segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

A POÉTICA DE MADALENA CASTRO NO CORDEL BRASILEIRO

Eu não tinha lido nada de Madalena Castro, poetisa pernambucana, até que recentemente a descobri no livro “82 Anos  de Publicações Femininas na Literatura de Cordel”. Percebi que Madalena Castro é uma poetisa que prima pelo seu texto poético, não o deixa sair do ninho sem antes surgir a plumagem e ter ensaiado as primeiras notas do seu cântico. Só então, depois disso, Madalena Castro permite que seus poemas batam asas e ganhem o mundo.

 

Madalena Castro ( foto do Facebook da poeta)

Os poemas criados por Madalena Castro têm sempre algo a nos ensinar. É assim com a aventura vivida pelo jovem Ademar em um carnaval de Olinda, onde o leitor vai perceber que nem tudo que brilha é ouro.  E o rosário de Mané? (Que não é este que escreve) Um texto cheio de sofrimento e infidelidade, onde Madalena narra a história de um esposo traído e remoído, mas que tem a esperança plantada em seu coração. Um quadro cheio de imagens onde a arte imita a vida. Na linha da cidadania, a poetisa apresenta sua forma de pensar, no tocante a presença feminina, que luta muito mais do que os homens e enfrenta dificuldades gigantescas para ocupar seu espaço na sociedade. A poeta traz um eu lírico que sabe da sua importância histórica:

“Dia da mulher pra mim

Deverá ser todo dia

Pois se não fosse a mulher

Filho não existiria

Também, homem sem mulher ...

Não deve ter alegria”

E sente-se injustiçada pela ação dos homens que roubam, fazendo da corrupção o maior mal desta nação. Nesse pensamento, a poeta convida a todos a fazerem parte dessa luta:

“Com esta vassoura, eu varro

Da nossa linda nação

Os bandidos, mal feitores,

Gente de mau coração

No meu pensamento, eu varro

Do Brasil qualquer ladrão”

 Quando lemos “A discussão do freguês com o macaco e o louro”, onde humanos e bichos dominam a mesma linguagem, percebemos que muito mais do que gracejo, a autora deixa também a mensagem de ninguém deve ser explorado neste Brasil, nem mesmo os animais.

 

Ela conhece as estradas do cordel brasileiro e nessa trilha nos apresenta muito mais do que o constante existente nos folhetos (sextilhas e septilhas), dominando também o quadrão mineiro, como por exemplo,  “A peleja da Cobra Jararaca com o Jacaré”

                                                                Tenho Deus no coração

                                                               Sempre faço uma oração

                                                               Na hora da precisão

                                                               Quando encontro um forasteiro

                                                               Que quer me prejudicar

                                                               Com conversa, me enrolar

                                                               Querendo me derrubar

                                                               Cantando quadrão mineiro

O Quadrão Mineiro é escrito com estrofes de oito versos, com sete sílabas poéticas, onde os três primeiros versos rimas entre si, o quarto rima com o oitavo (devendo terminar em EIRO). O quinto verso rima com o sétimo.

 Quando adentra na construção de décimas, a poeta se junta com Ocione Soares (Joselândia-MA), que reside em Caucaia-CE e tendo como base o mote “Só me derruba quem por um sapo na minha frente”, Madalena e Ocione pelejam numa forma gostosa de ser lida, onde as estrofes trazem beleza e riqueza de imagens poéticas. 


  As pelejas são molduras  que ostentam as telas nas quais os  autores pintam as qualidades do eu lírico que fazem parte da pugna poética. Vejamos duas estrofes, respectivamente de Ocione e Madalena:

 “Faço bomba de argila

Pego cobra dou um nó

Eu já derrotei Popó

Amansei onça e gorila

Minha mente não vacila

Minha unha é um tridente

Um titular sem suplente

No verso seu professor

Só me derruba quem pôr

Um sapo na minha frente”.

 

“Sou igual um furacão

Da guerra sou o fuzil

Sou a praga no Brasil

Destruindo a plantação

Sou a seca do sertão

Que derrota toda enchente

Sou a bomba no oriente

Queimando o detonador

Só me derruba quem pôr

Um sapo na minha frente”.

Por fim, a poeta Madalena Castro também tem em sua bibliografia, o cordel “A história da boneca Abayomi”, no qual ela nos conta como surgiu essa boneca, nascida dentro dos navios negreiros e a sua importância  às crianças escravas. Vale a pena conhecer este folheto.

 “A Palavra Abayomi

É símbolo de tradição

De encontro precioso

A significação

Da negra, é resistência

E também afirmação”

A produção de Madalena Castro não se atém apenas a estes oito títulos apresentados aqui, isso é a ponta do queijo de coalho que eu consegui adquirir,  na verdade, a peça inteira vem com muito mais.  Conheça Madalena Castro, uma das grandes cordelistas brasileiras.

 Ultimo esta resenha lembrando aos leitores e poetas cordelistas, que o Cordel Brasileiro tem crescido bastante em todas as regiões do país. A prova disso é que recentemente foi publicado pela Nordestina Editora “O Dicionário Biobibliográfico dos Cordelistas Contemporâneos”, do qual Madalena Castro é verbete. Daí a importância do trabalho de um crítico literário, que tem a função de mostrar a produção poética que ora é feita pelos cordelistas. Nem sempre o crítico é compreendido, mas sigo em frente. Os anos vindouros dirão se o que escrevi valeu ou não. Por enquanto, sem medo de batráquios, sigo na árdua missão de horas ser agraciado por alguns e noutras ser chicoteado.

 

Mané Beradeiro

28 de dezembro de 2020

  

FONTES:

 

CASTRO, Madalena. O azar de Ademar no carnaval de Olinda.  S/L. Pantera Cordelaria, 2013.

_________________ A discussão do freguês com o macaco e o louro. 2ª Ed. S/L. Pantera Cordelaria, 2017

________________.  O corno e o soldado. S/L. Pantera Cordelaria, 2017.

 ________________.  A história da boneca Abayomi. Paulista/PE. Pantera Cordelaria, 2017.

 ________________ A Peleja da Cobra Jararaca com o Jacaré.  Paulista/PE. Pantera Cordelaria, 2019.

________________. A peleja da Cobra Jararaca com a Cobra de Cipó.  Paulista/PE. Pantera Cordelaria, 2019

________________. A Guerreira do dia-a-dia/ A Revolta da mulher da vassoura. Paulista/PE. Pantera Cordelaria, s/d.

 _________________. Só me derruba quem pôr um sapo na minha frente.  Fortaleza/CE. Edições Rimais,  setembro 2020. (Em parceria com Ocione Soares).

5 comentários:

Giselda Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Giselda Pereira disse...

Lendo o seu texto ,percebi que você teceu uma verdadeira argumentação ao trabalho da poetisa Madalena Castro, e quem ler o seu Blog , não conhecendo a poetisa ,sentirá uma curiosidade imensa de conhecer mais profundamente o trabalho dela. Além de excepcional escritora, ela é de uma humildade ímpar, sempre procurando transmitir a outras pessoas o seu aprendizado. Parabéns pelo belo trabalho !

franciscomartinsescritor disse...

Obrigado Giselda

Unknown disse...

Valeu Mané,
Trabalhos de tamanho significado literária como este, devem ser devem ser multiplicado, geometricamente e publicados na mesma intensidade.
Muito bom demais!

Unknown disse...

Agradeço ao ilustrar Mané Beradeiro pela excelente análise do meu trabalho!
Que Deus lhe dê a recompensa!