sábado, 22 de fevereiro de 2020

UM HOMEM E SEU CARNAVAL




Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Sem olhos, sem boca,
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.
O pandeiro bate,
é dentro de mim
mas ninguém percebe.

Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos.
os dentes.
Impossível perdoá-las.

Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando,
peixes sulfúreos
ondas de éter,
curvas, curvas, curvas,
bandeiras de préstilos,
pneus silenciosos,
grandes abraços e muitos espaços
eternamente.

Carlos Drummond  de Andrade

Referência: 
Revista Leitura -  Rio de Janeiro - fevereiro 1958.

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