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terça-feira, 19 de agosto de 2025

SEMANA NONATIANA -EM MEMÓRIA DE RAIMUNDO NONATO, O FILHO DA VITÓRIA - IIª PARTE


Continuamos com a palavra cedida ao escriba Enélio Lima Petrovich, que prossegue escrevendo sobre Raimundo Nonato, o homenageado da semana.


E ainda no livro Memórias de um Retirante, faz esta confissão:


Não cheguei a ter infância, nem conheci a mocidade, pois mal abri os olhos para o mundo, fui logo atirado nos rudes afazeres do campo, no trato da terra, da vida solta no meio agreste de uma natureza madrasta, onde o sol já se encontrava nos baixios, cambitando olho de cana, num jerico desgraçado, botando lenha do mato para a fornalha, quando não ficava rodando ao pé dos arrancadores, juntando mandioca, num balaio, para levar à casa de farinha, até completar a arranca, que tinha medida certa. Oito cargas de caçuás, carregados em boi, e doze, quando se tratava de burros ou cavalos. O dia de trabalho, assim principiado, não raro se prolongava pela noite a dentro, para ganhar o salário de seiscentos réis, seis tostões, como se diz, em moeda do tempo. (Págs. 49/50)


Sem dúvida, sendo este o seu relato pessoal, vale ressaltar, pari passu, a grandeza de um Luís da Câmara Cascudo, patrono e fundador desta Academia, quando afirmou:


A simplicidade de seu trato valoriza a esplêndida documentação de sua obra. Menino da Serra do Martins, emigrou com a família para Mossoró, fazendo a jornada a pé, evocando num livro que merece reedição. Tudo em Raimundo Nonato foi iniciativa pessoal. Não sei se nasceu de sete meses, mas posso afirmar, à vista do original, ao qual me reporto, e dou fé, que nada lhe deram gratuitamente.

No Rio de Janeiro, Raimundo Nonato, magistrado, historiador, mestre de indagação artística, econômica, editorial, representa, psicologicamente, um órgão suplementar, sensitivo, indispensável à multidão nordestina que o Rio fixou. É a voz que não deixa esquecer o sertão.


E arremata o mestre Cascudo:


Nobre e linda vida, simples e poderosa de exemplo intelectual e moral, em serviço e louvor da Terra e da Gente, nos horizontes permanentes da dedicação incomparável. Levou para as cordilheiras artificiais dos arranha-céus o clima inspirador das serranias legítimas do oeste norte-rio-grandense. Do Paraíso, onde pretendo fixar-me, aplaudirei as realizações de sua existência, sem mancha de inveja e nódoa de recalcado despeito nas amarguras da decepção tenebrante. Deus o abençoe, Raimundo Nonato, jovem-amigo-velho.


Realmente, Raimundo Nonato da Silva era a bondade, a simpatia, a inteligência, o saber e a espontaneidade. Conversar com ele significava enriquecimento de informações sobre fatos e pessoas. Estava sempre pronto a ajudar os outros, pelo seu coração magnânimo.

E nesta sequência de depoimentos e conceitos, que fluíram da sensibilidade de quantos conviveram com ele, não poderíamos olvidar a louvação do padre Jorge O’Grady de Paiva, em agosto de 1977, durante a missa de ação de graças. Completava Raimundo 70 anos.

Eis alguns enfoques:


Como admiro, admirei e admirarei sempre, esse rebento de boa cepa norte-rio-grandense! De tudo pode ele descer, menos da amizade, pois tem o Dom de a fazer, como raros e o de a conservar, como poucos.

O nome, de origem gótica (Ragin-mundo), significa a quem o intelecto protege e ele tem vivido, sempre, sob o escudo protetor de sua inteligência.


E acrescenta o padre O’Grady:


Homem que se fez por si, pelo esforço pessoal, a tudo e a todos sabendo prender e cativar (omissis). Dono de invejável memória, como se ocultasse, no cérebro, fita magnética, pôs a mesma a serviço de sua pena e avolumou a bibliografia potiguar, notadamente a da zona do oeste do Estado. Fausto de novo gênero neo-goetheano, fez reviver, das cinzas do passado, pela magia da pesquisa e poder de evocação, lugares, tempos, homens, coisas, figuras e fatos; reavivou lendas, superstições, abusões, tradições, costumes, roteiros, dando à literatura regional obras editadas pelos órgãos oficiais de âmbito municipal, estadual e nacional.


Mas, tempo corre célere, sem que, nesta homenagem do afeto e da saudade, possamos evidenciar todos os ângulos da vida do homenageado e suas produções literárias, em dezenas de livros e opúsculos.

Estamos convictos, porém, de que este encontro muito bem sintetiza a prova do carinho, do respeito, do reconhecimento a quem, para exemplo dos seus conterrâneos, soube vencer todos os obstáculos, a vaidade de muitos, as incertezas da vida tumultuária.

Raimundo Nonato bem pode repetir São Paulo, através de Timóteo:


Combati o bom combate. Terminei a minha carreira. Guardei a fé.


Se ainda não bastasse a prova dessas manifestações de apreço e de amizade para com o homenageado, assim se expressou o saudoso Peregrino Júnior, também imortal e benemérito de nosso Instituto Histórico, quando apresentou Visões e Abusões Nordestinas - Vol. 1, que editamos:


É esse Raimundo Nonato, presença humana, viva, palpitante e incomparável do nosso Rio Grande do Norte, no cenário cultural do Rio, onde todos o estimamos e admiramos com imensa ternura intelectual.


Além do mais, na presidência do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, nos incorporamos a esta homenagem, vez que a nossa admiração exalta a incessante operosidade na pesquisa meticulosa, a divulgação correta e nítida, de aspectos salientes e tornados característicos na História do Rio Grande do Norte. Essa atividade situa Raimundo Nonato, sócio da Casa da Memória Potiguar, no plano dos historiadores sociais, dignos de menção e louvor."


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