Sebastião Fernandes além de ter sido Professor, Promotor Público, Procurador-Geral do Estado, Juiz, Diretor de Estado, Secretário Geral do Estado, Desembargador do Supremo Tribunal de Justiça, foi também poeta, tendo lançado o livro “Alma Deserta”, aos 26 anos.
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de Recife, turma de 1902, Sebastião Fernandes estava de malas prontas para fazer carreira jurídica em São Paulo, onde contava com o apoio dos primos Gaspar e Tobias Monteiro, quando resolve atender o convite de Pedro Velho, Governador, e vai morar em Mossoró, exercendo a função de Promotor Público de Mossoró, assumindo o cargo em 1903, aos 23 anos de idade.
Em Mossoró permaneceu até o ano de 1907 onde colaborou bastante com a cultura local, conforme testemunham Câmara Cascudo e Raimundo Nonato, respectivamente em “Notas e Documentos para a História de Mossoró” e “Desembargador Sebastião Fernandes de Oliveira – o último fidalgo do Rio Grande do Norte”. Escrevi ese artigo como objetivo de apresentar ao leitor, um pouco da produção poética de Sebastião Fernandes, homem que viveu 61 anos.
Paulo Afonso Linhares, autor da plaqueta “Sebastião Fernandes: uma pluralidade inquieta” afirma que o poeta “faleceu placidamente no dia 29 de maio de 1941, em Natal. No seu último instante pediu a companhia da sua amada companheira de quase quatro décadas, D. Alice, a quem brindou com um derradeiro sorriso. Na morte, como na vida, Sebastião Fernandes manteve acesa a chama da paixão. Da paixão daqueles que, humanos, em nada estranham as coisas da humanidade, seguindo o pensamento vivo de Terencius, o grande poeta latino”.
Outra curiosidade sobre o dia da morte de Sebastião Fernandes, é contada pelo pesquisador e historiador Cláudio Augusto Pinto Galvão. Ei-la: “Algumas vezes disse que, se fosse homem de posses, contrataria uma grande orquestra para que, no momento de sua morte, tocasse a Ave-Maria de Gounod.
Na tarde daquele 29 de Maio a saúde de Sebastião Fernandes aos poucos se esvaía e às 18 horas precisamente, sua vida chegava ao final. Naquele momento, quando o sol se punha do outro lado do Potengi, tingindo de luzes o céu de crepúsculo, o rádio de seu vizinho à Rua São Tomé, sem saber o que se passava na casa ao lado, realizava a sua vontade, tocando a Ave-Maria de Gounod” (Galvão, 1994; p. 18).
Há quem diga, que no campo literário, Sebastião Fernandes teve maior projeção na arte poética, que no drama. A produção poética de Sebastião Fernandes começou aos 15 anos e o exercício o acompanhou ao longo da vida.
“As letras foram sempre o meu maior prazer”, escreve Sebastião Fernandes, aos seus filhos. Poeta Romântico e Parnasiano que não se contentava apenas com a inspiração, mas também com a palavra, argamassa do poema, que por sua vez não podia fugir à forma. De que tratou a pena poética de Sebastião Fernandes?
Ele escreveu sobre variados temas, abordando o civismo, o amor, cidades, morte, sofrimento, mulher, estações, amigos, etc. Há uma escalada de maturidade poética em seus poemas, como é de praxe a todos que começam cedo a escrever. “Fiz versos simples diletantes, como quase todo moço, no Brasil, o faz” (Galvão, 1994, p. 26), mas não ficou na planície da simplicidade. Gosto quando Sebastião Fernandes em seus poemas, faz o eu-lírico filosofar.
“Às vezes fico só, dentro da noite imensa:
Que silêncio imortal! – Homens que somos nós?!”
E neste mesmo poema, sem título, ele perguntava à solidão, como se a mesma não fosse um substantivo abstrato.
“Dá-me, se podes tu, essa resposta aziaga:
– Para aonde vai a luz, quando a chama se extingue?
– A alma para aonde é que vai, quando a vida se apaga” (Galvão, 1994, p.96)
Em um outro poema “Varredor de Rua”, o poeta observa, em plena noite de lua, o trabalho do varredor, silencioso, solitário e faz o eu-lírico externar:
“Ah, se eu pudesse, com essa mesma calma,
Varrer, oh! Varredor, o lixo e a lama
Dentre os castelos que erigi nesta alma”
Mesmo tendo a predominância do lírico em sua poesia, o poeta, em alguns casos, deixou transparecer o seu lado religioso, como em “Ato de Contrição”, escrito em 1936.
“Senhor, quanto me dói o mal que, porventura
possa eu fazer a alguém, possa eu fazer sofrer!
Não somos nós irmãos de toda criatura?
Uns aos outros, perdoar não é nosso dever?
…
Conceda-me, Senhor, em toda a minha vida,
o dom de perdoar toda ofensa sofrida
E essa graça eternal de ser justo e ser bom”.
Neste mesmo diapasão, o poeta escreveu a trova:
“Quando a morte (oh! desconsolo! Dos meus),
ceifar-me também,
Levo comigo um consolo:
Nunca fiz mal a ninguém”.
Embora saibamos que Sebastião Fernandes publicou em 1906, o seu livro “Alma Deserta” e também tenha publicado seus poemas em jornais da sua época, o que realmente podemos dispor sobre sua produção, e que está ao alcance da mão do leitor, é a pesquisa que foi feita, organizada e publicada por Cláudio Galvão, com o título: “Poesia Inédita:
O livro se tornou realidade em 1994, e foi lançado pela Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, evolução da Escola de Aprendizes Artífices, na qual Sebastião Fernandes foi Diretor.
São mais de 70 poesias colhidas pelo pesquisador. Um trabalho louvável, pois sem ele, quase nada teríamos em conjunto. O livro “Alma Deserta” é raríssimo. Procurei a versão física do livro e não a encontrei. Perguntei à bibliotecária do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, do qual Sebastião Fernandes foi fundador, se existia algum exemplar no acervo. Não tem! Mas, conseguiu a versão digital e mandou para mim. E graças a boa vontade de Kate Coutinho de Jesus, pude finalmente ler “Alma Deserta”.
O prefácio foi escrito por Mathias Maciel Filho, em 11 de março de 1906. Apresenta o livro, não como crítico, mas como amigo do autor e não poupa elogios à obra. Os poemas foram escritos entre os anos de 1898 a 1906, ora em Natal, Recife e Mossoró.
O então jovem poeta, colocava sua pena a serviço da saudade, dos amigos, dos amores partidos, da fé e tantos outros temas. Nesse livro, Sebastião Fernandes escreveu três poemas que tratam sobre sua genitora. São eles: “Santa”, “A minha mãe”, “Carta à minha mãe”.
Deixo ao leitor a tarefa de ler “Alma Deserta”, vide link abaixo, e, assim como fez Mathias Maciel e tantos outros leitores daquele distante ano de 1906 e seguintes, possa você também degustar da cultura poética de Sebastião Fernandes.
Depois que li “Alma Deserta”, pus a mão no arado e comecei a capinar no vasto campo da internet e também consegui encontrar outros poemas, não citados por Claudio Galvão. São eles:
1) “Independência ou Morte” - 1897, Jornal “O Irís”
2) “Ave, Libertas” - LINHARES, 1988
3) “Artística”, Recife-PE, 1900 - publicada na Revista “A Tribuna do Congresso Literário” - Natal-RN, edição 31-8-1900
4) “Dia de Núpcias” - Idem, edição 31-1-1901
5) “Vem…” - Natal-1901 - Revista “A Tribuna do Congresso Literário”, ano 1901, edição não identificada
6) “Sonho Azul” - Idem, ano 1901, S. edição não identificada.
Importa dizer que a Revista “A Tribuna do Congresso Literário”, circulou no Rio Grande do Norte, quinzenalmente, tendo como colaboradores : Antonio Marinho, Ezequiel Wanderley, Francisco Palma, Henrique Castriciano, Manoel Dantas, Ovídio Fernandes, Pedro Soares, etc.
A Revista circulou pelo Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Ceará, Pará, Amazonas e pelas principais cidades do Rio Grande do Norte.
Assim foi o poeta Sebastião Fernandes, homem de pluralidade e amante da arte poética. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, da Academia Norte-rio-grandense de Letras e patrono de uma cadeira na Academia Mossoroense de Letras e patrono da Biblioteca do Campus Central do IFRN, em Natal.
Francisco Martins.
30 de janeiro de 2025
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FONTES:
LINHARES. Paulo Afonso. “Sebastião Fernandes: uma pluralidade inquieta”. Academia Mossoroense de Letras. Coleção Mossoroense - Série B - nº 553- 1988.
GALVÃO. Claudio. “Poesia Inédita”. Natal -RN- 1994.
FERNANDES. Sebastião. “Alma Deserta”. Mossoró - RN - 1906.
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