quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O CORDEL DE SAIA (OU NÃO) - MOSTRA A FORÇA DA MULHER QUE TRAZ À LUZ OS SEUS VERSOS

 


 Izabel Nascimento, poeta cordelista, escreveu na apresentação do livro que é objeto desta resenha, o seguinte: “honrar o passado é a maneira mais admirável de alicerçar o futuro”. Concordo plenamente com a poeta dos girassóis. E aproveitando essa assertiva, dela extraio para introdução da resenha duas palavras: honra e futuro.

HONRA A QUEM MERECE

82 anos de Publicações Femininas na Literatura de Cordel” é um dos mais recentes trabalhos publicados pela Cordelaria Castro, que tem sua sede em Petrolina – PE.  A edição  foi organizada por Graciele Castro, tem capa e ilustrações de Nireuda Longobardi e também  de Kelmara Castro e Regina Drozina, poetas das goivas. 

 A obra coletiva contou com a participação de 21 mulheres cordelistas, cujos nomes citarei adiante. Além da presença de Alzinete Alencar Pimentel, Alinete Pimentel  e Suely Pimentel. Tudo nesse livro foi feito com a presença feminina, nem mesmo o projeto gráfico da capa (Julie Oliveira), a diagramação (Graciele Castro) e a revisão (Isis da Penha) fugiram disso.

Toda essa equipe e o empenho dela teve como objetivo honrar  MARIA DAS NEVES BATISTA PIMENTEL,  a primeira mulher que escreveu  poemas no gênero de cordel, publicado em 1938.  Maria das Neves nasceu em João Pessoa-PB no dia 2 de agosto de 1913. Era filha de Francisco das Chagas Batista e Hugolina Nunes Batista. O fruto nunca cai longe da árvore, e Maria das Neves é a prova disso.

Maria das Neves

     Naquele tempo, todos os poetas cordelistas eram homens. Maria das Neves recorreu ao nome do esposo Altino Alagoano (Altino de Alencar Pimentel) para  poder imprimir o folheto e vender. O título dessa obra foi  “O Violino do Diabo ou o valor da honestidade” (uma releitura do livro “O Violino do diabo” de Victor Pérez Escrich).

 

Quem desejar se aprofundar no poema do cordel acima, convido o leitor a conhecer o excelente texto “Maria das Neves Batista Pimentel: a voz por trás do verso”, de Elanir França de Carvalho e Letícia Fernanda da Silva Oliveira. Vide endereço abaixo.

A bandeira erguida pela Cordelaria Castro é digna de honra e aplauso por todos aqueles que labutam e sabem o quanto é importante apregoar o cordel brasileiro.

CONSTRUINDO O FUTURO AGORA

Há outras coisas que devo escrever sobre o livro “82 anos de Publicações Femininas na Literatura de Cordel”. É a hora de apresentar minhas considerações como crítico literário.  Primeiro: gostaria de dizer que oito décadas guarda muitos acontecimentos referentes ao tema proposto. Senti falta de uma pesquisa mais profunda sobre outras mulheres. Segundo, não sei qual foi o critério usado pela editora para formar o ramalhete das 21 poetas, mas muita gente boa ficou de fora e  que  com certeza só viria a engrandecer a obra.

Terceiro: quando eu me proponho a escrever uma crítica sobre determinado livro ou coletânea, procuro ter respeito pelos participantes, mas, sobretudo pelo meu leitor. Li e volvi minha atenção aos poemas e suas autoras. Todas as 21 convidadas receberam a missão de tecer seu poema usando o mote: “Minha trajetória no cordel”, optando pela sextilha ou setilha. Quero chamar a atenção do leitor para uma observação que jugo importante: apenas a poeta Tânia Castro optou pela sextilha no estilo corrido (AABCCB), a maioria ficou mesmo na sextilha com estilo aberto (XAXAXA) e somente Cleusa Santos escreveu em setilha.

 Debrucei-me sobre os cordéis que elas produziram, andei entre as estrofes, conversei com os versos, sentei e escutei as rimas. Vi a beleza da oração, senti o ritmo dos poemas, e alguns estão carentes disso. Quando se trata se poesia, queremos o melhor, pois a poesia é a moldura da beleza.  Esse pensamento aplica-se também ao cordel brasileiro.

Quero mulheres escrevendo com qualidade, com segurança, com o exercício de lapidarem seus versos e apresenta-los como diamantes que são cobiçados. Isso não é um sonho utópico, é tangível. Aqui, nesta resenha temos o exemplo de Giselda Pereira, poeta de excelência, e outras que estão chegando neste nível.

Trouxe tudo anotado e apliquei na minha Tabela Beradeiriana, que com base nos dados de rimas certas, métricas corretas, oração e ritmo, consigo obter o Índice de Coeficiente Poético – ICP  dessas 21 mulheres. O resultado foi o seguinte:

1)   Alaíde Souza Costa – 87,9%

2)  Aurineide Alencar – 91,2%

3)  Bhetty Brazil – 62,4%

4)  Cleusa Santo – 99,2%

5)  Cris Moura – 92,2

6)  Dani Almeida – 98,9%

7)  Daniela Bento – 93,9%

8)  EdiMaria – 98,5%

9)  Elizângela Soares – 89,3%

10)       Giselda Pereira – 100%

11)         Graciele Castro – 81 %

12)       Isabel Maia – 89,5%

13)       Josenilda Dias – 79,9%

14)       Josy Silva –  73,5%

15)       Julie Oliveira – 95,2%

16)       Madalena Castro – 93,7%

17)       Negra Aurea – 97,7%

18)       Raimunda Frazão – 79%

19)       Tânia Castro – 93%

20)      Vana Miletto – 98,8

21)       Vânia Alves – 76,3%

 Quanto mais próximo de 100 estiver o ICP, mas competente é a poeta no que diz respeito aos itens avaliados.  As cordelistas que apresentam problemas de métricas e rimas, que são os  pilares mais problemáticos na construção de um cordel, deixo aqui o que escreveu a poeta Madalena Castro:

                                       “Fiz meus primeiros cordéis 

                                               Alguns desmetrificados,

                                               Mas com o tempo eles foram

                                               Todos eles revisados

                                               Já conto quase noventa

                                               De cordéis meus publicados”

                                               (CASTRO, 2020, p.44).

 Essa é a atitude que o cordel brasileiro espera que todos os cordelistas façam sempre. Burilar o poema é engrandecer o cordel. Reconhecer os erros é uma qualidade dos grandes poetas. Infelizmente eu já ouvi alguns dizerem: “não fico preocupado se a rima ou a métrica estão certas”. Que tipo de cordel esse poeta produz? Eu mesmo venho fazendo isso com os meus cordéis. Quantos erros eu cometi de métrica e rima! Se queremos um futuro para esse gênero literário, não podemos permitir que ele continue sendo impresso com erros gritantes que atingem a  base das suas regras.

Hoje, a maioria dos poetas cordelistas possui o ensino médio e há até doutores. Eis a razão de estarmos atentos a tal assunto.

As xilógrafas trouxeram suas imagens poéticas e enriqueceram a obra. Continuem escrevendo seus textos, extraindo da madeira as raspas que permitem surgir a beleza das cenas que nascem através das vossas mãos.

Por último, gostei do registro que o trabalho apresenta fazendo referência às mulheres violeiras.  Por tudo isso, está de parabéns a Cordelaria Castro.  O livro, ora resenhado, podia ter vindo bem melhor, mas o importante é que ele chegou e está circulando pelo Brasil, compondo as prateleiras da estante reservada à História do Cordel Brasileiro.

E se eu não fosse um crítico de cordel escreveria apenas:  O livro “82 anos de Publicações  Femininas na Literatura de Cordel”, uma obra coletiva, mostra-nos o quanto o cordel é importante para transformar vida. Lemos isso nos vários depoimentos, em formas de versos, que as 21 mulheres participantes escreveram. É uma prova tangível que a poesia funciona como terapia, tábua de salvação, além de ser uma ferramenta para  hastear a bandeira do feminismo e denunciar  pensamentos retrógrados. Viva as mulheres desse universo!

Se você leu até aqui, quero que saiba, parafraseando o poeta  Manoel Cavalcante: " ...a grandeza da poesia jamais vai ser exata...a poesia não é regra de três".  Mas um texto  como manda o figurino do cordel brasileiro é bem mais bonito, isso é.

 

Mané Beradeiro

Parnamirim-RN,  29 de novembro a 3 de dezembro de 2020.

 

 Fontes:

1)   https://www.paraibacriativa.com.br/artista/maria-das-neves-batista-pimentel/

 

2)  “Maria das Neves Batista Pimentel: a voz por trás do verso”, file:///C:/Users/Cliente/AppData/Local/Temp/716-Texto%20do%20artigo-1801-1-10-20170221.pdf

 

3)   Dicionário Brasileiro de Literatura de Cordel – ABLC. Rio de Janeiro, 2005.

 

10 comentários:

Valdeci Duarte disse...

Maravilha de resgate histórico 🙌

Unknown disse...

Fiquei maravilhada com esta resenha.
Parabéns Mané Baladeiro pelo excelente trabalho!

franciscomartinsescritor disse...

Lucineide Vieira a Tabela Beradeiriana (TB) se aplica a todos (homens e mulheres), se você ler outras resenhas que há aqui no blog verá que já fazia esse trabalho. A TB é um farol para que o próprio poeta consiga perceber em quais áreas ele deve focar sua atenção para aprimorar a arte de escrever cordel. Seja bem vinda! Obrigado pela visita.

Cristina disse...

Eu Cris Moura não me sinto menos poeta com a análise do senhor, sou poetisa de berço,força e personalidade, nasci no terreiro do repente.

Júlia Juazeira disse...

Que tipo de crítico é você que apaga o comentário das pessoas? Isso é censura. Você pode dizer o que acha e as pessoas não?
Você não foi respeitoso com as cordelistas participantes da obra. Se acha que a pesquisa foi rasa, fique a vontade pra fazer a sua e contribuir VERDADEIRAMENTE. Essa tabela não tem validade nenhuma. Quem você acha que é pra pontuar o trabalho das pessoas? Você diz que quer as mulheres escrevendo bem, pois já estamos fazendo isso, sempre fizemos! Mas como nosso poder incomoda o macho ele tem que dar seu jeito de diminuir pra se sentir melhor. Cuide das suas inseguranças e melhore o seu trabalho que você não vai precisar ficar descredibilizando o trabalho das pessoas.

franciscomartinsescritor disse...

Qual comentário eu apaguei?

Margarida Teles disse...

Achei ótima a resenha. Tenho lido todas que você escreveu sobre o cordel. Acho que até tem melhorado, pois em resenhas anteriores você chegou a expor os erros e nessa não mostrou. Parabéns!

Anônimo disse...

Francisco, eu li a resposta que deu à Lucineide Vieira mas não li o que ela escreveu. Foi você ou ela quem apagou?

franciscomartinsescritor disse...

Eu não apague, nem cheguei a ler.

Anônimo disse...

A pesquisa está incompleta, sou Cordelista Maria Ilza Bezerra, do Piauí e não fui contactada.