Segunda-feira, dia 27, eu publiquei por aqui uma apresentação do poeta Florêncio Gomes de Oliveira e no final da mesma, sugeri que o nome dele é uma boa opção para compor as galerias dos patronos das academias literárias do RN. Ontem, à noite, eu me deparei com uma crônica de Vicente Serejo, publicada em sua Coluna Cena Urbana, no Diário de Natal, edição do dia 10 de novembro de 1988, que trata sobre o Padre poeta, de um livro que foi escrito por Vingt-Un Rosado sobre ele. Transcrevo na íntegra a crônica.
O segredo dos piaus azuis
Vou vencendo a tarde lendo sobre a figura do Padre Florêncio Gomes de Oliveira, “Um Cientista Perdido nos Sertões do Apodi”, do mestre Vingt-un Rosado. E que acaba de ser editado pela Coleção Mossoroense, esse mundo editorial que espantou os olhos de tanta gente, inclusive de Edson Neri da Fonseca, um bibliógrafo.
Pois bem. E a figura do padre Florêncio termina encantando o leitor por seu espírito de observador. Como um repórter, perdido nos sertões do Apodi, ouvindo a natureza: os minérios e suas cavernas; os mistérios dos piaus azuis, os peixes que vivem e morrem sem explicação; a vegetação do sertão seco, de espinho e de flores.
O elogio de Vingt-un Rosado ao padre é porque este é o patrono da Academia Norte-Rio-Grandense de Ciências, na cadeira nº 7. Primeiro ocupante, coube a Vingt-un a missão de fazer o elogio, reunindo em discurso a história pessoal, o pensamento e a obra do cientista do Apodi, velho como a memória do seu povo.
Nasceu o padre em dezembro de 1813 para ser pastor de almas, pastorador de freguesias, escritor, pesquisador e poeta, como atesta a Acta Diurna de Cascudo, transcrita na íntegra por Vingt-un, onde o historiador do Rio Grande do Norte e de Natal mostra a poesia do padre e sua inspiração em dez versos.
O mais interessante na leitura do elogio feito por Vingt-un é o capítulo sobre “Os Piaus Azuis do Apodi”. São peixes que vivem nas pequenas cavidades das grutas e das locas, onde a água fica como em reservatórios naturais, ali conservando o mistério dos piaus azuis, de barbatanas proeminentes e dorso escuro, coberto de escamas.
E lá Vingt-un cita artigo referenciado por Nestor dos Santos Lima no Almanak do Rio Grande do Norte, de 1895, onde Manoel Antônio de Oliveira Coriolano “herdeiro do pioneirismo do padre Florêncio”. escreve sobre a região do Apodi, falando sobre os peixes das locas e sua vida efêmera como o inverno no sertão.
Defende o articulista que os peixes vivem nas cavidades das pedras quando as chuvas chegam. Aparecem do nada, crescem e vivem, até que venha outra vez a seca e todos morram de vez. Ano seguinte,em novo inverso, repete-se o fenômeno, como se as sementes dos piaus ficassem nas locas a espera da água para acordá-las outra vez.
Os peixes azulados, com escamas e barbatanas, na descrição de Coriolano, são os piaus azuis. Os peixes azuis que ficam depositados nas areias, em forma de ovos invisíveis de tão minúsculos. Os mesmos que, diante da chuva, eclodem, vivem de novo e produzem o milagre da vivificação. Eis, pois, o livro de Vingt-un, reunindo documentação, fazendo registro, deixando ficar na Coleção Mossoroense o saber da região. Do sertão sem fim.