro, e ao jogar o balde e trazê-lo à superfície, eis que na primeira água que chega vem a afirmação: “ ...somando um militar, duas intelectuais casadas e um Promotor de Justiça às voltas com a poesia, o jornalismo e a boemia, e que era assumidamente , ateu” (Página 44). Mais adiante, vamos encontrar:
“Juvenal,
embora oriundo de uma família
católica apostólica romana, batizado e crismado, adepto de missas,
terços, preces, procissões, orações e cerimônias religiosas no geral, com um padre
na família, a sua fé cristã não resistiu à vida profana e mundana das noites
recifenses e optou por uma vida boêmia, de canas, amores noturnos, e voltou
para o Rio Grande do Norte na condição de ateu e assim morreu” (p. 661).
Vamos segurar esse adjetivo “ateu”. Até que ponto é possível admitir que Juvenal Antunes não acreditava em Deus, como sugere a essência do ateísmo? Numa carta de 1924, que ele escreve a Madalena Antunes (p. 103), lemos que recorda o zelo e até mesmo as orações ensinadas por ela, e é dele a expressão: “Por que me esqueci daquelas orações que tanto poderiam servir hoje de consolação?”. Tinha Juvenal 31 anos.
É bem provável que o poeta Juvenal Antunes se dizia ateu para fugir das suas responsabilidades como católico e assim, ter sua vida mais livre das normas e leis que tão fortemente eram propagadas pela Igreja. O ateu não traz em seu vocabulário o uso de expressões que carregam a energia divina, sejam eles referentes a Deus ou a deuses. E Juvenal não tem isso extirpado da sua alma. Não é difícil encontrar em suas cartas as palavras evangelho, crucificação, benção, fé, anjo, canonização, santo, graça, etc. Todo um conjunto onde os elementos conduzem a uma crença, e neste caso, em Cristo.
Gosto muito de uma frase dita por Edgar Barbosa: “A faculdade de não crer, não é maior do que a faculdade de crer”. Sabemos que a boca fala daquilo que o coração tem – é uma máxima presente Mateus 12:34. E para provar que no coração de Juvenal Antunes havia a chama da fé, quente, eis que encontramos em seus poemas:
Olhos que a este meus
olhos abençoam e os meus
pecados mais mortais perdoam! ...
O Criador não tem mais o que caprichar
Depois que fez teus olhos
do azeviche brilhar ( páginas 330 e 331).
Até
mesmo em seu mais conhecido poema “Elogio da Preguiça” (p. 333), Juvenal Antunes
transparece a fé no mundo sobrenatural, ao citar a Bíblia:
Está na Bíblia esta
doutrina sã:
Não
te importes com o dia de amanhã
No
“Elogio da Solidão” (p. 343), o poeta grava o nome de Deus:
“Enfim, Deus te conserve idealista
E te livre da seita sufragista”.
Faz apelo a
Deus para puni-lo, no poema Carta à Lazarina (p. 354):
Tire, Deus,
a inteligência, o senso, /Se te enganei, se estou mentindo/ Se te escrevendo,
digo o que não penso.
Veja
o leitor que já possuímos bastantes provas para assegurar que Juvenal Antunes
pode ter tido muitos adjetivos: mulherengo, boêmio, sátiro, preguiçoso ... mas
de “ateu”? Isso não passa de uma capa que ele usou para escondê-lo das missas e
novenas.
“Quando
eu me for deste engraçado globo,
Transpondo
a imensa e luminosa esfera,
Quero
achar-te no céu, em doce arroubo,
Carinhosa
e feliz, à minha espera. ( p. 361).
E em outro poema,
um ano antes da sua morte, ele escreveu “Laura! Santa e Imaculada” (p.
411):
“ ... Santa Laura, bem
amada,
Aos
teus pés deposito minha vida,
Meus
sonetos e cartas amorosas
Para,
um dia entrar no céu!”
Salvo Juvenal Antunes do estigma de ateu. Ele creu
e se de nós escondeu a fé, é simples assim:
“Sim,
Laura! Os poetas são bem esquisitos!
São
compreendidos muito raramente...
Passam
a vida assim como proscritos,
Mas,
nenhum diz o que não sente!” (p.451)
Puxei o balde, servi a primeira água de um poço chamado “Resgate”, quem mais poderá aqui chegar e dele fazer uso?
Por fim parabenizo o Doutor Armando Holanda por
nos presentear com um livro tão denso o
quanto foi Juvenal Antunes.
Francisco Martins
18 de novembro de 2022
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