segunda-feira, 18 de outubro de 2021

COMENTANDO MINHAS LEITURAS: PUSSANGA - MOLDURA DO BRASIL AMAZÔNICO

 "Pussanga" é o título de um dos livros de Peregrino Jr, escritor potiguar, que foi membro e Presidente da Academia Brasileira de Letras-ABL e da Academia Norte-rio-grandense de Letras, além de outras instituições. As histórias de "Pussanga" são lendas, superstições, costumes, ofícios laborais do homem que vivia  na Amazônia, no segundo decênio do  século XX.

Peregrino Jr

O livro foi premiado em 1929 pela ABL e recebeu tradução para vários idiomas. "Pussanga" é sinônimo de medicamento caseiro, conforme vemos no conto de abertura Garrafada Indígena: "nessa pussanga, tem infusão de muyrakitan".

Escrevo sobre livros antigos porque muitos leitores sequer sabem da existência deles. E é sempre bom lembrar que livro novo é todo aquele que ainda não foi lido. Em "Pussanga, Peregrino Jr nos leva a Belém (PA) onde vamos encontrar José Caruana e Vicente Dória, numa tentativa de sociedade comercial. Isso no primeiro conto já citado acima. Na sequência, em Areia Gulosa temos Antonio e Josino, o primeiro, nordestino de Catolé do Rocha (PB), o outro de Óbidos (PA). O conto tem como local a fazenda "Boa Esperança", do Coronel Zé Júlio. Ali veremos a força do trabalho e a ingratidão de uma mulher, bem como a prática da entrega de terra para cultivo em troca de uma percentagem (10%) ao proprietário.

Quando o leitor correr os olhos pelo conto "Carimbó" vai encontrar o nonagenário Zé Vicente, escravo que sabe muito sobre a presença do negro no Amazonas. Através dele conheceremos o Quilombo de Trombetas e a sua organização política, econômica e cultural.  " No ritmo do Carimbó dançando a dança negra os negros velhos recordam as senzalas tristes".

Geralmente os escritores têm uma história dedicada à beleza da mulher. Peregrino Jr não fugiu a  regra e deu formosura e curvas a "Feitiço", o nome pelo qual era conhecida a linda criada do Coronel  Rodopiano. A cabocla descrita por Peregrino Jr é sem sombra de dúvida o protótipo literário do que mais tarde iremos conhecer em "Dona Flor", personagem de Jorge Amado. "Tinha bom cheiro de carne morena, mas nela havia também a maldição". Qual seria essa maldição? Vale a pena conhecer Feitiço, um conto que mostra a saga de uma jovem mulher, lutando pela vida, numa rota de sobrevivência que se passa entre Belém(PA) até o Rio de Janeiro.

No centro do livro temos o conto "O Putirum dos Espectros"  no qual o autor vai mostrar a forma de sobrevivência de uma família pobre, através da prática da barganha. No sexto conto "O Sobejo da Cobra Grande" temos um jogo de ciúmes entre Leôncio e Luizinha, adolescentes. Ele capaz de realizar grandes gestos de coragem por amor a ela.

"Recordações da Madeira- Marmoré" é o único texto nesse livro, no qual a narrativa está na primeira pessoa. Pode ser um conto, mas há traços de ser uma crônica. O autor relata sua estada de três meses em Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia.

No oitavo conto, o leitor mais uma vez terá um encontro com a cultura machista que imperava naquela região, fazendo da mulher um mero instrumento, um objeto de prazer. "Ladrão de mulheres" trata disso e muito mais. Já no "O Espritado" a temática é a crença de que não se deve fazer esforço laboral nos dias grandes da Semana Santa. Zeferino foi caçar e  "ficou possuído de uma mau espírito! Sabe como é? Espritado, patrão".

E a viagem vai terminar no décimo conto "A Fogueira de Guajará". Nele tudo acontece num ambiente de festa junina, em Guajará, reinado do Coronel Antonio Gomes, rico e solteirão que tem como filosofia: " Não se deve fazer a vida pior do que ela é". Que pode uma curiboca fazer na vida de um cinquentão? Deixarei para o leitor buscar a resposta.

E assim fica resenhado "Pussanga", livro de Peregrino Jr, lançado em 1929 quando ele tinha 31 anos. A segunda edição veio em 1945 e a terceira em 1948. Peregrino Jr nasceu em Natal no dia 12 de março de 1898 e faleceu aos 85 anos, no dia 23 de outubro de 1983.

Francisco Martins
18 outubro 2021





Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente, amigo. Ótima resenha. - Gilberto Cardoso dos Santos