sexta-feira, 24 de julho de 2020

VERÍSSIMO DE MELO E A SUA IMPORTÂNCIA PARA A LITERATURA DE CORDEL


     Veríssimo de Melo foi um intelectual  que serviu à literatura brasileira sob diversos prismas. Atuou como jornalista, cronista, pesquisador, músico, poeta, folclorista. Foi Professor Universitário e um antropólogo que se tornou conhecido não apenas no Brasil, mas também no exterior. Nasceu em Natal no dia 9 de junho de 1921. Era carinhosamente chamado pelos familiares e amigos pela alcunha de "Vivi". No dia 18 de agosto de 1996 ele parte definitivamente deixando um vazio nos corações daqueles que o amavam.

    Trabalhando numa lavoura cultural tão diversificada, Veríssimo de Melo se dedicou a estudar também o cordel. Publicou vários trabalhos sobre o tema e escreveu alguns ensaios (vide a relação abaixo). Quando despertou Veríssimo de Melo o seu olhar para a literatura de cordel? Talvez em 1949, mas ainda não posso afirmar com precisão. De todas as suas 25 participações na Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, no período de 1959 a 1996, não há nenhuma palavra sobre este tema. Mas ele escreveu em outros periódicos. Quando o "Capitão-Mor do Folclore" se debruçou sobre o cordel brasileiro, as produções que ele encontrava eram sempre da autoria de poetas populares, homens simples, a maioria com apenas o ensino básico. Os assuntos giravam em torno do cangaço, dos reinos encantados, das pelejas, da religiosidade católica e da política.

    O Professor Veríssimo de Melo escreveu o ensaio "Literatura de Cordel - Problemas e Sugestões" (1980). Nele, lembra que em 1976, quando participava de um ciclo de estudos sobre Literatura de Cordel, em Fortaleza/CE, o Professor Raymond Cantel assim definiu o que é a Literatura de Cordel: " poesia narrativa, popular, impressa". Nessa definição a palavra "popular" tem para Cantel e seus seguidores, um peso e também estabelece uma fronteira. Só é cordel se for popular, isto é, se o autor foi ou é um poeta sem escolaridade. Em 1977, em São Paulo, participando de outro encontro também sobre o mesmo assunto, Veríssimo de Melo levanta a questão de que o cordel brasileiro começa a ser produzido por poetas eruditos, homens intelectuais, graduados em diversas áreas; seriam estes textos literatura de cordel? Escreve o antropólogo Veríssimo de Melo ao Professor Raymond Cantel, da Universidade de Sorbone - França e a resposta vem através de carta:

"O problema que levanta a sua carta de 25 de maio de 1977 é importante. Não tenho nenhuma autoridade para resolvê-lo, mas posso dar a minha opinião. As produções que têm autores não populares, evidentemente não são literatura de cordel" (MELO, 1980. P.233)

    Estávamos vivendo uma transformação no cordel brasileiro, num campo onde trabalhavam apenas homens autodidatas, chegavam Dimas Batista, Paulo Nunes Batista, Rogaciano Leite e outros mais. Na verdade, a grande preocupação de Raymond Cantel, Veríssimo de Melo e Manuel Diégues Júnior era que, uma vez graduados, os poetas cordelistas iriam se nivelar aos poetas eruditos e deixariam de espelhar a ideologia do homem do povo nordestino, perdendo a força, a espontaneidade e a verdade. Veríssimo de Melo resolve saber o que pensa Câmara Cascudo sobre o assunto e este se manifesta dizendo que os poetas graduados "têm a autencidade inspirativa, mas não têm a legitimidade expressional. Não é do homem do povo, do poeta popular" (MELO, 1980. P.235).

    Passados 44 anos desta indagação eis que à porta do centenário de nascimento de Veríssimo de Melo, o lume volta a aquecer e ouso perguntar: realmente Cascudo tinha razão quando afirmou a Veríssimo que os cordéis de autores eruditos estavam formando uma nova família dentro da literatura do cordel, como filhos particular e naturais, não legítimos? Somos um grupo de poetas que fazemos cordéis e talvez tenhamos perdido a identidade ideológica desta literatura?

    É assunto para outro ensaio. Neste artigo quero apresentar algo àqueles que ainda não conhecem um pouco dos trabalhos de Veríssimo de Melo sobre o cordel. E já principio com este acima. Breve, ainda este ano, estaremos publicando a bibliografia de Veríssimo de Melo, uma pesquisa que está demandando horas de trabalho. Conheçam outros ensaios sobre o tema:


O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ ATRAVÉS DO ROMANCEIRO POPULAR (1953)

    Este trabalho é fruto de uma palestra que foi feita no Rotary Club de Natal. É também a primeira vez que o pesquisador vai reunir material da literatura de cordel para tratar de escrever sobre o assunto. Além de textos, Veríssimo de Melo teve também a preocupação de ilustrar com fotos. Nele são citados Zabelê, José Aluízio Vilela, Mariano Ranchinho, João Martins de Athayde, José Cordeiro, Pereira Lima. No ensaio, Veríssimo de Melo vai comparando as veracidades dos poemas estudados com o registro da história feita por outros meios, tais como: jornais da época, entrevistas, depoimentos.

ORIGENS DA LITERATURA DE CORDEL (1976)

    Importante ensaio de indispensável leitura àqueles que estudam o cordel e suas origens. Em 1976 ele foi publicado pela primeira vez na Revista Tempo Universitário e no mesmo ano teve repercussão na Alemanha, através da Revista Humboldt, nº 34, em Munique. Foi apresentado num simpósio em São Paulo e no Congresso Internacional de Folclore Ibero-americano, na Argentina. A grande contribuição desta pesquisa foi a afirmação de que o cordel já existia no século XV, na Alemanha, em folhetos impressos. Este ensaio foi publicado numa revista alemã. Na plaquete publicada em 1991 o autor acrescentou as falas de Sidney Carlos Aznar e Renato Costa Pacheco, debatedores do Simpósio Pesquisa de Folclore.

VISITA DO PAPA AO BRASIL ATRAVÉS DA LITERATURA DE CORDEL (1982)

    Publicado pela primeira vez em 1982, através da UFRN, a plaquete foi amplamente divulgada e chegou até o Vaticano, através do envio da Anunciatura Apostólica do Brasil. Faz parte também da Antologia de Folclore Brasileiro, organizada por Américo Pellegrini Filho (São Paulo: EDART, 1982) e é fortuna crítica no livro "A Igreja e o povo na literatura de Cordel", do Padre Manoel Matusalém Souza (São Paulo: Paulinas, 1984). A 3ª edição foi em 1991, por ocasião da segunda visita do Papa João Paulo II ao Brasil, mais especificamente em Natal onde aconteceu o XII Congresso Eucarístico Nacional.

    Este ensaio registra trabalhos de 41 poetas cordelistas, do Ceará, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Piauí, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Pará, Rio Grande do Norte e Brasília.

ASPECTOS DA RELIGIOSIDADE NORDESTINA NO CORDEL (1984)

    Veríssimo de Melo apresenta o nordestino como um animista, trata do sobrenatural na sociedade do campesino e a influência por ele vivida através do movimento sebastianita, de Antonio  Conselheiro, Padre Cícero, Frei Damião, Padre João Maria, etc. Cita os poetas Abraão Batista, João Lucas Evangelista, João Francisco de Souza, José Bernardo da Silva, José Camilo da Silva, José Costa Leite, José Luiz (Rouxinol do Norte, Pedro Bandeira, Raimundo Bezerra de Moura e Rodolfo Coelho Cavalcante.

TANCREDO NEVES NA LITERATURA DE CORDEL (1986)

    Neste ensaio Veríssimo de Melo traz os poemas dos poetas que acompanhavam a campanha das diretas, a vitória de Tancredo Neves, sua doença, martírio e morte através do estudo de mais de 100 folhetos, de vários estados. O ensaio apresenta Tancredo nas diretas, traços biográficos de Tancredo, doença e morte e Tancredo na posteridade.Trabalhos dessa natureza têm uma importância relevante, o próprio autor escreve: "O que o homem da rua viu e ouviu dizer a respeito, na época, perdeu-se. O que o poeta de cordel escreveu ficará. É testemunho da história que poderá vencer os séculos" (MELO, 1986, p. 14).

    Ah! Veríssimo de Melo (1921-1996), Cantel (1914-1986) e Manuel Diégues Júnior (1912-1991) vocês não viveram o suficiente para verem isto: hoje, passados 43 anos daquela preocupação, o cordel brasileiro continua vivo, e o melhor: a grande massa produtora de poemas é exatamente composta por homens e mulheres graduados, mestres e doutores.

    Além da Academia Brasileira de Literatura do Cordel - ABLC, no Rio de Janeiro, existem outras academias em vários estados. Dissertações para Mestrados e Teses de Doutorados são inúmeras com o tema de cordel. Em Natal temos a Casa do Cordel, a Academia Norte-Rio-Grandense de Literatura do Cordel e Estação do Cordel. Tudo isso comprova que o cordel continua vivo, sendo um instrumento de alfabetização e incentivo à leitura, um púlpito que grita contra a escravidão moderna, uma ferramenta de propagação das mais variadas ideologias e pensamentos.

    Lembrando Veríssimo de Melo neste pequeno ensaio, queremos dar sinal aos que fazem a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, o Instituto e Geográfico do Rio Grande do Norte , o Conselho Estadual de Cultura e a própria Universidade Federal do Rio Grande do Norte para que não esqueçam do seu centenário de nascimento em 2021. A largada está dada com  um ano de antecedência através da Revista da ANRL.


Referências:

MELO, Protásio Pinheiro de. VIVI: o homem que sabia viver.
Natal/RN: IFRN, 2018

MELO, Veríssimo de. O Ataque de Lampeão a Mossoró através do romanceiro popular. Natal/RN: DEI, 1953.

___________. Origens da Literatura de Cordel. In Tempo Universitário - Revista de Cultura da UFRN - Volume 1, nº 1, Natal/RN: UFRN, 1976, p.49 a 56.

___________. Literatura de Cordel - Problemas e Sugestões. In Tempo Universitário - Revista de Cultura da UFRN - Volume 6, nº 1. Natal/RN: UFRN, 1980, p. 223 a 239.

___________. Aspectos da Religiosidade Nordestina no Cordel. Mossoró/RN: Coleção Mossoroense, Série B, nº 417, 1984. 42 p.

___________. Tancredo Neves na Literatura de Cordel. Belo Horizonte/MG: Itatiaia, 1986.

___________. Visita do Papa ao Brasil, através da Literatura de Cordel. 3ª edição. Natal: s/n.1991,17 p.



FRANCISCO MARTINS, que também usa o pseudônimo de MANÉ BERADEIRO é poeta cordelista, crítico do cordel e autor de vários trabalhos. Membro da Academia Ceará-mirinense de Letras e Artes e de outras instituições culturais.











2 comentários:

Cirlene disse...

Excelente artigo. Parabéns pelo trabalho!

Unknown disse...

Muito bom artigo, é preciso divulgar.
Parabéns pelo trabalho.