segunda-feira, 30 de setembro de 2019

SOBRE A SÉRIE VERSOS POPULARES - INTRODUÇÃO E ANTOLOGIA DE CORDÉIS


1º volume

Recentemente a CJA Edições (Natal/RN) lançou três livros com poemas no gênero de cordel brasileiro. São eles:  Antologia de Cordéis, de Manuel de Azevedo,  Um maço de Cordéis – lições de gente e de bichos, de Gilberto Cardoso e Histórias Cordelizadas, de  Joelson Araújo.

2º volume
                Os três livros fazem parte da Série Versos Populares, que teve início em 2015 de forma bem singela e aos poucos está crescendo, com traços editoriais  de que vai ser uma importante coleção sobre o cordel brasileiro, mais especificamente o que é produzido em solo potiguar.

                Li e reli os títulos, pois como alguns sabem,  além de aprendiz do gênero de cordel eu sou também um pesquisador.  Mergulho no tema com vontade de aprender,  busco em cada poema escrito, o mapa do sucesso neste tipo de literatura, tentando desvendar  nas belezas das estrofes, na sonoridade dos versos, a arte que foi escrita pelo poeta cordelista.
                 Ser poeta de bancada não é fácil, sobre ele pesa a métrica, a rima e a oração, colunas  indispensáveis na construção de qualquer texto que se quer considerar cordel. Há regras a serem obedecidas e a tradição canônica, ora formada pelos clássicos do cordel brasileiro, está aí para mostrar que não é necessário criar mais nada, basta fazê-lo como manda a receita dos “Chefes” Leandro Gomes de Barros, Manoel D’Almeida,  José Camelo de Melo Resende, João Melquíades,  Francisco das Chagas Batista, entre outros que  fincaram a bandeira do cordel brasileiro nesta terra de Macunaíma.
  Assim dito, deixo de prólogos e vou entrar no mérito dos três volumes.  Começo pela ANTOLOGIA DE CORDÉIS. Manuel de Azevedo reuniu aqui alguns poemas que foram publicados tanto na sua página virtual como também em folhetos, em anos anteriores.


O poeta Manuel de Azevedo não é iniciante no ramo, estreou no ano 2000, exatamente com a publicação do folheto “O Misto”, que abre a sua antologia. Naquele ano, o poema foi publicado pela Coleção Chico Traíra/ Fundação José Augusto , folheto nº 55.   O poeta tem  57 anos de vida e 19 na produção de cordéis. Em 2012 ele ficou em primeiro lugar na Coleção Chico Traíra, com o cordel:  “Balada Gregoriana”.


Manuel de Azevedo




Dos 13 poemas da sua Antologia, Manuel de Azevedo, que também já  assinou folheto com o pseudônimo de Mané da Retreta,  traz  4 poemas em décimas com versos setissilábicos (usando a rima abbaaccddc) São eles:

1      Uma história do sertão – 14 estrofes/ 140 versos
Quantas vezes  esta história não foi repetida no vasto sertão  nordestino? Pode ter personagens diferentes, mas o roteiro das cenas encaminha para o mesmo desfecho. Nem sempre uma história de amor tem um final feliz.

Folheto  de Manuel de Azevedo - Mané da Retreta
  Cordel do Lambe-Lambe -  16 estrofes/160 versos 
  Neste mundo de máquinas fotográficas que estão cada vez mais altamente sofisticadas nos aparelhos celulares, pouca gente sabe o que é ser fotografado por um Lambe-Lambe. O cordel acima verseja sobre isso. Um texto muito bom para que o professor possa trabalhar com seus alunos a história da fotografia e a profissão de fotógrafo.    Na terceira estrofe, o segundo verso está fora do lugar ( p.79).

     Meu sertão em poesia para sempre eu vou cantar -  15 estrofes/ 150 versos
  Os poetas nascidos no sertão nordestino trazem dentro de si um amor infinito pelo seu berço. Cantam sua terra, louvam com tal intensidade, é coisa presente no DNA. Manuel de Azevedo não foge desta regra. O universo do sertão é trazido minuciosamente para os versos deste poema. 
     Honra e glosa potiguar -  16 estrofes/160 versos
 Neste poema o poeta pinta a linda imagem do Rio Grande do Norte em versos que terminam com o mote "estandarte da cultura/ de um povo nordestinado"  Lembra nomes de homens e mulheres que escreveram a história. Registra artistas, danças, etc.

 


Chamo a atenção do leitor para o poema de abertura do livro. Nele, o  bardo Manuel de Azevedo optou em escrevê-lo usando estrofes  irregulares ao padrão do cordel brasileiro,  onde cada uma das 8 estrofes  tem 12 versos,  em  redondilha maior, e  terminam com o mote “Da minha infância querida, Lembrança que ainda guardo”


  “O misto” -  8 estrofes/96 versos



Misto era um mei ´de transporte,
Que de tudo carregava,
E que a gente viajava,
Com bicho de toda sorte,
Com gente de sul a norte,
Com pano, perfume, enfeite,
Com fruta, verdura e leite,
Rapadura era um fardo,
E até mulher de resguardo,
No carro da minha vida,
Da minha infância querida,
Lembrança que ainda guardo

  “O Misto” é um resgate da história dos meios de transporte usado em nossas rodagens, como bem escreveu o poeta.

Não encontrei nenhum respaldo em poemas  do cordel brasileiro que mostrasse esta prática. Não está  registrada este tipo de estrofe no  Dicionário Brasileiro de Literatura de Cordel. 

 Há também sextilhas  abertas e corridas:


Abertas ( rima xaxaxa)

O rastejador da Serra do Bico D'Arara  -  53 estrofes/318 versos
Câmara Cascudo em algumas Actas Diurnas faz referência a notáveis figuras do sertão do Rio Grande do Norte, que se destacavam pelo conhecimento das coisas da sua terra e os saberes dos seus ofícios.  Neste cordel, Benedito Caetano  é um dos homens que prestou serviços  na importante arte de rastejar. Uma história muito bem contada.

Cordel do Cavaco Chinês -  24 estrofes/ 144 versos
Quando o leitor tomar conhecimento  do texto  desse cordel, tenho em mente que ele vai sempre lembrar do que escreveu Manuel  Azevedo, todas as vezes que se deparar com um vendedor de Cavaco Chinês.

Tibé - a saga de um cão de rua -64 estrofes/384 versos
A cachorra Tibé bem que poderia ser  símbolo do movimento em defesa dos animais,  na capital potiguar. Cadela com fôlego de sete vidas como os gatos; vítima da maldade humana e abraçada pela caridade que supera a semente do  mal, Tibé tem sua história registrada . Um testemunho do próprio poeta que com ela conviveu  pelas ruas do bairro de Candelária.

   
 Balada Gregoriana – 32 estrofes/192 versos
A Musa Barroca atende ao apelo do poeta Manuel de Azevedo e o abraça sem reservas, inspirando-o a escrever um texto sobre Gregório de Matos, o tão conhecido "Boca do Inferno".


A menina enterrada viva – 24 estrofes/144 versos 
O poeta foi buscar o tema deste cordel em histórias contadas pelos nossos avós. Coisa que Câmara Cascudo registrou e cujo cardápio ainda possui muitas opções a serem degustadas. Na sexta estrofe, há uma rima repetida  “mel/mel/fel” (p.106)

 Corridas (rima aabccb)

O Rouxinol – 47 estrofes/282 versos
Uma fábula em forma de cordel. Do outro lado do mudo, a China, acontece  a  história. Uma lição que vai ensinar que as belas coisas da vida nem sempre são as riquezas materiais.


Sertão de seca e de inverno – 24 estrofes/144 versos
 O forte binômio : seca e chuva, que há séculos é presente na geografia do nordestino, modela seu espírito a ponto de fazer com que Euclides da Cunha afirme ser ele antes de tudo um forte. E na visão do poeta, o sertão é sempre manto que o envolve, seja na seca ou no inverno.Um poema que se fosse uma imagem  daria um lindo 3x4 .


E como não podia deixar de ter, existe um poema  em septilha (rima abcbddb)



Cordel do Fusca – 24 estrofes/168 versos.
Os amantes do fusca precisam conhecer este texto.  Um cordel que vai fundo às origens do carro mais conhecido no mundo, contando sua história e o amor que muitos tem por ele. 

Mané Beradeiro
30 setembro 2019

(continua amanhã  com a resenha do livro de Gilberto Cardoso)






quarta-feira, 25 de setembro de 2019

POR AMOR A NATAL



QUAL O CAMINHO QUE SAPELECO DEVE FAZER PARA CHEGAR A NATAL?

Quem disse que cordel para o público infantil tem que ser pequeno e com poucas estrofes?  "UM SONHO COM SAPELECO", o  primeiro folheto da saga de Sapeleco, protagonista da história, tem 32 estrofes. O professor pode ler em duas ou mais vezes.  Chegando o final da leitura com os seus pequeninos, que tal convidá-los a ajudar Sapeleco chegar até Natal? 
Pensando nisto, o poeta Mané Beradeiro está disponibilizando junto com cada folheto de cordel um labirinto, onde a criança pinta o trajeto certo que foi feito por Sapeleco.
Pedidos através do email: franciscomartinses@gmail.com ou pelo (084) 9.8719-4534. Preço R$ 3,00.
 

PAULO FREIRE É HOMENAGEADO HOJE NA CIDADE DE ANGICOS/RN

O Governo do Estado por meio da Secretaria de Estado, da Cultura, do Esporte e do Lazer - SEEC, em uma ação coordenada pela 8ª DIREC/Angicos, juntamente com UFERSA/Angicos, IFRN/Lajes, Prefeitura Municipal de Angicos e escolas estaduais e municipais, apresentam o Projeto Cante e Encante Paulo Freire em Linguagens no Angicos do Nordeste.

O objetivo é despertar nos alunos do Ensino Fundamental Médio e EJA do semiárido potiguar a curiosidade e o desenvolvimento dos círculos de cultura, que vivenciem as práticas em sala de aula das múltiplas linguagens, perspectiva da disseminação da vida, pensamento, princípios e concepções pedagógicas freirianas, contribuindo na ampliação do conhecimento dos educandos.

O evento que acontece hoje, 25 de setembro, em Angicos/RN, assinala 98 anos de nascimento de Paulo Freire, Patrono da educação brasileira. Às 19 h terá início a cerimônia, com apresentação da Filarmônica Itanildo Medeiros e depois o poeta Crispiniano Neto vai ler um cordel sobre a vida de Paulo Freire. A programação  continua ao longo da noite, quando a Governadora Fátima Bezerra  lançará o edital da logomarca do Centenário Paulo Freire (2021).


terça-feira, 24 de setembro de 2019

UM CORDEL SOBRE A INFÂNCIA DA CRIANÇA MAIS QUERIDA DO CRISTIANISMO

Quando o poeta dá asas à sua imaginação e deixa a pena correr  sobre o papel escrevendo letras que se abraçam em palavras, palavras que se unem  em versos e versos que formam estrofes, surge um poema. Desta vez, Mané Beradeiro ousou criar algumas cenas sobre a infância do menino mais conhecido no seio da cristandade: Jesus.  Brevemente o folheto estará pronto. É o primeiro que o poeta Mané Beradeiro faz através da Nordestina Editora (Bahia).

JESUS BEM PIXOTÔTINHO
QUANDO JÁ ENGATINHAVA
NO CHÃO DA HUMILDE CASA
SANTIDADE PRATICAVA
NADA DISTO TÁ NA BÍBLIA
POIS NINGUÉM NÃO ANOTAVA


FJA VAI LEVAR CORDELISTAS À FESTA DO BOI EM PARNAMIRIM

O poeta Mané Beradeiro participou na tarde de ontem, 23 de setembro, das 16 às 17:30 h, de uma importante reunião na Fundação José Augusto, que contou com a presença de vários poetas ordelistas. A reunião foi dirigida pelo Presidente da instituição, Joaquim Crispiniano Neto (que é também cordelista) e teve como pauta a participação dos poetas na Festa do Boi em Parnamirim e a criação da Câmera Setorial do Cordel. 

PROFESSOR TOMISLAV FARÁ PALESTRA SOBRE A HISTÓRIA DA LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS EM MOSSORÓ


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

XEXEU, O CORDELISTA DA MANGUEIRA


DISCURSO DE INAUGURAÇÃO DA CORDELTECA POETA XEXÉU – BIBLIOTECA DRIKA DUARTE – ESCOLA MUNICIPAL ANTONIO BASÍLIO – PARNAMIRIM/RN


Meus Senhores, minhas senhoras
Queridos alunos:

O nome do patrono  escolhido para a Cordelteca da Biblioteca Escolar Drika Duarte, aqui na Escola Municipal Antonio Basílio, é sem sombra de dúvidas um nome precioso do cordel brasileiro.

                        “...Sou Nordestino da gema
                        Do Rio Grande do Norte
                        Santo Antonio é minha terra
                        Poesia é meu esporte
                        Sem versar não tenho nada
                        Versando é que tenho sorte
                        (O Caboclo Sonhador – Xexéu)


João Gomes Sobrinho nasceu no Sítio Lajes, distrito, que fica distante três quilômetros da cidade de Santo Antonio/RN, no dia 13 de maio de 1938. Filho de agricultores. Seu pai se chamava Alísio Gomes de Carvalho e sua mãe Jesuína Gomes de Carvalho.  No ano de 1995  a Fundação José Augusto,  através dos pesquisadores Dácio Galvão, Severino Vicente e Gutenberg Costa, que andavam pelo interior do Rio Grande do Norte, mapeando a cultura popular,  encontraram-se com esse homem,  que morava no mesmo sítio onde nascera há 57 anos e que o povo o conhecia pelo nome de Poeta Xexéu.
                       
Naquele ano (1995), o Poeta Xexéu já tinha publicado vários folhetos de cordel, muitos dos quais se perderam em suas constantes mudanças. Andou muito  por este Brasil e sobre isso deu o seguinte depoimento ao pesquisador Gutenberg Costa:
“Sou um poeta popular, meio cigano e aventureiro inspirado,            que passa para o cordel, o modo de viver a sua vida, simples, humilde e cheia de poesia com o cantar dos pássaros e as sombras das árvores de meu sitiozinho” (COSTA, P. 235/ 236).
Se o Poeta Xexéu buscava a encarnação da poesia, na figura de uma mulher, podemos então compreender a razão pela qual teve tantas esposas e gerou muitos filhos. No dia 10 de maio deste ano eu fui prestigiar uma homenagem aos 81 anos do Poeta Xexéu, organizada pela Fundação Capitania das Artes/FUNCART, que teve como local o auditório do Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, no bairro da Ribeira, em Natal.  Foi lá que eu conheci o caçula do Poeta Xexéu, um menino com 13 anos de idade, por nome de Gentil Jenuíno Gomes. Quanto eu lhe perguntei quantos irmãos ele tinha, deu-me a resposta:
-São muitos!
-Mais de dez?
-Sim
-Mais de  quinze?
-Mais ou menos.
            O pequeno Gentil, o filho “Benjamim”, usando a metáfora bíblica, é o  último cântico físico escrito pelo Poeta Xexéu. Ele não sabe sequer a dimensão  artística e o valor cultural que representa seu pai para a história do cordel brasileiro. Mas nós sabemos e por isso inauguramos hoje 23 de setembro de 2019, a Cordelteca Poeta Xexéu.
            Qual a razão dele ter escolhido o nome de “Xexéu” para usar como pseudônimo de suas produções literárias?
            Xexéu é nome de ave canora, que possui um cântico lindo e tem a  capacidade de imitar outros pássaros. Ouvir um Xexéu é escutar uma melodia que com certeza nos faz sentir bem.
            João Gomes Sobrinho nos diz que “aos nove anos de idade ele começou a juntar plateia, cantando  muito bonito, por isso lhe deram o apelido de Xexéu”.

                        Eu fiz o primeiro mote
                        Aos nove anos de idade
                        Naquela mangueira rosa
                        Foi a minha academia
                        Nela aprendi poesia
                        Na maior tranquilidade
                        (Poeta Xexéu)
            O Poeta Xexéu  também foi um leitor. Leu Cassimiro de Abreu, Machado de Assis, Castro Alves, são alguns dos escritores citados por ele. Aprendeu a ler na Cartilha do ABC e aprimorou a leitura com os folhetos de cordel.  Produziu mais de 800 folhetos de cordéis, mas grande parte está perdida e é um desafio aos pesquisadores para resgatar tamanha preciosidade.
                                    Agradeço ao meu Deus por ter nascido
                                    Com o dom de poeta popular
                                    Consegui aprender sem estudar
                                    Sou discípulo da Suprema Faculdade
                                    Quando recito numa universidade
                                    Escuto o Reitor me aplaudir
                                    Só Deus tem o poder de construir
                                    Um poeta da minha qualidade
                                   (Poeta Xexéu)
             O poeta Gelson Pessoa, autor do folheto “Sendo Xexeu Dom Quixote – Seu Sancho Pança eu seria”,    que desde quando conheceu Xexéu, sempre esteve ao seu lado, daí receber a alcunha de Sancho pança,   diz que  além de ter sido um excelente poeta, teve também a capacidade de memorizar seus versos, uma qualidade que poucos poetas exercitam na arte de declamar.
           
            Optei em tematizar este discurso com o título:  XEXÉU,  O CORDELISTA DA MANGUEIRA, e quero agora explicar a razão.  Um dos seus folhetos mais belo: A Flor da Mangueira Rosa, escrito em estrofes de oito versos ( oitavas) narra  o lugar mais sagrado para o poeta, o seu berço, onde ele veio ao mundo, deu seus primeiros passos e também chorou a morte da sua mãe.  Ouçamos:

 Lajes meu berço querido
Abençoado torrão,
Que me deu inspiração,
Pra tudo quanto escrevi,
Agradeço o grande mestre,
Lá do céu ter me ensinado,
Fazer poema inspirado
Da terra onde nasci.

Quem vier nas Lajes vê,
A lagoa e o serrote,
Que eu fiz o primeiro mote,
Com nove anos de idade,
Naquela mangueira rosa,
Foi a minha academia,
Nela aprendi poesia,
Na maior tranquilidade

Aquela mangueira ali
Representa um drama infindo
O monumento mais lindo
Que neste solo se ergueu
Era no quintal da casa
Que eu brincava diário
Hoje demonstra o cenário
Onde o poeta nasceu

Foi nessa mangueira onde,
Andei meus primeiros passos
Quando saia dos braços,
De quem mais me deu carinho
A morte levou mamãe,
Pra onde quem vai não vem,
Fez eu chorar sem ninguém,
Na sombra dela sozinho.

 Foi ali que eu vi abelhas,
Fazendo festas nas flores,
Passarinhos cantadores,
Saudando o nascer do dia,
O sabiá modulando,
No verde céu  arvoredo,
Como quem conta um segredo,
Num quadro de poesia.

Papai cantava comigo,
Na sombra dessa mangueira
A moda da jardineira,
E outra que dizia assim:
Enquanto vida eu tiver,
Por mim serás relembrada,
Moreninha bem-amada,
Pra que fugiste de mim.

O romance da princesa
Do Reino da Pedra Fina,
O de Alonso e Marina
E da Cigana Feiticeira,
Mistérios dos três anéis,
E a Lâmpada de Aladim,
Papai cantava pra mim
Na sombra dessa mangueira.

Essa mangueira foi palco,
De amor e poesia,
Na sombra dele eu relia,
Cartas de frase amorosa,
Cantei igual um xexéu,
Na mata verde do sonho,
Agora choro tristonho,
Revendo a mangueira rosa.

 Foi o tempo esse malvado,
Quem destruiu meus amores,
Despetalou todas flores,
Do meu pé de amor perfeito,
Só não destruiu ainda,
pra minha felicidade,
esse jardim de saudade,
que tem plantado em meu peito!

E esta saudade infinita,
De quem jamais esqueci,
Faz eu declamar aqui,
Sentindo a brisa cheirosa,
Trazer o cheiro suave,
Das primaveras de outrora
Recordo beijando agora,
A Flor da Mangueira Rosa!
           
O Poeta Marciano Medeiros, em recente homenagem a Xexéu diz que ele tinha um riso discreto, gostava de andar pela feira de Santo Antonio, era sentimental e romântico por natureza, tendo a poesia como porta voz desta peculiaridade.
A obra deixada pelo poeta João Gomes Sobrinho – o Xexéu do cordel brasileiro vai continuar perpetuando a sua existência literária.   No dia 13 de maio de 2019 na cidade de Santo Antonio, através da Fundação José Augusto, foi realizada uma linda festa em comemoração aos 81 anos de João Gomes Sobrinho, com a presença de familiares, amigos, poetas e admiradores.
Àquele momento eu escrevi no dia 10 de maio:

Você um poeta de ouro
Homem de grande valor
Hoje celebrando a vida
Com este imenso esplendor
Quisera ter o seu canto
Xexéu - menestrel  do amor.

 Começou inda pequeno
No mundo do versejar
Já faz tempo meu poeta
Mas pode continuar
A mangueira que era rosa
Não cansa de lhe esperar.
 
E derramo a minh’alma
Em profunda gratidão
Por Deus ter feito você
Sem nenhuma abstenção
Nestes oitenta e um anos
De grande inspiração.

Receba Xexéu dourado
Do poeta Beradeiro
Estes versos atrevidos
A um coração arteiro.
Plante lá no seu roçado
Dará frutos por inteiro
(Mané Beradeiro)

João Gomes Sobrinho
 ...Sentia o peso da idade
E preso pela saudade
Numa gaiola se achava
Com versos de consolava
Tinha na arte o sustento ...”
(CARDOSO, P. 44)

 Com o fragmento desta décima escrita pelo poeta Gilberto Cardoso,  no seu poema  “Meu encontro com o Xexéu”,  eu quero  ultimar minhas palavras, dizendo que mesmo quando esteve hospitalizado, não deixou de poetizar.
Um dos seus filhos, Josenildo Gomes, diz que ao chegar ao hospital  para fazer visita ao pai e quando perguntou como ele estava, , dele ouviu a resposta:

Pra mim a coisa vai feia
De um lado é o cemitério
Do outro lado a cadeia
De um lado se come barro
Do outro se leva peia.

O Poeta Xexéu partiu  deste mundo no dia 29 de maio de 2019. Cabe a nós enquanto leitores não esquecê-lo. Que em cada coração haja a semente de uma mangueira rosa aguardando ser regada com a poesia de Xexéu.

Parnamirim-RN, 23 de setembro de 2019

 
Mané Beradeiro


Referências:
CARDOSO, Gilberto. Um maço de cordéis – lições de gente e de bichos. Natal/RN:  CJA Editora, 2019.
COSTA, Gutenberg. Dicionário de Poetas Cordelistas Rio Grande do Norte. Mossoró/RN: Editora Queima Bucha, 2004.
https://www.youtube.com/watch?v=ly0dDxnV_Fc (Visualizada em 20 setembro 2019)
https://youtu.be/woiSBgGjTg ( visualizado em 23 setembro 2019)
https://www.youtube.com/watch?v=xDOo3xb0rW4 ( Visualizado em 20 setembro 2019)