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segunda-feira, 8 de agosto de 2016

CEM ANOS DEPOIS O MAL PERMANECE




Francisco Martins

Os contos completos de Monteiro Lobato estão presentes em quatro livros: Urupês (1918), Cidades Mortas (1919), Negrinha (1920) e o Macaco que se fez homem (1923). Ao todo totalizam sessenta e seis contos. Desse conjunto, quatro celebram centenário em 2016, são eles: “A Vingança da Peropa”, “Um Suplício Moderno”, “Pollice Verso” e “O Espião Alemão”. Os três primeiros estão em Urupês e o último integra Cidades Mortas. Esses não são os contos mais antigos de Lobato, de todos os que foram datados, há três que já estão nas páginas da literatura com seus cento e dezesseis anos: Café Café, Cavalinhos e Noite de São João, escritos em 1900.
                O quê há de tão especial nos contos acima que completam centenário de criação?  Nada de extraordinário. Mas, tomei a iniciativa de enquanto leitor, buscar um viés que interligasse a trama lobatiana dos três contos com a sociedade do presente século. Será possível?  Até quando a literatura permite que isso aconteça? Afinal, lemos para quê? Alguns dirão: para entretenimento, outros afirmarão – para buscar conhecimento, e tem os que lêem pela cultura.              
                Independente do tipo de leitor que somos,  habituais ou ocasionais, uma coisa é certa, devemos  ter em mente o poder da leitura:
Que ninguém leia por nós para que ninguém seja dono de nossas vidas. Esse é o valor da leitura. Ler para aprender a nos ler no próprio mundo... uma pessoa, um país, uma nação é uma forma própria de ler e de se ler (BÉRTOLO)
Seguiremos então na busca do viés que penso encontrar nos contos centenários, objeto deste artigo. Primeiramente vejamos “A Vingança da Peroba”,  no qual vamos nos deparar com João Nunes, o pai de  José Benedito, apelidado por Pernambi, com sete anos, a quem o pai já ensinava a tomar pinga. Sua máxima filosófica era: “Homem que não bebe, não pita, não tem faca de ponta, não é homem” (LOBATO, p.70). Aqui encontramos a ponta do viés, inda hoje, um século depois, a sociedade vive mais do que ontem mergulhada no problema das drogas.  Se antes fora o álcool que destruiu tantos males, hoje, fora das páginas ficcionais está bem presente o craque, a cocaína e outras drogas que acabam com nossas crianças e jovens.  
Saiamos do conto  acima e vamos às páginas de um outro “Um Suplício Moderno”, nesse, a personagem central é Biriba, um homem, funcionário público, explorado em todos os sentidos, no salário e nos afazeres. O próprio narrador do conto diz: “Mundam de formas as coisas; a essência nunca muda” (LOBATO, p. 83).  Fiquei a pensar nos “Biribas” que estão hoje sendo servidores municipais e estaduais e federais, nos “Biribas” da ativa e aposentados, que sofrem com a atual crise política e econômica em que vive o Brasil.
Já no terceiro conto desta análise, em  “Pollice Verso”,  após a leitura percebi que ainda hoje, em pleno século XXI existem profissionais de saúde fazendo gesto do polegar virado para baixo, condenando à morte seus pacientes. Apenas um pequeno grupo vê a medicina como um sacerdócio. Fala mais alto o dinheiro. Sempre haverá neste meio profissional a figura de Inácio Gama, médico que assim se comportava: “Inácio não enxergava em Mendanha o doente, mas uma bolada maior ou menor, conforme a habilidade do seu jogo” (Ibid., p. 105)
Por fim, no quarto conto, “O Espião Alemão”,  Lobato inicia o texto falando das guerras e com muita sabedoria exprime: “Homens e coisas passam, mas guerra fica” e transporta o leitor até um pequeno lugarejo de cinco mil habitantes, Itaoca, que por sinal se faz presente em diversos contos da sua obra. Aqui, o escritor nos mostra o quanto é possível com artimanhas, produzir e trazer à população uma situação perigosa:
A situação é gravíssima, senhores! Itaoca está sobre um vulcão! Minada de todos os lados, a vida das nossas famílias, a honra das nossas esposas, as mãozinhas das nossas crianças (sensação) correm o maior dos riscos! (Id., 2014, p. 312)
                Eis que já se passaram cem anos que foram escritos esses contos, mas a droga, a exploração do homem em seu trabalho, a inoperante prestação dos serviços  públicos e a escassez de  pessoas com condutas íntegras dão campo ao crescimento e existência destes males em nossa sociedade.


Referências:
BÉRTOLO, Constantino. Revista Emília, In: Ler para quê? Fronteiras e horizontes. Disponível em: http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=475. Visualizada em 25 jul 2015.
LOBATO, Monteiro. Contos Completos. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014







               
               

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