quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

A NOITE LIBERAL DE INDALÉTO

     O texto abaixo é da autoria de Otacílio Alecrim. Ele escreve sobre um acontecimento ocorrido há exatos 95 anos  em Natal.  Produzimos aqui, usando a mesma grafia da época.



Drama de fuzilaria intenso aquele que despertou a cidade de Natal em a noite de 7 de Fevereiro de 1930. A fogueira liberal crepitava soturnamente sob a arcada dos peitos nortistas, emquanto os homens de governo brincavam, como certos animaes anuros costumam vadiar com o fôgo dos aceiros.
    Não havia coração que se não sentisse afogado na reprêsa dos animos incontidos. Pairava um debrum de constrangimento nas proprias hostes do reacionarismo.
    Entre aqueles que combatem as revoluções da intimidade do pôvo, repete-se sempre este capitulo de fatalismo politico: os mais exaltados não podem calar a voz da maioria, que se torna tão poderosa, a ponto de arrastal-os em massa, dando-lhes a iluzão de que tambem avançam como legitimos revolucionarios.
    Façamos uma interrogação: a gente de Natal tinha mesmo idéas e sentimentos liberais?
    Não ha duvida. Natal era uma "rotonde" de girondinos queimados que acampavam nos cafés, nas reuniões operarias, em sindicatos de estivas, no ámago dos municipios vizinhos, no proprio palacio do govêrno!
    Não foi tendenciósa a nota de um diario parahibano que dois graduados da policia estadual enviavam munições, ás ocultas, para João Pessôa...
    Que sentido teria movido a nossa população a ouvir a palavra de Mauricio quando por aqui andou numa caravana democratica?
    Não eram conspiradôres revolucionarios aqueles soldados afoitos que afrontaram o luar da Areia Prêta, afim de confabularem certa noite com o velhinho Assis Brasil?
    Não cabe no encaixe desta cronica esquissar a luta tenaz do padre João da Matha em prol da Revolução. Indice incontestado do clero, nenhum homem dos seus arraiaes era mais impetuoso nos grandes dias da propaganda. Abrazado naquela candencia republicana que agitou as batinas da Independencia, ele foi aqui no Estado o nosso padre João Manuel da Segunda Republica. Embastilhado num reduto de dogmas, do mirante de suas tendencias extremistas de politico seguia-se o inquieto fuzilador das "entourrages" palacianas, o vanguardeiro sincero que avançava dia a dia, ligando aqui e acolá os fogáxos da queimada. Padre Matha, prefigurado a um angulo de rua, debruçado á meza do jornal, esbanjando para todos aquela sua alegria estonteante, era de fáto um corretôr de convicções.
    Ele abraçou, propagou, construio para a revolução, chegou mesmo a mostrar que as batinas não se haviam ofuscado em defesa da terra comum...
Dessa linhagem, dessa escóla em vigôr, eram portanto as centurias de gente que foram receber, aclamar, a Caravana Liberal, á noite historica de 7 de Fevereiro.
    Estava escrito que o Pavilhão Nacional seria o leit-motiv de uma chacina, resultante da propria instabilidade ambiente, em que fôrças e paixões imperativamente advérsas lavraram, flutuantes...
    Evitemos que a posteridade não nos acompanhe de futuro no ajuizar leviano desta pagina, deste monumento de sangue: façamos um recuo áquela época e não consintamos em ampliar uma lezão historica.
    A cidade em pêzo, tinindo de vibração, louca de curiosidade, queria escutar a voz do pampa, instrumento violento de reivindicações, com que o Luzardo fustigava um paiz inteiro na hora crepuscular do regime.
    Diziam que ia falar um lider liberal se bem que fôssem aclamar um tropeiro da Revolução!
   De repente, um grito, um tiro, um clamôr, uma vaia de anagãs, rompiam de chôfre a fuzilaria que surprehendeu a todos, de cócoras, esperando pelas falas.
    Foi um pavôr! As noticias mais incriveis frinchavam pelas casas e em todos os recantos e desvãos da cidade as espôsas de Deus faziam promessas, desesperavam-se, rezavam baixinho.
   Estávamos virgens de um clarão de epopéa assim. E naquela noite mesma os natalenses ficaram noivos da revolução.
    Dentre os mortos, um houve que a imaginação popular, cavalgata de devaneios, transfigurou logo em mártir.
    Foi o menór Indaléto de Freitas, pobremente vestido, com um balaço no ventre, a se estorcer de mórte em plena Avenida.
   Fragmento da multidão, ele revelou nos seus ultimos lampêjos uma certa impressão de que entrou tambem pra aquilo com o seu fanatismozinho. Não foi um simples curiôso, um ninguem na luta, não. Uma isca de fôgo sagrado polarizava-lhe o instinto de garôto, assanhava-lhe a sensibilidade reúna, em conquista do ideal que lhe reservou a corôa de mártir ainda infante.
    Filho do pôvo, glorioso poilu de uma caza de taipa, o seu nome é um beijo de sól que ainda hôje alumia a paizágem longinqua daquela noite liberal.



Um comentário:

Manoel Neto disse...

Apenas um detalhe: até Setembro de 1930 a capital do vizinho estado se chamava Parahyba. Mudou o nome em 'homenagem' ao ex governador João Pessoa, assassinado em julho do mesmo ano.