segunda-feira, 29 de junho de 2020

CICATRIZES

Já estamos no finalzinho do mês de junho de 2020,  e isso implica assegurar que  a metade do ano  passou. Que ano! Pandêmico, onde a morte tem trabalhado de forma acentuada. Ceifou milhares de vidas, a maioria pela famigerada doença da COVID-19.
Mas eu não quero dar publicidade à Dama Apocalíptica, que cavalga  tendo em uma das mãos a  foice insaciável.  Vou escrever sobre a vida e suas cicatrizes. Sim,  pois viver intensamente é colecionar cicatrizes.

Revelarei as minhas. Vou à infância e dela trago três que lembro quando as ganhei. A primeira eu já até escrevi sobre ela no meu livro "Crônicas Sensoriais",  ao escrever a 6ª Lembrança, na qual relato  assim:

        "Aqui começa uma das minhas experiências mais dolorosas, a primeira da minha vida.... Pensei que Mocotó iria me atacar, pisotear, chifrar. E a vaca vinha desengonçada, determinada ao meu encontro. Pus-me a correr em direção a minha minha casa. Vi que o pequeno portão do alpendre estava fechado, restava-me tão somente a cerca de arame farpado. Mocotó corria atrás de mim. o som do chocalho anunciava que ela estava ganhando terreno, eu passava os piores segundos da minha vida. Veloz, e com a adrenalina esvaziando por todos os poros passei por debaixo da cerca, rente ao chão e senti quando o arame farpado com aqueles cravos metálicos rasgou minha carne"

Com o tempo a cicatriz desapareceu. Algumas não ficam para sempre. A segunda, essa sim, permanece comigo, no antebraço direito, é um risco. Como o consegui?  Tia Benigna me presenteou com um boné que tinha duas abas. Na fazenda, numa manhã, estava eu andando com o boné e puxei  a aba até cobrir totalmente os olhos. Nada via e na minha imaginação fiquei andando como se estivesse bêbado, andei e para infelicidade minha, pensei em correr. Se para Drummond havia uma pedra no meio do caminho, no meu, acreditem, havia uma cerca de arame. Novamente uma cerca. Meu braço foi rasgado, sangrou e para não preocupar minha mãe, não fui em busca do socorro materno. Optei em ir lavar o corte  no rio. Tinha meus oito anos. Quarenta e oito anos se foram, mas ela está no meu corpo e teima em me lembrar que um dia eu comecei a encenar.

Fui crescendo e chegaram as cicatrizes da alma. Estas são as que mais doem. Não tenham a curiosidade de saber quais são as minhas. Deixo-as guardadas num baú, no mais íntimo do meu ser. E quando penso que não terei mais cicatrizes, a vida me sinaliza dizendo que ainda não acabou. Elas chegam sem pedir licença, sem dizer se você as quer ou não. O importante é ter a coragem de olhá-las e dizer: O Deus no qual eu creio, ensinou-me através do seu Filho, que cicatrizes são  crônicas escritas no corpo e na alma, na grande trajetória da vida, no caminho da Ressurreição.

Francisco Martins
29 de junho de 2020







Um comentário:

Edcleide Monteiro disse...

Cicatrizes, quem não as tem? É o caminho para a ressurreição.
Obrigada. Lindo post.