sábado, 2 de agosto de 2025

BALA PERDIDA

Não existe bala perdida,
Todas atingem algo:
Uma árvore, uma ave, uma alma, a vida.
O que existe é bala ardida que fere na ida
Deixando quem fica com a dor maldita
Da perda querida.
Quisera que em meus poemas a bala perdida
Fosse aquela que cai da boca da criança.

FRANCISCO MARTINS.



"UM CADERNO PARA PAPAI"

 

  Ela preparou com muito carinho, um caderno literário para presentear o seu pai. O presente começou a receber os textos em 1 de abril de 1970, tendo como solo a cidade de Ceará-Mirim-RN. Na dedicatória que ela escreveu em 2 de agosto de 1970 ( 55 anos passados) ela diz

  "...Mas tarde na sua velhice, passando as humildes folhas deste cadeerno lembrarás da sua filha que lhe estima"



Não são textos da sua autoria, mas sim dos livros que ela lia e sabia que o seu pai também gostaria de ler. Assim, a menina-moça, com 15 anos,  foi transcrevendo poemas de Olegário Mariano, Padre Antonio Tomaz, Manuel  Bandeira, Renato Caldas, Irene Meloneves, Heraldo Lisboa, Abílio de Almeida, Álvaro Faria, Carlos de Queiroz, Nilo Bruzzi, Ana Amélia, Beatriz de Carvalho, Felix Aires, Antonio Sá Barreto, totalizando 48 poemas e trovas.

O trabalho de copiar esse material terminou em 31 de julho de 1970, e organizadora assim escreveu:

"Papai: com esta poesia fica encerrado este caderno, o qual dedico-lhe todas ass afeições filiais, é como uma recordação nunca esquecida, para quando no futuro folhea-lhes este, lembrarás sempre da sua filha que muito lhe quer;

Maria do Socorro Fernandes"

 

Este presente, hoje tão raro de ser dado a um pai, faz parte do acervo da minha biblioteca particular. A organizadora é minha irmã, a mais provecta da família, porém, é a que tem o espírito mais jovial de todos nós, os seus irmãos e irmãs.


 Francisco Martins, 2 de agosto de 2025

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

GRACINDA FREIRE, CEM ANOS DEPOIS: O SILÊNCIO ELOQUENTE DA GRANDE ATRIZ ESQUECIDA



Num país de memória frágil e cultura tantas vezes relegada a segundo plano, não surpreende que o centenário de nascimento de Gracinda Freire passe quase despercebido pelo grande público. E, no entanto, trata-se de uma das figuras mais expressivas do teatro brasileiro do século XX — uma artista completa, de formação sólida, que transitou com naturalidade entre palcos, estúdios de rádio e produções televisivas em uma era em que ser atriz exigia, antes de tudo, coragem.

Nascida em 31 de julho de 1925, Gracinda construiu uma carreira à margem do estrelato fácil, mas no centro da criação artística. Foi dessas intérpretes que jamais se renderam ao lugar-comum ou à superficialidade. Seu nome pode não habitar o panteão popular onde brilham ícones da TV ou do cinema nacional, mas entre artistas, diretores e estudiosos da dramaturgia, Gracinda é uma referência de entrega, ética e excelência.

Ela integrou o ciclo virtuoso dos anos 1950 e 60, quando o teatro brasileiro buscava sua própria identidade entre as influências europeias e os dramas sociais do país. Atuou com vigor em montagens memoráveis e foi pioneira nos teleteatros das TVs Tupi e Cultura, onde ajudou a moldar a linguagem dramática televisiva brasileira. Mais do que uma atriz, era uma militante da arte. Acreditava que o teatro era, antes de tudo, um ato político e poético.

Sua morte precoce, em 1995, encerrou uma jornada sem alardes, mas profunda. Ainda assim, a ausência de homenagens institucionais ou reedições de seus trabalhos denuncia algo maior: o quanto o Brasil se permite esquecer seus melhores intérpretes quando eles não se encaixam nas vitrines do mercado ou nas lógicas do espetáculo.

Celebrar Gracinda Freire, portanto, não é apenas um gesto de justiça histórica. É também uma forma de reafirmar que o talento, a integridade e a vocação não podem ser medidos por número de seguidores, capas de revistas ou reprises de novela. Ela representa uma geração de artistas que formaram a base da nossa linguagem cênica, muitas vezes sem os holofotes que mereciam.

No centenário de Gracinda, é urgente lembrar: o teatro brasileiro tem uma dívida com seus pilares. E são nomes como o dela que sustentam, em silêncio, a grandeza de nossa cultura. Que sua “viagem” não tenha sido em vão — e que saibamos, ainda que tardiamente, reverenciar quem nos ensinou a arte de representar com a alma.

Alex Medeiros