Meu estimado filósofo,
Veja
só o que me aconteceu, outro dia. Ao querer imitá-lo - saindo em plena
luz do meio dia com uma lanterna, a procura de um homem honesto-, sabe o
que me aconteceu?! Fui assaltado: levaram a minha lanterna!... Tudo bem
eu sei que foi um típico caso de ladrão que rouba ladrão, afinal não
sou mesmo um “ladrão de citações”?
Pois
é, meu caro Diógenes, feliz era você, que mesmo convivendo com uma
sociedade corrupta, ainda podia sair nas ruas da Grécia antiga, e não
ser assaltado. Podia morar num barril, apenas com um alforje,
um bastão e uma tigela, e ninguém ousava tirá-las de você. Hoje, com a
modernidade, no mundo das conexões rápidas, dos chips, das máquinas, da
robótica, o chique é ser desonesto em todos os lugares... Outro dia,
estava em São Paulo, num encontro de medicina e a noite sai para jantar
com um amigo. A comida que sobrou, resolvemos colocar numa quentinha e
entregar ao primeiro mendigo que encontrássemos. Ao descermos do taxi,
havia um deitado, dormindo, debaixo de uma marquise. Coloquei a comida
ao seu lado, na esperança
de que ao acordar, ele teria algo para comer. Aí um pipoqueiro que
estava próximo me alertou: “Senhor, não deixe ai não, pois vão
roubá-lo!”.
Foi
impossível não me lembrar do seu companheiro de profissão, o filósofo
Jean-Yves Leloup e o seu comovente relato, no magnífico livro “O absurdo e a graça”,
que conta a vida dele perambulando pelas ruas da França, a procura de
paz: “Aconteceu que uma noite não encontrei mais minha mochila, devem
tê-la tirado de mim, em um segundo, enquanto eu cochilava. Isso para mim
foi um sofrimento real, eu me havia identificado tanto com aqueles
pedaços de frases que sem eles minha vida não tinha mais sentido. Não
chorava pelos meus documentos de identidade; chorava pelos meus poemas,
chorava também pela miséria, pela injustiça... como é que um pobre pode
roubar outro pobre? Não havia um tostão em minha mochila, lá só estava o
meu tesouro, o brilho de duas ou três palav
ras que, quando juntas, produzem um efeito de música ou de sentido”.
Meu
caro Diógenes, toda vez que leio esse relato, confesso que meus olhos
ficam marejados de lágrimas. E logo me vem à mente: “Por que o mal
existe?”. Difícil essa pergunta, não?! São Tomaz de Aquino talvez
tentando respondê-la, dizia: “Se o mal existe, Deus existe”. E eu não
tenho dúvida que todas as pessoas nascem boas, pois como ensinou,
recentemente, o grande professor de pediatria, Dr. Heriberto Bezerra: “O
jovem é puro... se deteriora no caminhar da vida, às vezes por
necessidade ou por fraqueza; ou pelas duas coisas!”.
E
quando eu falo em homem desonesto, meu caro Diógenes, nem estou mais só
falando daqueles que roubam dinheiro, pois como disse no inicio desta
carta: o chique agora é ser desonesto em todos os lugares (até nos
tribunais éticos, a corrupção é generalizada)... Falo daqueles que
roubam nossos sonhos, que destroem as velhas amizades, que são
desonestos com a sua própria consciência.
Sócrates
dizia que uma vida não reflexiva não valia a pena ser vivida. Afinal,
temos dentro de nós o maior de todos os juízes - aquele que trabalha
dentro de um tribunal, onde não há como recorrer, nem fazer habeas
corpus preventivo, nem delação premiada... Um tribunal cuja sentença é
inapelável: a nossa consciência, que nada mais é do que “uma espécie de
entidade invisível, que possui vida própria e que independe de nossa
razão. É a voz secreta da alma, que habita em nosso interior e que nos
orienta para o caminho do bem”.
Então,
meu caro Diógenes, não há nada de errado em fazer as seguintes
perguntas: “Estou em um caminho de sucesso? Estou em um caminho de
santidade? Ou estou em um caminho de autodestruição?”. É fundamental
responder a essas questões. Qualquer caminho para o índio Don Juan, do
escritor Carlos Castaneda, é apenas um caminho. “E não constitui insulto
algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo. Quando assim
ordena o coração (...) olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o
tantas vezes quantas julgar necessárias... Então, faça a si mesmo e
apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso
afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui
importância alguma”...
Meu
caro Diógenes, como tenho utilizado o meu coração nestes dias. Fiz -
com um profissional que se “queixava” de ser médico (nem um robô seria
tão frio! Agradeci a Deus ao sair do exame, por saber que ele não tinha
sido meu aluno: menos uma culpa para carregar nas costas)-, até um teste
de esforço para avaliá-lo. Tudo isso para poder utilizar esse órgão -
que bate muitas vezes descompassado pelas incompreensões, pelas
ingratidões, pelas críticas muitas vezes infundadas e motivadas sei lá
porque, etc. etc. -, de forma a julgar melhor e perdoar: “Pai, eles não
sabem o que fazem!”.
Tenho
utilizado esse meu miocárdio, para ver melhor aqueles que um dia
idealizei como exemplos de ética e retidão moral e que olhando um pouco
mais de perto, não passam daquela imagem sonhada por Nabucodonosor, com
os enormes pés de barro, e que basta jogar um pouco de água para eles se
transformarem num mar de lama... é preciso olhá-los com o coração, para
entendê-los e poder colocar em pratica a caridade, pois sem ela não há
salvação!
Portanto,
permita-me terminar essa carta, meu caro Diógenes, com a seguinte
oração: “Devemos igualmente amar nossos inimigos. Se ajudei a alguém o
melhor que pude e se essa pessoa me ofende da maneira mais ignóbil,
possa eu olhar essas pessoas como meus maiores mestres, pois eles nos
permitem testar nossa força, nossa tolerância, nosso respeito aos
outros... Compaixão e felicidade são a mesma coisa!”.
Um forte abraço! Até um dia, meu caro Diógenes!
Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor.