Num país de memória frágil e cultura tantas vezes relegada a segundo plano, não surpreende que o centenário de nascimento de Gracinda Freire passe quase despercebido pelo grande público. E, no entanto, trata-se de uma das figuras mais expressivas do teatro brasileiro do século XX — uma artista completa, de formação sólida, que transitou com naturalidade entre palcos, estúdios de rádio e produções televisivas em uma era em que ser atriz exigia, antes de tudo, coragem.
Nascida em 31 de julho de 1925, Gracinda construiu uma carreira à margem do estrelato fácil, mas no centro da criação artística. Foi dessas intérpretes que jamais se renderam ao lugar-comum ou à superficialidade. Seu nome pode não habitar o panteão popular onde brilham ícones da TV ou do cinema nacional, mas entre artistas, diretores e estudiosos da dramaturgia, Gracinda é uma referência de entrega, ética e excelência.
Ela integrou o ciclo virtuoso dos anos 1950 e 60, quando o teatro brasileiro buscava sua própria identidade entre as influências europeias e os dramas sociais do país. Atuou com vigor em montagens memoráveis e foi pioneira nos teleteatros das TVs Tupi e Cultura, onde ajudou a moldar a linguagem dramática televisiva brasileira. Mais do que uma atriz, era uma militante da arte. Acreditava que o teatro era, antes de tudo, um ato político e poético.
Sua morte precoce, em 1995, encerrou uma jornada sem alardes, mas profunda. Ainda assim, a ausência de homenagens institucionais ou reedições de seus trabalhos denuncia algo maior: o quanto o Brasil se permite esquecer seus melhores intérpretes quando eles não se encaixam nas vitrines do mercado ou nas lógicas do espetáculo.
Celebrar Gracinda Freire, portanto, não é apenas um gesto de justiça histórica. É também uma forma de reafirmar que o talento, a integridade e a vocação não podem ser medidos por número de seguidores, capas de revistas ou reprises de novela. Ela representa uma geração de artistas que formaram a base da nossa linguagem cênica, muitas vezes sem os holofotes que mereciam.
No centenário de Gracinda, é urgente lembrar: o teatro brasileiro tem uma dívida com seus pilares. E são nomes como o dela que sustentam, em silêncio, a grandeza de nossa cultura. Que sua “viagem” não tenha sido em vão — e que saibamos, ainda que tardiamente, reverenciar quem nos ensinou a arte de representar com a alma.
Alex Medeiros
Leia mais em:A maior estrela de Natal
Nenhum comentário:
Postar um comentário