Mas
a casa de diversões mais importante deste bairro foi o “Café Magestic” que teve
vida quase centenário. Primeiro, com o nome de “Potiguarania”, nele se reuniam
os poetas, prosadores e intelectuais do fim do século passado para começo do
atual. Este Café já foi descrito pelos nossos historiadores. Depois surgiu o
Magestic no mesmo local do outro e ficava na esquina da rua Vigário Bartolomeu,
nº 549 com a rua Ulisses Caldas, nº 101. O prédio ainda é o mesmo, tendo
sofrido apenas modificações internas. Imóvel, baixo e feio, mas ao gosto da
época de sua construção. A única coisa interessante na sua arquitetura é a
coluna curva na esquina do prédio.
O
“Magestic” tem muitas estórias, nas diversas épocas de muitas gerações. Mas o
período mais vibrante, mais cheio de vida, onde a boêmia e o bom humor
dominavam o tradicional Café, foi, mais ou menos, entre os anos de 1919 a 1935.
Os fatos, as anedotas e as peças verificadas e planejadas ali dariam para
grosso volume, sendo que algumas não poderiam ser escritas tal a irreverência
do ocorrido, mesmo porque alguns autores já foram para o outro mundo.
Na
época acima citada, encantava o Magestic o respeitável grupo de poetas,
escritores, intelectuais e de bons bebedores e comedores: Jorge Fernandes,
Francisco Madureira, Baroncio Guerra, Valdomiro Dias, Pedro Lagreca, José
Laurindo, Teodorico Guilherme, João Carvalho Cruz, Américo Pinto, Eurico
Seabra, Francisco Pignataro, Lustosa Pita, Damasceno Bezerra, Luis Maranhão e
muitos outros. Todos amigos e “irmãos da opa”. Ninguém tinha o direito de ficar
aborrecido, por mais pesadas que fossem as brincadeiras.
Assim
é que o Francisco Madureira foi vítima de uma peça que quase o levou ao
cemitério. Madureira era baiano e, como tal, gabava-se de ser grande comedor de
pimenta. Foi-lhe armada uma cruel cilada. Adquiriram no Mercado, que ficava
próximo, um pacote de pimenta malagueta e mandaram preparar porco assado, camarão,
etc. À noite, quando Madureira chegou, formaram uma grande roda e a cerveja
jorrou sem parcimônia. Quando Madureira já estava com umas “200 libras”, veio
então a questão da Bahia e pimenta. Um da roda disse que Madureira era um falso
baiano, porque não comia pimenta como um baiano autêntico costuma fazê-lo e era
assim um baiano desmoralizado, o que foi aprovado por todos os outros.
Madureira protestou aos gritos e disse que iria provar como ele era baiano
legítimo. O homem, coitado, caiu na esparrela. Pediu pimenta e veio um prato
cheio. Começou então a devorar camarões e mastigando pimenta. Quando então
folgava um pouco, os amigos da onça diziam: “Só isso! Fulano de Tal, que não é
baiano, come muito mais”. E o infeliz Madureira comia mais pimenta e quando
parava um pouco vinha a mesma alegação. Pimenta, pimenta e pimenta. Com pouco
tempo, o homem, como se diz a gíria: “botou pra morrer”, sufocado, agoniado e
com os olhos querendo sair das órbitas. Foi então levado para sua casa e passou
vários dias muito doente. A turma teve, no Magestic, vibração por muitos dias.
De
outra feita, o imortal Jorge Fernandes estava tomando umas e outras quando
apareceu um homem vendendo, em uma gaiola, um galo-de-campina cantador. Jorge
chama o homem e pergunta quanto custava o concriz. O homem responde que o
pássaro não é concriz e sim um galo-de-campina. Jorge Fernandes retruca que o
bicho é um concriz e o vendedor reafirma que é um galo-de-campina. Ora, Jorge,
velho conhecedor de pássaros, sabia que o animal era realmente um galo-de-campina,
e então, convida o homem para sua mesa, e dá logo a ele uma grande “talagada”.
A conversa animou-se ainda mais quando Jorge recita aqueles versos
maravilhosos, inclusive o “Banho da Cabocla”. Quando o vendedor já estava “com
meio lastro” levantou-se para ir embora e então Jorge Fernandes disse: “Vá
amigo vender seu galo-de-campina”. Aí então o vendedor que havia recebido
tantas atenções e mais ainda encantado com a palestra de Jorge Fernandes,
disse: “Não, doutor. Agora é que reparo bem: o passarinho é mesmo um concriz”.
Outra
ocasião, também no Magestic, estava uma vasta roda de “comes e bebes”, quando
chega um homem, amigo da turma, que era dono de um barracão na antiga feira
externa do velho Mercado da Cidade Alta. O homem lamentava-se então do fiado,
que estava acabando com seu negócio. O poeta Jaime Wanderley, que nesta época
gostava de cerveja e já “meio triscado” disse: “O amigo precisa de colocar um
aviso em seu barracão para acabar com o fiado. Quer um aviso?”. O comerciante
então disse que aceitava com muito gosto. Jaime, então, tomou de um pedaço de
papelão e escreveu:
Pra
que não haja transtorno
Aqui
no meu barracão,
Só
vendo fiado a côrno,
Fela
da puta e ladrão.
O
homem colocou o aviso e o fiado acabou-se.
O
Café Magestic ficava em um ponto muito movimentado porque estava bem em frente
ao “Royal Cinema” e à noite o movimento era grande. Bem na esquina do Magestic
fazia ponto com sua carrocinha, o sorveteiro português “Seu Silva”, que ali
trabalhou por muitos e muitos anos, até a data do seu falecimento.
Nunca
Natal tomou um sorvete tão bom e exclusivamente de frutas, sem qualquer
complicação dos sorvetes hoje usados.
O
Magestic era também o “quartel general” da brigada de choque comandada pelo
jovem Renato Wanderley, hoje próspero homem de negócios residente na Guanabara.
Naquela
época, como se sabe, o transporte era quase que exclusivamente marítimo, e como
sempre havia navio no Pôrto, os passageiros saíam para conhecer a terra. Também
naquela época os passageiros, principalmente, os rapazes eram mal-educados e
quando chegavam em uma cidade pequena como a nossa era para esculhambar. Hoje
se diz: “bagunçar o coreto”. Natal, então, cidade pequena e pobre, era vítima
daqueles canalhas e até as moças sofriam pilhérias quase sempre grosseiras.
Chafurdavam toda a cidade. Bondes, cafés, jardins e cinemas. Renato que era
rapaz vivo, valente e, sobretudo, muito querente de Natal, resolveu tomar uma
providência, já que o policiamento era muito benevolente. Escolheu uma dúzia de
rapazes dispostos, deu instruções e esperou os acontecimentos. Assim, quando
havia vapor no Cais, principalmente à noite, Renato ficava na espera e
destacava uma pessoa para acompanhar de longe os viajantes, isto é, saber se
estavam ou não bem comportados. Quando, então, os mal-educados começavam a
esculhambação, o vigia corria para o Magestic e dava o alarme. Renato então
descia com a brigada de choque e o braço comia. Depois da refrega eram levados
para o Cais Tavares de Lira e obrigados a embarcar. Às vezes a luta era grossa
porque do outro lado também havia gente valente. Aí então a polícia aparecia e
dava uma mãozinha ao Renato. O fato é que, em pouco tempo, a notícia correu
mundo e os canalhas desapareceram. Renato prestou assim inestimáveis serviços a
Natal e à família natalense. Entretanto, Renato não recebeu nenhuma
condecoração. E há por aí tanta gente com medalha ao mérito sem nenhuma ação
prestada com o risco de suas ventas.
Observação: Crônica copiada do livro Natal que eu vi, de Lauro Pinto. Imprensa Universitária - Outubro 1971.
Observação: Crônica copiada do livro Natal que eu vi, de Lauro Pinto. Imprensa Universitária - Outubro 1971.