Assim
como a Coleção “A Cabana Maldita” publicada em 2019 também apareceu no ano
passado a antologia de cordéis de
suspense e terror, intitulada “O Baú do Medo”, ambas com o selo da Nordestina Editora. “O Baú
do Medo” um livro com 236 páginas, que tem a participação de 20 poetas. Resolvi escrever sobre o material dessa
antologia e para não ficar tão extensa a resenha dividi em duas partes, cada
uma contemplará 10 folhetos, seguindo a ordem da própria antologia.
Tenho
sentido alegria neste ofício de ser crítico do cordel brasileiro. Ser crítico é
uma atividade solitária. Fazemos nossas considerações porque acreditamos que
deixaremos um legado que servirá aos que leem hoje e aos que irão ler amanhã.
Busco
escrever uma crítica mestra, que traga sinais da imparcialidade e seja luz
àqueles que almejam apresentar aos seus leitores um cordel mais belo. Nesta
estrada nem todos compreendem os meus passos. Mas continuo com o olhar fixo no
horizonte, pois sinto que já tenho alguns olhando e agradecendo a jornada que
ousei começar.
Suspense
e terror são elementos que integram o conjunto do medo. Nos cordéis da antologia “O Baú do Medo”
iremos nos deparar com vários textos que trazem cenas onde personagens são
estimulados às situações de possível luta ou fuga. Alguns poetas souberam
construir com maestria, outros nem tantos, mas o que importa é que neste
momento eles fazem história por serem participantes deste livro.
Zeca
Pereira, editor e organizador desta antologia nos diz:
Quando surgiu a ideia de
lança-la, eu já imaginava a tamanha dificuldade, pois não seria fácil
encontrar autores com textos prontos
para esse fim, e realmente foi difícil...Para muitos, inclusive para mim, foi
um grande desafio, mas eu tenho dito: o poeta precisa ser versátil para
conseguir chamar a atenção do leitor” (PEREIRA,
2019).
Foi
pensando nessa dificuldade e na proposta da versatilidade acima que entro na
leitura crítica destes cordéis e trago até vocês minhas considerações.
O COLECIONADOR DE CRÂNIOS –
Alberto Figueredo
Numa misteriosa mansão, de um morador
estranho há um galpão com uma coleção horripilante. Esta é a trama que Alberto Figueredo
desenvolveu em 41 sextilhas. Um poema com 100% de rimas aproveitadas.
Desenvolveu o poema com suspense e traz várias cenas de terror. Gostei da
sequência dos fatos e da forma como foi encerrado o cordel. Entretanto, pequenos ajustes devem ser feitos
nas estrofes 5,6,7,10,28 e 31 no tocante a acentuação e concordância e nas
estrofes 37 e 38 a questão da cacofonia, respectivamente “la´no dela” e
“praquela”, expressões carregadas de sonoridades não poéticas. Veja também o
autor as estrofes 3 e 13, nelas há uma fuga de coesão, afinal o colecionador é
um velho (estrofe 3) ou um moço (estrofe 13?
O VULTO - Aurineide Alencar
Neste
cordel Aurineide Alencar nos traz um causo que aconteceu com Galego, morador do
Sítio Sossego que viveu uma experiência diferente, com suspense e medo. Que
tipo de “bicho” perseguiu Galego? Que aconteceu com o nosso protagonista? Para
ter a resposta é necessário correr os olhos nas 31 estrofes do cordel (30
sextilhas e 1 nona). A poeta Aurineide conseguiu atingir 96,83% de rimas
perfeitas. Não fechou os 100% por causa das rimas orais e as que mesclam
singular e plural. Aqui também há necessidade de revisar algumas palavras que
precisam serem escritas com iniciais maiúsculas (substantivos: Galego, Virgem
Maria, Sítio Sossego). Em edições futuras a autora faça
uso das aspas (“ “) para as frases que
são pensamentos ou falas de
personagens citadas pelo narrador
(estrofes 11,19,20,27) . Quando for o próprio personagem falando, em discurso
direto não é preciso o uso das aspas, mas torna-se imperiosa a presença do
travessão (─). Como por exemplo a estrofe 23:
Galego
então resolveu
De
onde estava gritar:
─Eu
também quero comer
“tô”
com uma fome de lascar.
Bem
nessa hora a cozinha
Voltou
a silenciar.
(PEREIRA,
2019, P. 20)
Na estrofe 28, página 21, o correto é o verbo acender e não ascender.
O NOIVADO MACABRO - AroDinei Gaia
Estamos
com Pedro, na cidade de Belém, numa sexta-feira, dia 13, data que traz
elementos de azar. É noite, e a distância vamos acompanhar os passos de Pedro,
lendo o que escreveu o poetar AroDinei Gaia, nas 32 estrofes, todas em
sextilhas, que se entrelaçam na construção da trama de um noivado tão
diferente. 100% de aproveitamento das rimas. Apenas um verso com necessidade de
correção. Ele está na estrofe 4. Como se trata de um pensamento de Pedro não
deve ter o uso do travessão (─), mas sim das aspas (“ “).
A
MALDITA BOTIJA DO CASARÃO - Antonio Marcos
As
botijas fazem parte do universo de contos de suspense e terror, é quase
impossível numa roda de conversas sobre
histórias mal-assombradas, não aparecer este assunto na pauta. No cordel
também é assim. E é o poeta Antonio Marcos quem vai ter a primazia de contar
uma história com botija, nesta antologia
“O Baú do Medo”.
Faz isso
através de 34 estrofes, em sextilhas. Casarão abandonado, almas penadas, a
botija, o diabo, caveira e outras coisas fazem parte da lista dos ingredientes deste cordel. É bem verdade
que em alguns momentos da narrativa sentimos mais a característica do gracejo
que o suspense e terror. Todavia, de forma geral, Antonio Marcos conseguiu
através de José e Pedro de Bil atingir o objetivo proposto pelo editor. 97,05%
de rimas perfeitas. Eu fiquei querendo um fechamento da narrativa de forma mais
impactante.
A LENDA DO VAQUEIRO FANTASMA – Cleber
Eduão
Pedro
Valente, vaqueiro, casado com Abla Cecília, é capaz de tudo para defender seu
chão. Até que ponto vai a sua determinação?
Terá Pedro Valente força suficiente para enfrentar a força do
coronelismo? O poeta Cleber Eduão é o autor desta narrativa, com 54 estrofes,
em septilhas, 100% de aproveitamento de
rimas perfeitas. Três observações eu
sinalizo ao poeta Cleber Eduão: 1) O verbo estar. Em algumas estrofes ela vai
aparecer escrito de forma contraída (“tava”). Isso é quase uma constante no
meio dos textos de cordéis, inclusive eu usei muito sem perceber que aplicava
um termo oral. Creio que ele só deva ser usado assim quando estiver
representando uma fala direta de um personagem e neste caso, entre aspas e de
forma itálica. 2) Lá na página 45, estrofe 22, o poeta tem um verso, dentro do qual há um cacófato (
do grego kakophonía), que nada mais é do que um som desagradável,
neste caso “já tava”. 3) Na estrofe 49 reveja a ortografia do verso: “Quando ouviu-se
a livuzia” (sic).
ZÉ DEGREDO E O MALAMÉM DO CASARÃO ASSOMBRADO – Chico
Leite
O Malamém
que o poeta Chico Leite nos apresenta no
seu texto é um personagem já bastante presente nas histórias contadas pelos
nossos avós e bem como em livros de prosas que trazem contos populares. O que Chico Leite escreveu foi um trabalho de
alusão estrutural e, diga-se de passagem, bem montada, em suas 77 estrofes,
sextilhas. É um misto de suspense, terror e um pouco de gracejo. Nas 231 rimas presentes, 97,40% estão harmoniosamente perfeitas. Zé Degredo
prova ser um homem de coragem e fazer jus ao que diz a estrofe seguinte:
Não tinha
medo de nada:
Onça,
caipora ou fantasma,
Coisas
que a qualquer um outro
Basta
para dar até asma ...
A
coragem deste Zé,
Até
jagunço se pasma.
(PEREIRA,
2019, P. 53)
JARDIM DAS ALMAS –
Douglas Sodré e Zeca Pereira
Nestes
versos convidamos
O
nosso caro leitor
Para
seguirmos viagem
Nas
asas dum beija-flor
Até
o Jardim das Almas,
Cenário
de grande horror.
(PEREIRA,
2019, P. 67)
Atendo ao convite dos poetas Douglas Sodré e Zeca
Pereira e vou com eles até o Jardim das Almas. Conheço Maristela e o jardineiro
Antonio Galeno. Uma história contada em 124 sextilhas, com nível de
aproveitamento das rimas em 99,19%. Os
poetas souberam costurar os versos com uma linearidade que vai de estrofe a estrofe cativando o leitor. É na
17ª que tem início o suspense:
De
repente, Maristela
Ouviu
sorrisos de alguém
Ela
perguntou quem era
Não
apareceu ninguém
Quando
viu duas crianças
Como
vindas do além.
(PEREIRA,
2019, P. 69).
As cenas construídas a seguir ganham a beleza de
um rio que vai desaguar numa cachoeira, atingindo em minha perspectiva de
leitor, o ápice do suspense a partir da estrofe 30:
Matilde
vendo os desenhos
Despertou
suas lembranças,
Em
um que tinha os rostos
De
duas belas crianças
Desaparecidas há anos
Sem
deixar mais esperanças.
(PEREIRA,
2019. P. 70)
Neste poema vai ser preciso fazer algumas podações nas estrofes 25, 76 e 95, para que o Jardim fique mais bonito.
O CANIBAL
– Ednaldo
Alves e Zeca Pereira
A história tem como palco a cidade de São
Paulo, capital. São 50 estrofes, em
sextilhas, com mais cenas de terror do que suspense. Durante 10 anos os crimes permaneciam sem
soluções, até que um detetive resolve ir atrás deste mistério. Gutenberg
Nogueira conseguirá obter êxito? Charles permanecerá no anonimato? No texto só encontrei duas pequenas coisas a
serem revistas: no tocante a geografia
física, estrofe 3, não se pode afirmar
“A praça da Catedral fica na
periferia”. Catedrais estão
sempre no centro das metrópoles. A outra está na estrofe 37, página 89, tem uma palavra com ortografia
errada. O poema tem 98% de aproveitamento de rimas perfeitas.
A LAGOA
DO TERROR – Flávio Barjes
Quatro jovens estudantes se aventuram pelo interior do Pará e vão escutar a história sobre o feiticeiro Tomé Sobral. Conselhos, canja de galinha e seguro são coisas que não fazem mal a ninguém.Terão os jovens o discernimento do perigo que pode atingi-los naquela lagoa amaldiçoada? Quantos escaparão? A Lagoa do Terror infelizmente teve sua diagramação prejudicada na antologia, há várias estrofes fora de ordem. São 54 estrofes, em sextilhas, 100% de rimas perfeitas. Na página 97, a quarta estrofe, o verbo fazer deve ficar no impessoal (Onde já faz anos). Um cordel muito bem criado, com estrofes repletas de imagens que enriquecem o texto e trazem veracidade à narrativa.
O
CARTEIRO FANTASMA – Flaviano Medeiros
Um carteiro do além que traz correspondências
sinistras às suas vítimas. Entra em qualquer ambiente sem precisar usar as
portas e suas cartas só podem ser abertas pelos destinatários, qualquer outra
pessoa que tentar violar as correspondências não obterá êxito. Alfredo Mendonça
Filho é um dos personagens que irá ser atribulado por esse carteiro. Uma história que cativa o leitor. Muito bem
montada, através das 171 estrofes em sextilhas que foram escritas pelo poeta Flaviano
Medeiros. Um triângulo amoroso, um homem ambicioso, uma família, este trinômio vai prender sua
atenção na leitura. 100% de rimas
perfeitas. Há erros de ortografia, acentuação de crase, uso inadequado do
travessão, colocação pronominal, respectivamente nas estrofes 19,20,52,101,142.
NOTAS DOS
POEMAS
1)
O Colecionador
de Crânios – pelo suspense e terror nota 5. Por causa dos ajustes que necessitam serem
feitos nota geral 3,5.
2) O Vulto - pelo suspense
- nota 5. Pelos ajustes a serem feitos nota geral 3,5.
3) O Noivado Macabro – Pelo
suspense nota 5. Nota geral 5.
4) A Maldita Botija do Casarão – Pelo
suspense e terror nota 5. Nota geral
4,5.
5) A Lenda do Vaqueiro Fantasma – Pelo
suspense – nota 4,5. Nota geral 4,5.
6) Zé Degredo e o Malamém do Casarão Assombrado – Pelo
suspense e terror – Nota 5. Nota geral 4.
7) Jardim das Almas – Pelo
suspense e terror – nota 5. Pela podação
a ser feita – nota geral 4.
8) O Canibal – Pelas
cenas de terror – nota 5. Nota geral 4.
9) A Lagoa do Terror - Pelas cenas de suspense e terror - nota 5. Nota geral 4
10)
O
Carteiro Fantasma – Pelo suspense e
terror – nota 5. Nota geral 4,5.
Vou ficando por aqui, mas breve voltarei. Permitam-me refazer dos medos e das lembranças horripilantes que estão povoando minha mente.
Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 07 de janeiro de 2020.
Referência:
PEREIRA, Zeca. O Baú do Medo - Coletânea de Cordéis de Suspense e Terror. Barreiras/BA: Nordestina Editora, 2019.
Vou ficando por aqui, mas breve voltarei. Permitam-me refazer dos medos e das lembranças horripilantes que estão povoando minha mente.
Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 07 de janeiro de 2020.
Referência:
PEREIRA, Zeca. O Baú do Medo - Coletânea de Cordéis de Suspense e Terror. Barreiras/BA: Nordestina Editora, 2019.