quinta-feira, 29 de outubro de 2020

POESIA NÃO RIMA COM PANDEMIA - ASSERTIVAS FINAIS

           


     Volto a escrever sobre a antologia “Poesia não rima com Pandemia”, desta vez, nesta segunda e última parte vou trazer os poetas dos seguintes estados: Amazonas, Amapá, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul e a participação internacional dos poetas de Portugal e Angola.

 AMAZONAS (3 poetas:  Francisca dos Santos, Jailan Souza e Valdeci Duarte)

                        Os poetas acima, que têm como berço o estado do Amazonas, mais precisamente as cidades de Pauini (Francisca) e Boca do Acre (Jailan e Valdeci) apresentam em seus  poemas um mesmo objeto material , trabalhado numa única  base, a saber:  a natureza humana.  Francisca dos Santos mostra no poema “O homem”, o quanto ele é egocêntrico, acumulador, materialista, efêmero.  Há um texto bíblico que diz: “ Pois onde estiver o teu tesouro, ali estará também o teu coração”.(Mateus 6:21).

 O poeta Jailan Souza revela que em muitos corações humanos, a moeda que se faz presente é do interesse próprio. Jailan seu poema “Caverna Pandêmica” não é apenas um desabafo, é também um testemunho de que a poesia tem a sua função social. Isso me fez lembrar do poeta da sua terra, Djalma Passos (1923-1989), que certa vez escreveu:

 “ Trago na garganta o gemido dos aflitos,

 No peito a tortura dos injustiçados

E no olhar a mensagem dos eternamente perdidos”

 

 Valdeci Duarte, “Crises” é um poema que transparece a flutuante índole do homem. Mas, o mesmo texto também revela que por mais forte que sejam as crises é possível encontrar soluções. Por isso, diante desses tempos sombrios ouço um dos maiores poetas da Amazônia, Thiago de Mello:

                                                  

"Não importa que doa:

É tempo de avançar de mão dada

Com quem vai no mesmo rumo,

Mesmo que longe esteja

De aprender a conjugar o verbo amar"

         

  AMAPÁ (3 poetas: Afonso Colares, Leacide Moura e Lucia Morais)

Parece até que eles combinaram, pois aqui também, os poetas do Amapá tratam da Pandemia numa tessitura poética que fazem com os textos se completem.  Afonso Colares indaga em “O que é isso?” a brusca mudança que aconteceu no mundo. Leacide Moura trata no poema “Ressurreição”, sobre a vitória da vida, e Lucia Morais, quando escreveu “Tempo”, diz da igualdade que o vírus trouxe a todos nesta sociedade vitimada pela Pandemia. Sabemos que por mais esforço que faça o poeta para externar seus sentimentos, sempre ficará algo a ser dito. Álvaro da Cunha (1923 -1995), poeta amapaense, sentenciou: “O verso é apenas uma forma pálida e imprecisa”.

 

                         CEARÁ (3 poetas: Francis Gomes, Mané Beradeiro e Pedro Lucas)

                        Do estado do Ceará a antologia apresenta Francis Gomes, de Assaré, que participa com o poema “Assolação dos anos 20”, lembrando um pouco o cordel, mas só aparentemente na estrutura das estrofes que estão em sextilhas e na sequência das rimas (xaxaxa). O poeta Francis Gomes escreveu para um tempo futuro, na narrativa do eu lírico, os verbos estão no passado.

Em seguida o leitor vai se deparar com “O Vírus e o velho”, de Mané Beradeiro, pseudônimo de Francisco Martins, natural de Iracema. O poema é composto de versos livres, no estilo de gracejo, e trata de um diálogo entre um ancião e um médico.

Por último, Pedro Lucas, um jovem poeta de Fortaleza, com o texto “Epidemia”. Pedro Lucas ainda tem muito a aprender como poeta. Precisa burilar seus poemas, assim como a natureza faz com o carvão e o transforma em diamante.

Todos estamos sempre aprendendo,  estejamos na cidade ou no campo, não foi assim que aconselhou Patativa do Assaré?

                                                           Poeta, cantô da rua

                                                           Que na cidade nasceu,

                                                           Cante a cidade que é sua,

                                                           Que eu canto o sertão que é meu”

 MARANHÃO (1 poeta: Deise Torres)

            Há muitos anos, o poeta Gonçalves Dias cantou a sua terra, lembrando as belezas naturais. Quem nunca ouviu esta estrofe:

 “Minha terra tem palmeiras,

 Onde canta o Sabiá;

 As aves que aqui gorjeiam,

 Não gorjeiam como lá.”

 

            Hoje, temos outra “Canção do Exílio”, onde saudade também se faz presente em “Meus cacos” poema de Deise Torres. A grande diferença entre um e outro é que o exílio narrado pela poeta Deise não é apenas geográfico, mas em todo o globo. Passam-se os anos e a poesia sobrevive.

           MINAS GERAIS (2 poetas: Marcos Saramago e Ninfa Parreiras)

            Ser mineiro e depois ser poeta é deveras uma grande responsabilidade. Marcos Saramago e Ninfa Parreiras entendem o que eu escrevo. “Dentro, fora” é assim que Marcos deu título ao seu poema. Nas entrelinhas dos versos que Marcos escreveu, eu consigo vislumbrar, o clássico de Drumonnd:

“No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.”

 

Pedra invisível, mortífera e fatal.

  A poeta Ninfa (o nome já é poesia) escreveu “Oco do tempo”. Será que outros leitores conseguiram ver o que eu vi? O poema escrito em três cores possibilita a leitura de várias formas. Li a primeira vez como se tivesse uma só cor, depois, li apenas as palavras verdes, em seguida apenas as de cor laranja e por último, somente as pretas. Em todas as formas a poesia se faz presente.

Ser poeta em terra que nasceu Drumonnd e Adélia Prado é ter a coragem de Riobaldo.

  PARAÍBA ( 1 poeta: José de Anchieta Batista)

No poema “O Bicho da China”, a morte carimba com made in China. José de Anchieta Batista escreveu todo em estrofes de 8 versos, demonstrando conhecer  o uso das rimas, e as aplicou de forma  harmoniosa. Como todo paraibano, não deixou de temperar seu poema com pitadas de humor.

Termina seu poema afirmando que Deus ouvirá “a dor e o grito do filho que aflito segura sua mão”.  Para não deixa-lo sozinho, eis que trago esses versos de Augusto dos Anjos:

 

"A Esperança não murcha, ela não cansa,

Também como ela não sucumbe a Crença,

Vão-se sonhos nas asas da Descrença

Voltam sonhos nas asas da Esperança"


 PERNAMBUCO (3 poetas: Evaldo Araújo, Iovani Ribeiro e João Bosco dos Santos)

                        Com o mote “Fique em Casa”, o poeta Evaldo Araújo construiu seu poema em  décimas, usando a estrutura de rima ABCBDDEFFE, mantendo-se fiel em todas estrofes e na métrica com versos setessilábicos. Fez do poema uma tribuna que apregoa os direitos da grande massa trabalhadora.

 Também em décimas, o poeta João Bosco dos Santos nos mostra sua verve poética. Aplicou a rima na estrutura ABBAACCDDC com versos decassílabos e tenta convencer o leitor de que não está falando do corona, mas de um outro vírus que acompanha o homem deste o seu surgimento.

            Iovani Ribeiro viu o vírus e sua letalidade, e em versos livres (brancos), nos diz que há “Os anjos de branco”.  Aos três poetas eu digo que imagino Manuel Bandeira lendo seus poemas e depois pensando:  Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca da Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que eu nunca tive.

 

  RIO  DE JANEIRO (6 poetas: Adriano de Alvarenga Azevedo; Alexei Bueno; Amitrano; Bruno Black; Izzy Bey e Wendel dos Santos)

“...Toda palavra, dita ou não, é precipício. E só a poesia, precipitação”, assim diz a poeta Jéssica Iancoski (RJ), em seu poema “Precipitação”.Estamos ainda querendo nos levantar desta queda que nos deu o Coronavírus.

            Precisamos do aperto de mão, tão indispensável que Adriano escreveu; da beleza “Matinada da peste”, na sinfonia canora que o eu-lírico descrito por Alexei Bueno percebeu. Enquanto o poeta Amitrano nos mostra que “O vírus da morte” sempre existiu, e o poeta Bruno pergunta qual horizonte teremos amanhã, a poeta Izzy chicoteia com palavras e com as mesmas massageia e mostra a resposta através de “Nirvana”, a libertação da alma.

            “Matrix do avesso”, o poema de Wendel, que pode ser lido também de baixo para cima, fecha com otimismo a participação dos poetas do Rio de Janeiro. O certo é que tudo que vivemos até o momento e os mortos que contabilizamos (1.174.769)*,   aquela rosa sobre a qual  escreveu o poeta Vinicius de Morais,  “A Rosa de Hiroshima”,    radioativa, estúpida e inválida, que ceifou  200 mil vidas, foi apenas uma flor sem beleza no jardim da morte, que em 2020 exalou  forte cheiro letal da nova rosa chamada Covid-19.

*estatística de 29 de outubro 2020

 

RONDÔNIA ( 1 poeta, Elizeu Melo)

Elizeu  exorta que “Em tempo de pandemia” é possível refletir, ser solidário, ler, gerar oportunidades, ser criativo, ter a consciência que há deuses no Olimpo e estamos no quintal.

Deste mesmo estado, que eu considero ser o pomo de Adão (quando comparo o mapa do Brasil a um corpo), o poeta Matias Mendes (1949)  autor de “Depois da Hecatombe”  crê:

                              “Livre afinal da ambição insana,

                               O mundo, enfim, terá prosperidade,

                               Depois da extinção da espécie tirana,

                              Provocadora da última calamidade ...”

           RIO GRANDE SO SUL (2 poetas, André Flores e Patrick Leon)

Depois de fazer este passeio poético por vários estados brasileiros, finalmente , André e Patrick conduzem-me  ao extremo sul do país. Chego ao Rio Grande do Sul e ouço o “Apelo” de André, em forma de acróstico: fique em casa. Patrick, por sua vez, um gaudério com alma de seringueiro, fala verdades em “A sombra da morte”. Sim, ambos têm razão, assim como o poeta Odilon Ramos que revelou aquela lágrima:

                                                            “Era uma vez uma pequena lágrima

 Ainda não chorada, nunca   concebida,

Que vivia guardada, ou melhor, escondida 

Num canto do olhar...”

 

POETAS DE PORTUGAL E ANGOLA ( Manuel Souza Fonseca (Portugal),, Miguel Manuel Zola e Zetho Cunha Gonçalves (Angola)

 Com ousadia eu atravesso o Atlântico e vou a Portugal, berço do poeta Manuel Souza Fonseca, que em seu poema “É difícil” mostra sem medo a alma que possui. Acredito no que ele escreveu, e aqui, o poeta não é um fingidor, como sentenciou Fernando Pessoa, em “Autopsicografia”. E é o próprio Pessoa quem nos diz: “ ...quem tem alma não tem calma”.

No continente Africano, mais precisamente em Angola, o poeta  Miguel Zola,  mostra que há um novo ritmo, uma última dança, com batuque mortal. Zetho Cunha, propõe um tratamento extra convencional. Ainda bem que tudo fica na “Respiração Suspensa-5”.

A esses poetas angolanos eu pergunto: que diria Agostinho Neto (1922-1979)? Talvez ele lembrasse do poema que fala da esperança  e para nós, “sentado num banco do kinaxixi às seis horas duma tarde muito quente” declamaria   "Havemos de Voltar"

 

    Parabéns a todos os participantes da antologia  "Poesia não rima com Pandemia".

 

Francisco Martins

Parnamirim-RN, 29 de outubro de 2020