terça-feira, 10 de dezembro de 2024

COMENTANDO MINHAS LEITURAS: "OS TAMBORES DE SÃO LUÍS", DE JOSUÉ MONTELLO

 OS TAMBORES DE SÃO LUÍS”  continuam a rufar, 50 anos depois, conclamando leitores ávidos em conhecerem a saga de Damião.

 

Capa da 1ª edição


"Cada terra com seu uso, cada roca com o seu fuso

"

O escritor Josué Montello (1917-2006) escreveu mais de uma centena de romances, é o maior romancista do Maranhão, quer seja em produção literária e também em qualidade. Seus livros são dignos de aplausos.

Este ano, precisamente no dia 24 de dezembro, o romance “Os Tambores de São Luís” completa 50 anos que foi escrito. Josué Montello o escreveu primeiramente usando um caderno pautado, durante um ano, e depois, datilografando, que durou também outros doze meses. Durante essa etapa, o autor revia seu texto e sempre que achava necessário, refundia os capítulos. Desde sempre teve a preocupação com o bom texto.

Concluído em 1974, o texto ganhou corpo de livro somente no ano seguinte, quando em 19 de março de 1975, ele assinou o contrato de edição com a José Olympio Editora. Foram testemunhas Nelson de Melo e Carlos Drummond.

A literatura brasileira pode principiar a festa das bodas de ouro do livro “Os Tambores de São Luís”, 50 anos depois ele continua sendo um importante instrumento literário em prol da história que se constrói sobre a consciência negra.

Vamos celebrar a gestação desse clássico, cujo nascimento aconteceu em 3 de novembro de 1975, data em que Josué Montello teve em suas mãos, no escritório da José Olympio Editora, o primeiro exemplar do livro.

Para escrever esse romance, Josué Montello fez várias pesquisas, buscando “subsídios preciosos à hora da recomposição de ambientes de outrora”, principalmente em almanaques.

São 486 personagens no romance, que permanece inexcedível, quando o tema é escravidão, consciência negra. Foram mais de 20 anos de pesquisa. "Os Tambores de São Luís" tentam recompor três séculos de lutas da raça negra, que no corpo do texto , acontece numa caminhada do protagonista, Damião, que tem início às 22 horas do ano 1915 e vai terminar no dia seguinte, às 9 horas,  entre dois pontos da cidade de São Luís do Maranhão.

Não quero escrever uma resenha do que acontece com Damião.  Prefiro açaimar sobre isso e deixar que o leitor tenha a curiosidade de buscar o livro e sentir , ele próprio, como a escrita de Josué Montello é rútila.

As páginas desse romance  nos prende. Há nelas todo um cenário histórico, que tem o poder de levar o leitor para dentro do enredo e ter a sensação de que também caminha ao lado de Damião, sem ser percebido, mas tão perto dele, que escuta suas narrativas. Dentro dessas narrativas existem fatos históricos da sociedade do Maranhão. Um desses é sobre Ana Amélia Ferreira Vale. No diálogo que tem o Dr. Olímpio Machado com Dom Manuel ( páginas 112 e 113) lemos:

"O nosso Gonçalves Dias, amigo íntimo do Dr. Teófilo Leal, apaixonou-se por uma cunhada deste, a Ana Amélia, e a pediu em casamento à Dona Lourença Vale, mãe da moça e que Vossa Reverendíssima também conhece. O Gonçalves Dias não é um homem qualquer – é o maior poeta do Brasil e amigo pessoal do Imperador. O Maranhão não tem glória mais alta. Pois nada disso teve o menor significado para a nossa Dona Lourença, diante deste fato, de que o Gonçalves Dias não tem culpa: – ser ele mestiço e filho bastardo. E respondeu ao poeta, numa carta seca, com um não redondo. Não dava a filha a um mestiço. Mas a verdade é que o Gonçalves Dias, se quisesse, podia vir a São Luís, e levar a Ana Amélia, que estava disposta a fugir com ele. E não foi isso que fez. Humilhado, guardou a mágoa. E ao chegar ao Rio, casou numa das mais importantes famílias da Corte. A Ana Amélia, coitada, não perdoou a família. E quando o Domingo Porto, que é também bastardo e mestiço, lhe arrastou a asa, não hesitou em casar com ele, amparada pela Justiça. Vossa Reverendíssima já sabe que o casamento dela, aqui em São Luís, foi um deus-nos-acuda. Parecia que o mundo estava vindo abaixo. As amigas de Dona Lourença passaram a andar de preto, solidárias com o luto fechado da família Vale. O pai da Ana Amélia, instigado por Dona Lourença, foi ao cartório do Raimundo Belo e deserdou a filha, sob a alegação de que a moça tinha casado com o neto da negra Eméria, antiga escrava do coronel Antônio Furtado de Mendonça.

O Dr. Olímpio Machado estava agora debruçado sobre a cadeira, com os antebraços apoiados na madeira do espaldar. E procurando os olhos de Dom Manuel, depois de uma pausa:

– Vossa Reverendíssima já sabia desse fato? Asseguro-lhe que é absolutamente verdadeiro. O Domingos Vale deserdou a filha, por escritura pública, apenas porque o genro, Vice-Presidente da Província e Comandante da Guarda Nacional, é neto de uma escrava! Coisas deste nosso Maranhão, Senhor Dom Manuel da Silveira! Coisas deste nosso Maranhão!

E endireitando o busto, após outra pausa:

– Vossa Reverendíssima pensa que a família Vale se deu por satisfeita? De modo algum. Fez mais. Decidiu levar o Domingos Porto à ruína, na sua casa de comércio. De um dia para o outro, o Porto se viu com todos os seus créditos cortados. Ninguém quis mais negociar com ele. O resultado foi a falência, e o pobre do Porto obrigado a sair do Maranhão às pressas, para não cair nas unhas de seus perseguidores! Um horror, Senhor Bispo! Um verdadeiro horror! Eu, como Presidente da Província, nada pude fazer para ampará-lo. Só encontrei negativas. Era a cidade inteira contra um homem. E tudo por quê? Porque o Domingos Porto, que é um homem de primeira ordem, culto, educado, finíssimo, tem a desgraça de ser neto de uma escrava! Que é que Vossa Reverendíssima me diz a isto, Senhor Dom Manuel? Em que século estamos? E que terra é esta?"

É um livro e tanto. Mas adiante, o leitor vai se deparar com outro fato histórico, onde a personagem central é Dona  Ana Rosa Viana Ribeiro, que vai a julgamento por ser culpada pela morte de escravos menores.  

É preciso lembrar a advertência do autor: " Embora o romance se coloque, não no plano do documento, mas no da criação, poder-se-á estabelecer a concordância das duas vertentes, desde que ambas se confundam na harmonia da realidade romanesca".

Um romance que vai com certeza entrar na lista dos melhores livros já lidos. Na minha já faz parte, e eu, que nunca pensei em visitar o Maranhão, graças a esse livro, começo a ter o desejo de ir a São Luís e sentir o ambiente da história contada.

Não pense o leitor que é o livro é uma obra regional, não! Ele excede os limites do Maranhão e a sua mensagem atinge todo o Brasil Um clássico da nossa literatura. A data escolhida para o lançamento foi 9.12.1975, na própria loja da editora, no Rio de Janeiro, de onde ele partiu para o mundo.


Francisco Martins

10 de dezembro de 2024


Fontes consultadas

Jornal do Brasil - edição de 31-12-1979 artigo “Receita para os anos 80” - Josué Montello

___________ edição de 8-9-1987 artigo “Centenário da Abolição” - Josué Montello.

Diário do Entardecer - 1967 - 1977. Editora Nova Aguilar, 1998- 1ª edição


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