Por Geraldo S. Queiroz
Retiro dos arquivos um exemplar do jornal O VALE, presenteado pelo amigo JOSÉ LUIZ DA SILVA, já perto de completar 40 anos.
Neste número, de agosto de 1979, chama a atenção uma matéria sobre o
poeta assuense RENATO CALDAS – O POETA BOÊMIO, assinada pela escritora
MARIA EUGÊNIA MONTENEGRO, vinda das Minas Gerais e que prestou grandes
serviços à região do Vale do Açu e ao Rio Grande do Norte.
Partilho
com os amigos o achado, desvelando memórias que considero significativas
para conhecimento de todos aqueles que se interessam pela cultura
popular.Certamente, outros achados virão embalados nesta rede de
comunicação.
RENATO CALDAS - O POETA BOÊMIO
Renato Caldas está para o Assu assim como D. Pedro I está na tela de Pedro Américo, a marcar uma época.
Renato Caldas, como autêntico poeta-boêmio, emoldura de folclore as ruas do Assu.
Seu livro FULÔ DO MATO é folclore. Seus poemas são vivência, gente,
costume, sentimento, vida. Seus versos são ricos em imagens as mais
belas e do gosto popular, encantando a leigos e eruditos, pela
espontaneidade, humor e malícia. Vejamos a abertura do seu livro:
“Sá dona vossa mecê
é a fulô mais cheirosa
a fulô mais prefumosa
qui o meu sertão já botô!
Podem fazê um cardume
de tudo qui fô prefume
de tudo qui fô fulo
qui nem um, nem uma só
Tem o cheiro do suó
qui seu corpinho suô.
Tem cheiro de madrugada,
fartura de areia muiada
qui uruvaio inxambriô.
É cheiro bom, deferente,
qui a gente sintindo, sente
de outra coisa o fedô”.
É figura imprescindível nas reuniões sociais, com seus repentes e graça
matuta, conhecido em todo o Brasil. Amigo de Sílvio Caldas, Noel Rosa e
dos grandes artistas da velha guarda. Muitas vezes fez versos para
grandes músicos, não dando valor ao dinheiro, ficando assim na
obscuridade. Longe da terra, não podia esquecer o Assu, voltando mais
rico em vivências, em rimas, em humor.
Certa vez, estando há
longo tempo no Rio de Janeiro, sua esposa enciumada, sentindo a falta do
marido boêmio, passou-lhe, de Assu, o telegrama: “Renato, se estiveres
na Casa de Noca lembra-te que ainda existo”. Recebeu a resposta: “Renato
segue dia 20. Abraços. Noca”.
Passando pelas ruas do Assu,
Renato Caldas faz folclore, no andar compassado, no trajar simples de
sertanejo, a fumar o seu imprescindível cigarro de palha ou cachimbo,
que nunca trocou pelos modernos Minister ou Hollywood.
Senta-se à
calçada dos amigos, sempre com repertório novo de irreverentes anedotas
e dá um show de humorismo. Gosta de umas e outras, fase em que entra
num período perigoso de malícia, com muita pimenta nos casos que conta,
nos versos que diz.
É um grande repentista. Certa vez foi a um
baile “dançar umas valsas”, na expressão popular. Animado, alto,
abraçava efusivamente a dama, apertando-a cada vez mais, a ponto da
jovem reclamar: “Olha, seu Renato, eu sou uma moça”. Malicioso,
respondeu: “Porque quer”.
De uma de suas idas a Natal levava,
certa vez, umas nambus e avoetes, já torradinhas e cheirosas, para
comer, quando chegasse numa pensão à margem da estrada, sua pensão
preferida. Ali chegando, pediu a copeira – a Chiquinha – que lhe
trouxesse arroz, farinha, pratos e talheres. Depois de saborear o
gostoso petisco, fechou a lata que trazia as avoetes e seguiu viagem. Ao
chegar em Natal, viu que, no meio da farofa, ficara uma colher. De
volta ao Assu, passando pela pensão, cheio de mesuras, entrega a
Chiquinha um bilhete, que dizia:
Estou de volta, Chiquinha
Pra trazer sua colher
De coisa que não é minha
Eu só aceito mulher.
É também grande trovador.
Apreciando a trova do poeta Falcão, da Paraíba, como autêntico boêmio, fez o plágio. São elas respectivamente:
a trova de Américo Falcão:
Não há tristeza no mundo
que se compare à tristeza
do olhar do moribundo
fitando uma vela acesa.
o plágio de Renato Caldas:
Não há tristeza no mundo
que se compare à agonia
do olhar do vagabundo
vendo a garrafa vazia.
Maria Eugênia Montenegro.
O VALE.
Agosto/1979.
Referência:
Disponível em: https://www.facebook.com/geraldo.s.queiroz/posts/1850041771930878. Visualizada em 13 fev 2017.