terça-feira, 24 de abril de 2018

A NATAL QUE EU CONHECI ... LÊDA MARINHO


No dia 16 de julho de 1989, o jornal "O POTI" publicou a seguinte crônica escrita por Lêda Marinho ...
 
Nascer em Natal foi um prêmio do destino e nela viver, me deleitando com a sua beleza, uma dádiva dos deuses.

Natal criança, foi linda. Tinha tudo para crescer bela e bem sucedida.

Nas minhas evocações, vejo Natal da Praça Pio X, com o seu coreto em forma de avião e seus canteiros com “espirradeiras”, que compartilhavam e escondiam os namoros dos adolescentes.

Vejo Natal tão provinciana, inocente e poética, que as paixões se tornavam mais ternas e os namoros mais românticos. Esse romantismo se refletia na Praça da Jangada, na Praia de Areia Preta, onde os namorados tinham opção de desligar a luz do poste (existia interruptor) para melhor apreciarem a luz do luar. Esse luar enigmático e mágico que o natalense conhece bem, clareando mentes e desembaraçando pensamentos.

Vejo Natal da Ribeira, do teatro Carlos Gomes, do cais da Tavares de Lira onde eu embarcava nos barcos à vela, que deslizavam nas águas do rio Potengi, outrora límpidas e brilhantes como um espelho. As travessias para a Redinha tinham sabor de aventura e me transportavam a outro mundo. Lá, eu encontrava um grande gênio, o preto velho Cutruca, figura lendária, que na sua linguagem simples cantava: “Que cobra danada é a cascavé, ela mordeu no pé, é a cascavé”. No mágico rio Doce, eu me banhava e parecia sair purificada, mas nos atoleiros dos mangues minha imaginação só vislumbrava feiticeiras e duendes.

Nas missas do Convento Santo Antônio, eu aspirava o cheiro do incenso e me sentia levitando até o teto da Igreja, todo pintado de anjos e nuvens, dando impressão de um céu bem próximo.

Natal dos terços de Maio, na velha Catedral de calçadas largas, que serviam de confidentes e abrigo para os jovens apaixonados.

Natal do Grande Ponto com o seu famoso bar “O Botijinha” que não tinha portas por ser aberto noite e dia.

Natal da sorveteria Cruzeiro, do Restaurante Acapulco e da AABB, na Avenida Deodoro, que com sua quadra tão simples servia de ginásio para as competições esportivas.

Natal do Seminário São Pedro, onde os seminaristas ainda crianças arrastavam pesadas batinas negras, se comportando como verdadeiros padres. Eu os achava tristes, porém bonitos.

Natal do Colégio da Conceição, de moral rígida e rigorosa, onde durante treze anos fui sua aluna obediente, ingressando depois na Faculdade de Filosofia, onde o Dr. Edgar Barbosa foi meu mestre, conselheiro e amigo.

Natal dos tempos dos “banhos a vapor”, simples e artesanais na casa do sr. Teodósio, uma vez que, as academias com suas sofisticadas saunas eram privilégio das grandes cidades.

Natal dos passeios no bonde de Petrópolis, que me levava às balaustradas da rua Getúlio Vargas, de onde eu podia observar aquele mar imenso e lindo que acalentava os meus sonhos de menina-moça e adormecia minha tristeza. Tinha, também, o poder de guardar os meus segredos. Diante dele eu confessava minhas obsessões ocultas, meus erros, meus desejos clandestinos e como um bom amigo, ele cuidava das minhas escoriações emocionais. Natal sempre foi minha receita de vida melhor, constantemente despertando o meu otimismo, a minha energia, o meu humor e a minha confiança.

Natal das festas da Padroeira, na Praça André de Albuquerque, repleta de barracas cheias de prendas e sonhos que eram disputados num jogo de roleta.

Natal do namoro avançado com os norte-americanos, ficou com fama de exagerada e leviana. Mesmo assim, esse romance foi uma coisa positiva pois soltou mais os freios sociais e eliminou certos preconceitos, tornando-a mais irreverente e cativante.

Essa foi a Natal criança, companheira da minha infância, que me embalou nos seus braços infantis. Cidade colorida, costumava me presentear um arco-íris sobre as dunas e delas descia me envolvendo em sinfonias de vida, dissolvendo minhas crises existenciais. É difícil escapar ao fascínio de Natal que tão bem soube robustecer minha alegria e teve a medida exata para me abrigar com as minhas existências.

Hoje, olhando a minha cidade, me sinto afagada por seu abraço e experimento essas sensações tão fáceis de definir porque representam felicidade. Saboreando suas conquistas, desejo que o progresso não destrua a sua poesia natural, a sua paisagem e a sua canção. (LÊDA MARINHO VARELA DA COSTA é funcionária do tribunal Regional do Trabalho, na 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Natal). (Correspondência para o Setor de Pesquisa do Diário de natal/O Poti – Av. Rio Branco, 325 – Natal/RN).
29 anos depois Natal  está assim:

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