sábado, 21 de abril de 2018

AS CARTAS QUE IMAGINAMOS EXISTIR

O município de Parnamirim viveu na última semana uma realização marcante nas suas ações culturais, refiro-me  a comemoração da Semana do Livro e da Leitura, que foi bastante intensa, com atividades em todas as escolas da rede municipal, envolvendo alunos e professores do Ensino Fundamental I e II e da Educação de Jovens e Adultos-EJA. O ponto alto da semana foi o Circuito de Escritores, na quarta-feira, dia 18 de abril, onde no Parque Aluízio Alves, várias tendas deram abrigo às obras e seus autores que recebiam o público visitante.
Tive o privilégio de fazer parte deste seleto grupo de escritores e foi exatamente pensando na importância do evento, que vislumbrei enquanto leitor, os frutos deste trabalho  sendo colhidos e cada vez mais surgindo afluentes do projeto Parnamirim - um rio que flui para o mar da leitura. Creio firmemente que a educação é a única  maneira de sairmos  deste lamaçal em que vivemos, um país sem segurança,  sem saúde, sem valorização do homem em sua expressão máxima - de imagem e semelhança do Criador. E foi crendo no sucesso do  projeto Parnamirim - um rio que flui para o mar da leitura, que audaciei (permitam-me  transformar o substantivo em verbo) ver essa cidade um exemplo nacional e escrevi o texto abaixo:


 CARTA DE UM PAI NUM FUTURO QUE HOJE SONHAMOS

Parnamirim- 18 de abril de 2118

Querido filho,

É com alegria que hoje eu quero lembrar a você o centenário da I Semana Municipal do Livro e da Leitura, que aconteceu nesta cidade de Parnamirim. Eu não era nascido, mas meus pais me contaram o quanto foi emocionante aquela semana.
Mamãe tinha apenas sete anos e papai nove, ambos era estudantes da rede municipal. As escolas eram precárias de material, mas imensamente ricas de aconchego e criatividade por parte dos Mediadores de Leitura e alguns gestores.
Lembro ainda hoje que mamãe falou do dia 18 de abril como um acontecimento mágico, encantador, onde no que outrora era o Parque Aluizio Alves foi palco do Circuito de Escritores. Papai chegou a conhecer e abraçar Salizete Freire, viu Geraldo Tavares personificado de Monteiro Lobato; mamãe dançou ao som do violão de José Acaci, cirandou com Dorinha Timóteo, encantou-se com as declamações de Antonio Francisco. E ambos escutaram Francisco Martins, o Mané Beradeiro, a falar da construção dos seus livros e poemas.
Sabe filho, cem anos de história estamos relembrando e o tempo fez nessa cidade, ou melhor, os professores fizeram algo que muitos sequer chegaram a ver o fruto maduro, que é hoje a cidade ser reconhecida nacionalmente como a capital da leitura. Por tal razão, filho querido, peço-lhe encarecidamente que hoje ao visitar o monumento dos heróis da leitura, deponha aos pés daquelas estátuas de homens e mulheres uma coroa de flores em gratidão pelo que eles fizeram pela nossa cidade.
E não esqueça que entre aqueles homens e mulheres tem o suor e a vida daquela que devemos nossa existência, a minha bisavô Angélica Vitalino.
Vá filho, leve nossa gratidão, pois gratidão não se guarda.

Seu pai

***




Ao escrever o texto acima eu tive o desejo de ser grato a todos os Mediadores de Leitura que trabalham com este trio maravilhoso: Aracy Gomes, Geraldo Tavares e Angélica Vitalino dentro do projeto acima citado. Disponibilizo o texto no grupo do whatsapp do qual faço parte e quando pensava que o assunto ficaria na carta que criei, eis que sou tocado e choro com a resposta que Angélica Vitalino  escreveu, indo 200 anos antes da data da minha, mergulhando no dia 18 de abril de 1918 e assim se expressa:

 CARTA DE UMA AVÓ PARA O NETO QUE AINDA NÃO NASCEU

Parnamirim, 18 de abril de 1918

Querido neto, graça e paz!

Espero que, ao receberes estas poucas linhas, estejas gozando de saúde.
Quando nasceres, muitos tombarão mortos por um tostão qualquer e a terra será tomada de violência. Mas haverá alguns poucos que deixarão legados de bondade para outras gerações.
Aqui ouço Olavo Bilac, sob o som de morteiros da guerra, como a dizer de homens como estes que nascerão:
"Ah! quem nos dera que isto, como outrora inda nos comovesse!" Sim, ainda germinará gente que altera desejos, que adota filhos como seus, que agrada ao paladar, que acorda a memória, que coleciona chapéus e se apega a jabutis. Gente que comove gente só com o viver.
Os países avançarão e recuarão, mas haverá nascido poetas que doam livros, que visitam instituições e, mais, que sorriem para as crianças. É sem depender de "Semanas" instituídas.
Quando este homem nascer, cante pra ele em seu berço azul. Ele ajudará muitos a navegar rios. Alteie um sorriso pro menino, nunca dantes dado a alguém. Ele dará esperança em versos a meninos e meninas. Apresentará o nosso Deus sob a égide de fantoches e palhaços, com gargalhadas e livros pendurados em barbantes. 
Ele será revestido de criatividade e  phina estirpe, por isso nine de forma especial. E seu sobrenome terá variante de Martinus e ele se sacrificará como um guerreiro. Para acalmar, terá um frágil coração que o relembrará seus limites. Para a riqueza, terá amigos, muitos, Duas, em especial, por ele  zelará em oração, de perto ou de longe.
Escrevo esta missiva em nome do Rei e sob a luz do lampião. De próprio punho e letra, deixo registrado que a obra deste homem, que ainda nascerá, resistirá ao tempo.
Teu avô manda-te dizer que vá e mostre gratidão, pois gratidão não se guarda.

 ***

Que poderei dizer? Nada! Apenas receber as palavras e com elas me cobrir como quem se agasalha numa noite fria com a riqueza de um edredom.

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