segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

CRÔNICAS DA GRATIDÃO - LEMBRANÇA I – A GARAGEM


Pede o meu coração para começar a escrever uma nova série de crônicas. Pede não, ordena, pois o coração é senhor na nossa existência. Já  escrevi “Crônicas Sensoriais” que tratam da minha infância, “Crônicas da Saudade” que registram meu tempo de seminarista e agora vou lembrar de pessoas que foram tão especiais em minha vida, vou chamar este conjunto de Crônicas da Gratidão.




Começo pelo casal Rivadávia Pereira  Pacheco e Idalina Correia Pacheco. Eles moravam na Rua Boa Ventura de Sá, Centro de Ceará-Mirim-RN. Por algum período os meus pais moraram em frente, eu era criança, tinha  meus nove anos. Ele já estava na casa dos sessenta e um anos e ela cinquenta e cinco. Eu percebi que quando eles saiam de carro e voltavam Dona Idalina sempre descia para abrir a garagem. Um dia eu tomei a iniciativa  de abrir, tão logo eles chegaram. Não esperei ela descer, corri, atravessei a rua e puxei o ferrolho que trancava o portão da garagem. Um gesto tão simples, que me rendeu um sorriso do casal.

Dali em diante eu sempre ficava alerta. Algumas semanas depois,  Doutor Rivadávia e Dona Idalina um dia chegaram com um presente para mim, um livro infantil, grande e colorido. Nossa,  como fiquei feliz! Agradeci e fui mostrar  a mamãe.

─ Por que eles lhe deram o livro?

─ Porque eu sempre abro o portão da garagem quando eles chegam.

─ Agradeceu?

─ Sim

Não sei dizer com exatidão qual foi a data e o dia que isso aconteceu, pois a minh’alma não teve a preocupação de registrar a efemeridade do tempo, guardou no entanto a essência do gesto daquele casal que se preocupou em presentear uma criança com um livro.  Isso eu nunca esqueci.

No dia seguinte, na escola, eu mostrei aos meus colegas o que tinha ganhado do Dr. Rivadávia e Dona Idalina.  Olhares diversos, várias mãos e muitas bocas viam, tocavam e perguntavam o que eu era deles.

Com um sorriso eu respondia:

─ Sou amigo!

Quanta prepotência minha, espalhar que era amigo de duas pessoas tão nobres e conhecidas na cidade. O certo é que tive o carinho deles. Recebi incentivo para ser leitor que mais tarde, bem mais tarde, aos quarenta anos chegava ao patamar de escritor. Não tenho nenhuma dúvida que eles contribuíram para isso.

 Dona Idalina viveu 74 anos (1918-1992), Doutor Rivadávia foi mais longevo, partiu 13 anos depois da sua esposa. Estava com 93 anos.
Ouso pensar que o fato de Dona Idalina ter partido antes do seu esposo teve um objetivo, ela ficou na porta do Céu aguardando a chegada dele. "Muitos anos esperando!" Pode pensar o leitor, mas do outro lado, na eternidade não existe tempo. E some-se a isto o fato de que o amor é a única virtude que consegue  nos acompanhar na passagem.
Hoje, a garagem da vida continua abrindo e fechando o portão da existência, tomara que haja  nestes lugares a presença de pessoas tão bondosas quanto o casal que eu tive a felicidade de conhecer. 


Francisco Martins – 22 de fevereiro de 2020.

Um comentário:

Unknown disse...

São pequenas atitudes como essa que fazem mudanças na vida das pessoas. Parabéns pela gratidão meu irmão.