domingo, 20 de novembro de 2022

JUVENAL ANTUNES: O PSEUDO ATEU


         “Juvenal Antunes de Oliveira: O Resgate” é o mais recente livro do Doutor Armando Holanda.  O assunto Juvenal Antunes sempre me chama atenção. Gosto de saber sobre ele, talvez por causa da maneira que viveu, um liberto, que paradoxalmente esteve sempre preso ao amor de Laura.

O livro que Doutor Armando Holanda lançará nesta quarta-feira, dia 23 de novembro, é um poço do qual poderemos tirar muitas águas. Eu me aventuro a ser o primeiro,  e  ao jogar o balde  e trazê-lo à superfície, eis que na primeira água que chega  vem a afirmação:  “ ...somando um militar, duas intelectuais casadas e um Promotor de Justiça às voltas com a poesia, o jornalismo e a boemia, e que era assumidamente , ateu” (Página 44). Mais adiante, vamos encontrar:

Juvenal, embora oriundo de uma família     católica apostólica romana, batizado e crismado, adepto de missas, terços, preces, procissões, orações e cerimônias religiosas no geral, com um padre na família, a sua fé cristã não resistiu à vida profana e mundana das noites recifenses e optou por uma vida boêmia, de canas, amores noturnos, e voltou para o Rio Grande do Norte na condição de ateu e assim morreu” (p. 661).

 

Vamos segurar esse adjetivo “ateu”. Até que ponto é possível admitir que Juvenal Antunes não acreditava em Deus, como  sugere a essência do ateísmo? Numa carta de 1924, que ele escreve a Madalena Antunes (p. 103), lemos que recorda o zelo e até mesmo as orações ensinadas por ela, e é dele a expressão: “Por que me esqueci daquelas orações que tanto poderiam servir hoje de consolação?”. Tinha Juvenal 31 anos.

É bem provável que o poeta Juvenal Antunes se dizia ateu para fugir das suas responsabilidades como católico e assim, ter sua vida mais livre das normas e leis que tão fortemente eram propagadas pela Igreja. O ateu não traz em seu vocabulário o uso de expressões que carregam a energia divina, sejam eles referentes a Deus  ou a deuses. E Juvenal não tem isso extirpado da sua alma. Não é difícil encontrar em suas cartas as palavras evangelho, crucificação, benção, fé, anjo, canonização,  santo,  graça, etc. Todo um conjunto onde os elementos conduzem a uma crença, e neste caso, em Cristo.

Gosto muito de uma frase dita por Edgar Barbosa: “A faculdade de não crer, não é maior do que a faculdade de crer”.  Sabemos que a boca fala daquilo que o coração tem – é uma máxima presente Mateus 12:34. E  para provar que no coração de Juvenal Antunes havia a chama da fé, quente, eis que encontramos em seus poemas:

Olhos que a este meus olhos abençoam  e os meus pecados  mais mortais perdoam! ...

O Criador não tem mais o que caprichar

Depois que fez teus olhos do azeviche brilhar ( páginas 330 e 331).

 

         Até mesmo em seu mais conhecido poema “Elogio da Preguiça” (p. 333), Juvenal Antunes transparece a fé no mundo sobrenatural, ao citar a Bíblia:

                                               Está na Bíblia esta doutrina sã:

                                                      Não te importes com o dia de amanhã                        

         No “Elogio da Solidão” (p. 343), o poeta grava o nome de Deus:

Enfim, Deus te conserve idealista

 E te livre da seita sufragista”.

 

Faz apelo a Deus para puni-lo, no poema Carta à Lazarina (p. 354):

Tire, Deus, a inteligência, o senso, /Se te enganei, se estou mentindo/ Se te escrevendo, digo o que não penso.

                Veja o leitor que já possuímos bastantes provas para assegurar que Juvenal Antunes pode ter tido muitos adjetivos: mulherengo, boêmio, sátiro, preguiçoso ... mas de “ateu”?  Isso não passa de uma capa  que ele usou para escondê-lo das missas e novenas.

                 O poeta  acreditava na geografia celestial:

                                               “Quando eu me for deste engraçado globo,

                                               Transpondo a imensa e luminosa esfera,

                                               Quero achar-te no céu, em doce arroubo,

                                               Carinhosa e feliz, à minha espera. ( p. 361).

 

E em outro poema,  um ano antes da sua morte, ele escreveu “Laura! Santa e Imaculada” (p. 411):

                       

                        “ ... Santa Laura, bem amada,

                            Aos teus pés deposito minha vida,

                            Meus sonetos e cartas amorosas

                            Para, um dia entrar no céu!”

 

Salvo Juvenal Antunes do estigma de ateu. Ele creu e se de nós escondeu a fé, é simples assim:

                           

                            “Sim, Laura! Os poetas são bem esquisitos!

                            São compreendidos muito raramente...

                            Passam a vida assim como proscritos,

                            Mas, nenhum diz o que não sente!” (p.451)

 

Puxei o balde, servi a primeira água de um poço chamado “Resgate”, quem mais poderá aqui chegar e dele fazer uso? 

Por fim parabenizo o Doutor Armando Holanda por nos presentear com um livro tão denso  o quanto foi Juvenal Antunes.

 

Francisco Martins

18 de novembro de 2022           

        

 

 

                  

 

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