terça-feira, 30 de setembro de 2025

A TRISTE ENCENAÇÃO

 



Há uma cicatriz em meu braço direito, que foi adquirida na infância, provavelmente quando eu estava com dez anos. Se estiver certo disso, ela anda comigo há exatos cinquenta e um anos. Como foi que ganhei essa cicatriz? Bem, ela veio como fruto de uma triste encenação teatral. Vou explicar.

Era o período de férias, estava na fazenda Santa Maria, no interior de Ceará-Mirim-RN. Tia Benigna tinha me dado um boné de duas abas, ainda lembro as cores, amarelo e azul. Fiquei andando com o meu boné naqueles caminhos estreitos, com pouco mais de metro e meio de largura, tendo cercas de arame farpados nos dois lados.

Não sei porque eu resolvo imitar um cego. Puxei o boné para cima dos olhos e sem ter uma vara para me guiar, comecei a andar. Até fechei os olhos, queria realmente saber o que sentia um cego. E lá estava eu, dando meus passos curtos e de repente aumentei a velocidade, estava vivendo o meu momento de cego. Pensei: "cego corre" e foi aí que o pior me aconteceu. Quando saia em disparada, olhos fechados, sinto que meu braço foi rasgado pelo arame farpado.

Foi uma dor quente, e ao levantar o boné eu vi os cravos do arame dentro da minha carne e o sangue começou a sair.

Nem pensar ir para casa e pedir a mamãe para cuidar do corte. Temia receber como pagamento da minha encenação de cego, uma boa surra. Se havia algo lá em casa que estava sempre sobrando, era a punição através da surra, e quem mais consumia era eu.

Decidi tratar sozinho daquele sangramento. Corri até o rio, onde a água cristalina era abundante. Lavei, mas nada do sangue estancar. Pressionei e não adiantou. Foi então que tive a ideia de pegar areia do fundo do rio, bem alvinha, e jogar na abertura do corte. Funcionou como argamassa. Fiquei deitado, com o braço exposto ao sol, secando aquele procedimento.

Duas horas depois do ocorrido, já se aproximava o momento do almoço, fui até uma bananeira, cortei uma folha e a seiva foi aplicada em cima da argamassa.

Mamãe só percebeu no final do dia e ao perguntar o que era aquilo, respondi: "Foi um aranhão que a cerca fez em meu braço, mas nem doeu".

E a marca permanece. Valorize as suas cicatrizes, elas são troféus de vitórias.


Francisco Martins

30-09-2025

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