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quinta-feira, 24 de outubro de 2024

ENTRE VISLUMBRES E LETRAS - UM LEITOR SATISFEITO


O silêncio é útil para que o poeta grite. Pelo menos é com esta técnica que a poeta Josimey Costa faz uso para temperar seus escritos.

Fiz a leitura de "Entre vislumbres e letras", livro de Josimey Costa. Imagens e palavras, dois elementos que se associam em um belo trabalho poético. O leitor lê a figura, que em si derrama mil palavras, e a poeta exprime numa única estrofe o que para ela a cena transmite.

As estrofes nos dão frases grávidas de filosofia, de vivência, que por sua vez nos fazem conhecer a profundidade da poética nascida na pena de Josimey Costa.

Ao terminar a leitura eu fiquei pensando: "e agora? Todas as vezes que eu olhar um quadro, uma paisagem, perguntarei que poema escreveria Josimey aqui"

A lição que me deu é que a poesia sempre permanece em nosso olhar. Faça-se poeta "entre vislumbres e letras".

Gostei de tudo, mas o que me tocou de forma intensa foi o poema da página 91 - "a saudade me olha na parede..." Ele tem a mesma sonoridade do verso de Drummond: "...Itabira é apenas uma fotografia na parede, mas como dói".


Francisco Martins

domingo, 13 de outubro de 2024

NÃO FAÇA ISSO COM O CORDEL

 " O compromisso da crítica é com a verdade"
Álvaro Lins



Por qual razão é tão difícil a alguns poetas, que pretendem ter  textos no gênero de cordel, fazer a coisa certa? Tenho a impressão que esses poetas não sabem, e se sabem, negam-se a aplicar na construção do poema, a estrutura básica e imprescindível da rima, métrica e oração.

Publicam-se folhetos e livros, classificados no gênero do cordel, e quando os lemos, encontramos com certa frequência a distorção à arte. Essa infidelidade presta um desserviço ao cordel brasileiro. Ninguém é pressionado a escrever nesse gênero, mas, uma vez decidido a escrever cordel, tem o poeta autor, a obrigatoriedade de fazê-lo com maestria. Escreva, peça a alguém para revisar, e que essa pessoa tenha conhecimento sobre o assunto. Aprenda com os melhores!

Eu poderia publicar aqui nomes de poetas e os títulos das suas obras, onde aparecem esses erros. Deixarei, porém, no anonimato, nem todos os avaliados têm a maturidade de aceitar a crítica.É bem verdade que muitos "poetas" estão surgindo e publicando seus poemas, mas quem ficará neste roçado do cordel daqui a dez anos? Muitos sairão da vereda bem antes dos três anos de caminhada. Estarei torcendo para que fiquem os bons.

Veja este exemplo:

Naquele tempo, minha gente!
Mulher era "bitolada"
Só dirigia fogão,
Cuidava dos filhos e da casa,
Nísia começou a escrever,
na história vamos ver,
Foi verdadeira batalha!

O autor da estrofe acima não é um poeta novato. Pelo contrário, sua produção em folhetos já ultrapassou mais de 150 títulos. É notável a  discrepância há no lugar das rimas: bitolada/casa/batalha. O  poeta aprendiz pode errar numa construção dessa, pois ele é iniciante, mas, se tiver um olhar crítico à sua produção, ele mesmo verá que precisa corrigir.

Igual ao autor acima tem muitos outros que se comportam como ele na produção. Não ficarei mostrando estrofes doentes, que já deveriam ter sidos tratadas pelos seus próprios poetas.

Não me canso de dar meu testemunho sobre isso. Meus primeiros folhetos tinham muitos erros. Fui aprendendo com os bons e os clássicos. Tive e ainda tenho a coragem de corrigir o que erro. Nisso não há desmérito, pelo contrário, é gesto de respeito ao cordel.

Chamo a atenção também para associações e academias que se propõem a organizar antologias do cordel brasileiro.  Tenham muito cuidado quem for ser o antologista responsável pela coleta do material. Recentemente adquiri e li uma antologia, organizada pela Casa do Cordel,em Natal, que infelizmente está repleta de poemas em cordel que deixam a desejar. 

O cordel brasileiro caminha para duzentos anos - nenhuma antologia da literatura brasileira, até onde sei, dedicou algumas páginas ao gênero - talvez por desconhecimento dos antologistas, por não gostarem do estilo, por terem o pensamento de que o poeta cordelista é um poeta de subliteratura, não sei! O que sei e propago  é temos a missão de fazermos o melhor pelo cordel.

Por fim, compreendam-me, não quero com esse meu ofício de crítico dizer que sou melhor do que  ninguém, mas desejo que se saiba, usando as palavras de Paul Souday: " A crítica é a consciência da literatura".

Por fim, não esqueçam: métrica, rima e oração é trinômio indispensável no cordel.

Mané Beradeiro
13 de outubro de 2024

segunda-feira, 24 de junho de 2024

UM CLÁSSICO DE VICTOR HUGO GANHA RELEITURA EM CORDEL



Escrito por Victor Hugo, e publicado em 1862, na França, o livro "Os Miseráveis" registra o grito dos pobres na sociedade francesa do século XIX.  Não demorou para se tornar um clássico da literatura mundial.

Li "Os Miseráveis" nos anos 90 e confesso que ainda não assisti o filme. Gosto mais de criar as próprias cenas na leitura, embora saiba que a sétima arte é formidável.

Hoje eu quero focar meu olhar de crítico para um recente trabalho, do autor Gilberto Cardoso, "Os Miseráveis - em cordel".

Vinte e quatro capítulos formam o livro, todo escrito em estrofes com sete pés (ABCBDDB). Um trabalho construído no tempo da Pandemia do Corona Vírus, que exigiu muito do autor, mas o resultado foi digno de aplausos.

Convido os professores da língua portuguesa, e principalmente os que trabalham com Literatura no RN, a tomarem conhecimento dessa obra escrita por Gilberto Cardoso.

Apresentá-la aos alunos do Ensino Médio é atingir o alvo com várias setas, de forma simultânea. Vejamos:

1º) O professor estará cumprindo o que determina a Lei nº 11.231, de 4 de agosto de 2022, que inclui a Literatura Potiguar nas Escolas da rede estadual de ensino e particular.

2º) A escola incentiva o fomento à literatura de cordel (Lei nº 10.950, de 13 de julho de 2021).

3º) Incentiva a Cultura da Leitura e da Escrita ( Lei nº 10.690, de 11 de fevereiro de 2020).

4º) O leitor tem a oportunidade de conhecer a releitura de um clássico francês, no gênero de cordel.

Esse é o tipo de cordelivro que nasceu para somar e fazer parte de um conjunto de obras congêneres, que contam histórias clássicas, nesse gênero de poesia, o cordel.

Gilberto Cardoso construiu 539 estrofes, totalizando 3.773 versos. Tendo a capacidade de escrever e recontar "Os Miseráveis", sem levar ao leitor a sensação de cansaço.  Breve irei assistir o filme e então poderei dizer: li o livro, o cordel e vi o filme. Louvo o autor e poeta cordelista, Gilberto Cardoso.Parabéns!

Mané Beradeiro - 24 de junho de 2024



 


quarta-feira, 23 de agosto de 2023

UM CORDEL QUE TEM A HISTÓRIA DA COMISSÃO DO FOLCLORE

 Josenira Fraga distribuiu na manhã de ontem, por ocasião de um evento no Instituto Ludovicus, em Natal,   o folheto em cordel com o título: " 75 anos da Comissão do Folclore - 75 anos de muita cultura para o RN".

Parabenizo a autora  por ter trazido às páginas do cordel brasileiro, esse poema biográfico que nos revela traços da história dessa instituição tão importante à cultura potiguar. A estrutura do folheto tem 24 estrofes em sextilhas, com rimas nos versos pares, o que comumente denominamos "xaxaxa".

O cordel  quando é bem escrito ele é harmonioso, o leitor é fisgado pela sonoridade das rimas e o movimento sincrônico dos versos.  Esta sincronia é prejudicada quando o autor deixa escapar versos desmetrificados, que conhecemos no popular como "pé-quebrado".

Não sei o que aconteceu  durante o processo de produção e editorial do folheto que agora analiso, parece-me e quero nisso crer, que foi impresso  repentinamente, sem passar pelo crivo de um revisor. Sim! pois é notória a presença de alguns erros tanto na grafia de algumas palavras, algumas atribuídas à digitação, mas há uma parcela que é da inteira responsabilidade da autora, refiro-me à métrica. Encontrei 13 versos, que são elementos do conjunto "pé-quebrado".

A autora não começou a escrever cordel recentemente, ela está na nessa estrada deste 1979. Fica a dica para que em publicações futuras haja um olhar mais criterioso, dando espaço tão somente aos aplausos, pois criticar é deveras perigoso e nem sempre compreendido.


Mané Beradeiro

23 de agosto 2023


terça-feira, 12 de julho de 2022

COMENTANDO MINHAS LEITURAS: "A CIDADE EM CHAMAS" - CHAMOU MINHA ATENÇÃO!

Diz o povo em seu saber
Que fogo ladeira acima
A água ladeira abaixo
são coisas que não anima
Por isso meu camarada
Não passe nesta estrada
Nem queira sentir o clima

Isso é coisa pra Bombeiro
Que sabe bem o que faz
A ele nosso louvor
Que da dor nos dá a paz
É anjo aqui na terra
A verdade que encerra
Em espírito tão audaz"

Mané Beradeiro.

Flademir Gonçalves Dantas, guardem bem esse nome, ele tem muita coisa a nos dar no campo da literatura de pesquisa. Quem é ele?  É um homem que tem 40 anos, casado, pai de dois filhos, estudou em escolas públicas, prestou concurso para  soldado no Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande Norte (2002), graduou-se em  História e Direito e é Mestre em História. Atualmente é 3º Sargento Bombeiro Militar.


Li recentemente o seu  livro " A Cidade em Chamas: O serviço de extinção de incêndios em Natal/RN (1917-1955). Fui ao lançamento que aconteceu no dia 9 de junho deste ano, na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, do qual ele faz parte. A dedicatória veio assim: "Ao amigo Martins Neto, dedico esse livro para ser lido com capa, capacete e cilindro de ar respirável, pois as chamas do passado ainda queimam ."



Há livros que você ler e esquece. Há aqueles que são lidos e ficam por algum tempo em nossa memória e existem os que têm o poder de nos cativar. O livro "A Cidade em chamas ..." vai ficar na minha biblioteca por muitos anos. Primeiro porque é fruto de uma pesquisa árdua ( e quem é pesquisador sabe bem o que isso representa), segundo: ele traz um resgate  valioso e inédito na lacuna da História do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte. Some-se a isso, que através dele mergulhamos numa Natal  dos séculos XIX e XX com suas fragilidades na  inexistência e depois na estrutura de uma corporação dos bombeiros.  Enquanto o fogo queima, Flademir Dantas vai tirando das cinzas o calor da história e monta um painel repleto de cenas que Natal viveu.


Não pretendo tirar o sabor do mel que Flademir tem guardado nas páginas do seu livro aos leitores, mas posso reavivar a chama da curiosidade e dizer que vale a pena tê-lo. O projeto gráfico é muito bom. Capa bonita, diagramação bem feita, revisão  textual excelente, papel pólen no miolo ( que não cansa a vista), muitas fotografias, etc. O próprio autor promete que esse é a primeira parte de uma trilogia: " Esse é o primeiro volume de uma trilogia que almeja rascunhar a centenária História do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte ...". Parabenizo o autor, pois um trabalho deste nível fica para sempre! 

Aguardamos ansiosos os outros livros.


Francisco Martins
12 de julho de 2022





quinta-feira, 26 de maio de 2022

PEDRO COELHO - OLHAR MINERAL

 


    Eulália Duarte Barros, escritora, Conselheira do Conselho Estadual de Cultura do RN e Acadêmica da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras nos presenteia com mais uma obra: "Pedro Coelho - Olhar Mineral".
   Um livro que começa se abrindo para o leitor com imagens fotográficas que retratam o homenageado com família e amigos. Clichês em preto e branco que formam páginas do álbum da vida.
    Passam-se algumas folhas e o ledor vai esbarrar num poema de Zila Mamede, dedicado a Pedro Coelho, que traz o subtítulo do livro.
  Tem razão Ângela Almeida quando escreve: " o que poderia ser simples tornou-se complexo". E o leitor não veja isso como uma pedra literária criada pela autora, mas, sim, por causa das possibilidades  de prismas que o livro nos oferece.
    Eulália Barros passa a ser a própria voz da "Casa da Seridó". A personalidade da casa é o reflexo do próprio Pedro, caridoso e até certo ponto, senhor das dores, coração flamejante.
   A ficha catalográfica teima em querer que o leitor acredite ser esse um livro de memória, mas não é. Sua beleza, suas ilustrações me levam a afirmar: não, não é memória. Ele vai muito mais além, é prosa poética, é cântico de louvor é canção de amizade. 

Francisco Martins.



segunda-feira, 25 de abril de 2022

CORDELISTAS CONTEMPORÂNEOS -UM REGISTRO EM 2022 - PARTE I

 Imaginem o mundo sem Zeca Pereira, como seria pobre. Alguém poderá pensar: "mas ele não é tão universal assim. É apenas uma gota no oceano da humanidade". Sim, mas sem a existência dele, esse oceano estaria incompleto. Há homens que não gritam e são ouvidos a milhares de quilômetros da sua localidade. Zeca Pereira é um deles. 


José Pereira dos Anjos - Zeca Pereira

"Do meu sangue fiz a tinta,
Dos cabelos um pincel,
Da palma da mão esquerda
Uma folha de papel
Pra escrever com a direita
Tudo que devo ao cordel"
(ZECA PEREIRA, 2020, P. 413)

Inicio essa resenha enaltecendo o editor, folheteiro, poeta cordelista Zeca Pereira para fazer justiça ao seu trabalho a favor do cordel brasileiro. No roçado da Nordestina Editora, que começou a existir em março de 2016,  já desabrocharam produções literárias que honram as estantes das cordeltecas e dos poetas e pesquisadores que prezam por bons livros. Vejamos alguns:

Cordelistas Contemporâneos - 2017

Além do Cordel - antologia versátil - 2017

O Baú do Medo - coletânea de cordéis de suspense e terror. - 2019

Anuário do Cordel Brasileiro - 2019

O ABC do Cordel, além de Rima, Métrica e Oração - 2020 (manual para quem deseja escrever cordel)

Dicionário Biobibliográfico dos Cordelistas Contemporâneos, - com pequenas biografias de 204 poetas - 2020

Nova Antologia de Cordelistas Baianos - com  30 poetas - 2021

Cordelistas Contemporâneos - 2022

Some-se a isso a grande quantidade de folhetos que a editora lança  constantemente, quer sejam dos cordelistas atuais ou as obras clássicas desse gênero literário. Venho hoje tratar sobre o mais recente trabalho da Nordestina Editora que tem o título "Cordelistas Contemporâneos - Coletânea 2022",  nele temos a oportunidade de conhecermos um pouco do quem vem sendo produzido em cordel  em cinco regiões brasileiras.


A antologia se apresenta  da seguinte forma, no tocante a participação dos  poetas e das poetas cordelistas: ao todo foram 49 participantes, sendo 13 mulheres (27%) e  36 homens (73%).



Quando analiso a faixa etária dos participantes a situação é a seguinte:





O cordel continua encantando todas as idades.  De 32 a 80 anos vamos encontrar nesse livro, pessoas escrevendo sobre os mais diversos assuntos.

Apenas 11 estados se fazem presentes nessa antologia. Devo entretanto adiantar que isso não significa que os poetas são naturais destes estados, com raríssimas exceções,  para os estados de São Paulo, que tem o poeta  Márcio Fabiano e Rio Grande do Sul, com José Heitor Fonseca e os poetas do Pará ( AroDinei Gaia,  Flávio Barjes e Niro Carper). Os demais, todos são nordestinos, poetas que vivem em outras  locais  deste extenso Brasil, longe do seu berço. Esse quadro corrobora que  o  nordestino é inegavelmente o maior semeador e sustentador dessa literatura.



Se foco a participação por Regiões do Brasil o quadro fica assim:






Percebam que existem verdadeiros poetas quixotescos, que sozinhos trazem a presença do cordel nesse livro. Refiro-me a Aurineide Alencar (Centro-Oeste) e a José Heitor Fonseca (Sul). A eles, nossos aplausos, pela coragem e determinação de continuarem levando a literatura do cordel brasileiro.

Há um outro fator que é muito importante levarmos em conta. Trata-se do nível de estudo alcançado pelos poetas. Se outrora, os poetas populares, quer sejam cantadores de violas, repentistas e cordelistas eram tidos  na categoria de homens e mulheres não letrados, hoje a situação é totalmente diferente. Percebam que aqui, dos 49 poetas que compõem a antologia, 33 são graduados e 16  estão entre aqueles  que não informaram ou não  têm um curso superior. Entre os graduados,  mais da maioria buscou especialização e  pós-graduação. Isso não significa que essa turma é maior em qualidade poética que aquela dos 16 não graduados. Não vai ser o nível de formação que fará o poeta. Lembremo-nos de Paulo Freire: "Não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes".




Uma coisa é certa, quanto mais subimos na escala do conhecimento, maior se torna a responsabilidade naquilo que produzimos, e isso se aplica ao cordel. 

Feitas as considerações acima, é chegada a hora de avaliarmos a produção literária. 


"Os assuntos são infinitos.
Todos os motivos políticos,
locais e nacionais fazem
nascer dezenas de folhetos"
(CASCUDO, 1953, P.11)

E passados 69 anos depois que Cascudo escreveu "Cinco Livros do Povo", no qual ele vai se debruçar sobre a literatura popular, hoje conhecida como cordel,  nossos poetas continuam a escrever sobre os mais variados assuntos.  Vou resenhar sobre cada texto e estarei publicando por aqui, na segunda e última parte desta postagem. Aguardem.

Sem perder o rumo e o prumo ...


Mané Beradeiro
25 de abril 2022
Parnamirim-RN



Fontes consultadas:

Dicionário Biobibliográfico dos Cordelistas Contemporâneos -  Zeca Pereira - Org. Barreiras-BA: Nordestina Editora, 2020.
 
Cinco Livros do Povo. Luis da Câmara Cascudo. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1953.




segunda-feira, 21 de março de 2022

UM OLHAR SOBRE A COLEÇÃO DEZ MULHERES POTIGUARES - CORDEL

 



A Casa do Cordel, pelo quinto ano consecutivo, concretizou mais uma edição da Coleção Dez Mulheres Potiguares, que é um projeto voltado a homenagear as mulheres, através do gênero de cordel, onde as autoras escrevem sobre outras. Tenho acompanhado todas as edições, na qualidade de leitor e principalmente como crítico do cordel brasileiro, e até onde sei, o único do Rio Grande do Norte, que tem a coragem de escrever sobre esse gênero e tornar pública a opinião. É bem verdade que há aqueles que falam, mas não escrevem. São palavras soltas ao sabor do vento. As minhas, optei por gravá-las na pedra.

Tal atitude tem seu preço, e acreditem, nem sempre é saboroso como o mel, e isso se dá pelo fato de que o autor ou autora, objeto da crítica, às vezes não aceita ver seu cordel ser analisado de forma tão criteriosa. O que eu quero na verdade é mostrar o zelo que devemos ter por essa poesia. Se há regras que tenhamos a preocupação de segui-las; se há sugestões para melhorar a produção, que tenhamos a humildade de acatá-las. Eu mesmo sou um poeta cordelista que cresci em minha trajetória por ter vontade e disciplina. Muitos erros cometi nos primeiros folhetos, mas não me amarrei a eles. Como dizia Rafael Negreiros: “Não sou estátua para não mudar de posição”.

Feitas tais considerações é hora de apresentar o que vi na quinta edição da coleção “Dez Mulheres Potiguares”, As poetas cordelistas foram (por ordem alfabética):

1)    Célia Melo (Bombom) - Ana Paula campos: Mulher de todas as tribos

2)     Fátima Régis - Titina Medeiros: A arte e a resistência de uma atriz potiguar

3)    Geralda Efigênia - Eliane Amorim das Virgens Oliveira: Primeira desembargadora do RN

4)    Gorete Macêdo - Maria de Lourdes Alves Leite: Pioneira na Justiça do Trabalho Potiguar

5)    Járdia Maia - Lindalva Torquato Fernandes: Da Política no Sertão para a justiça no TCE - Ministra TCE

6)    Jussiara Soares - Áurea de Gois: A poetisa de Extremoz

7)    Rita Cruz - Daluzinha Avliz: A Contadora de Histórias

8)    Rosa Régis - Dona nenén: A sua arte deu cores ao galo de São Gonçalo

9)    Sírlia Lima - Wilma de Faria: Uma rosa vermelha e uma líder guerreira

10) Vani Fragosa - Fátima Bezerra: A esperança fazendo a história.

        Li e reli várias vezes os dez folhetos - vou apresentar um quadro geral sobre as observações, caso alguma autora deseje saber a análise que foi feita sobre o seu poema, posso enviar pelo e-mail.  Como é do conhecimento de todos, o gênero do cordel possui entre suas características, três que são inegociáveis: métrica - rima - oração. Tratarei disso à luz da Tabela Beradeiriana, que vai nos mostrar a eficiência poética do conjunto dos textos analisados. Nove folhetos têm 32 estrofes e apenas um tem 31 estrofes, em sextilhas, com versos heptassílabos (pelo menos deveriam ser), isto é, sete sílabas poéticas. Assim sendo, considerei para fim da aplicação da Tabela Beradeiriana, que a coleção teria um único texto com 319 estrofes, 1914 versos, dos quais 957 devem ser rimados e ter boa oração. 

 O Resultado foi este:

MÉTRICA: 97, 87%

RIMA = 99,37%

ORAÇÃO = 95,65%

 A média geral do Índice de Aproveitamento Poético dessa coleção foi de 96,63%. Algumas participantes obtiveram o IAP de  100 %, e outras menos, mais nenhuma ficou abaixo  de 92%. O que é digno de aplausos.

Quais ensinamentos podemos tirar dessa análise crítica?

 1º) É preciso sempre ter a preocupação de mandar revisar o texto poético, antes de   entregá-lo para a impressão final.

2º) Há excelentes poetas cordelistas no RN mas existem aquelas que ainda precisam solidificar seus poemas.

3º) A Casa do Cordel, instituição que tem prestado relevante serviço ao Cordel  Brasileiro, não pode achar que um trabalho com dez poetas participantes, não careça passar pelo crivo de um Conselho Editorial. Se isso tivesse acontecido, com certeza o IAP seria muito maior.

4º) É mister promover um curso de formação sobre métrica, rima e oração, para que possamos dessa maneira capacitar os poetas (homens e mulheres) que têm dificuldade no assunto.

 Outras observações são importantes que se façam, são elas:

 1º) Há uma carência grande da presença de imagens poéticas nos folhetos. É preciso que o poeta saia da linguagem comum e traga ao seu texto elementos que causem ao leitor emoções, devaneios e vontade de continuar lendo outros poemas desse autor.

2º) Tente na construção do verso dizer o que pretende, sem causar ruptura na sonoridade.

                     Exemplos:

               “ Em Brasília adentrou na

                 Câmara dos Deputados”

 

               “ Foi na Faculdade de Nova

                 Friburgo estudar”

 

3º) Mantenha-se fiel ao tema que se propôs poetizar. É frustrante o leitor perceber que o autor não tratou sobre o que diz o título do cordel. Nesta coleção “Dez Mulheres Potiguares - 5ª edição” dois folhetos apresentam isso:          

 Daluzinha Avlis: A Contadora de Histórias - Não há uma única estrofe que trate sobre as atividades da Daluzinha, no ofício de contadora de histórias e o registro da Maratona de Histórias, algo tão singular criado por ela.

 Lindalva Torquato Fernandes - Da Política no sertão para a justiça no TCE - Ministra do TCE - Também aqui não encontramos nada que diga respeito à presença da homenageada no Tribunal de Contas do Estado - TCE.

 Finalmente há coisas boas a serem ditas sobre a coleção em pauta:

As cordelistas têm um bom domínio da rima e oração.

As mulheres que foram temas dos poemas revelam a importância da luta da mulher na cultura e história potiguar

O Cordel Brasileiro, escrito por mulheres, ganha cada vez mais espaço e conquista leitores

As artistas xilogravuristas ( Célia Albuquerque, Cecília Guimarães, Letícia Paregas e Kimberly) fizeram um trabalho louvável.

. O Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Norte, em sua sessão plenária, de terça-feira pp, aprovou voto de congratulação pelo conjunto da obra. A proposição foi feita pela Conselheira Sônia Maria Ferreira Faustino e o voto será enviado brevemente à Casa do Cordel, as poetas participantes e à Professora Doutora em Literatura Comparada (UFRN), do Instituto Kennedy e da Rede Pública de Natal - Aparecida Rego, que escreveu a apresentação dessa coleção.

Mané Beradeiro, em 21 de março de 2022.


 A imagem que ilustra o artigo foi tirada do seguinte  endereço: https://www.soumaisrn.com.br/2022/03/08/coletanea-de-cordeis-homenageia-mulheres-que-fizeram-historia-no-rn-neste-8-de-marco/  Visualizada em 21 de março  de 2022.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

SENDO MEU PRÓPRIO CRÍTICO

 Se há uma coisa que eu admiro nos poetas e escritores é a paciência de guardar os textos que eles produzem, deixando-os descansarem, para quando virem à público estarem com toda força. Há aqueles que marinam seus poemas, atribuindo-lhes dia-a-dia sabores. E, outros existem, que aplicam em seus textos, a arte da lapidação, tornando-os diamantes. Confesso que ainda sou aprendiz nessa área e que tenho pressa em entregá-los ao leitores.  E assim, torno-me vítima do famoso adágio:  A pressa é inimiga da perfeição.

Acabo de perceber que em um dos meus mais recentes trabalhos, em "Guaporé - uma solidão restaurada",  poema escrito no estilo de cordel, deixei passar alguns erros que comprometeram a minha eficiência poética. São eles:

Rimei  de forma errada: 

Compasso/cansaço/pedaço
houvesse/prece

Essas rimas são aceitáveis na cantoria, mas no ofício do poeta de bancada, devem ser evitadas.

E  no meio de todas as estrofes em septilhas (sete versos), escrevi uma em forma de sextilha ( quando devia ser septilha) que não atende a nenhuma das formas que a Academia Brasileira de Literatura de Cordel-ABLC recomenda usar. Segundo a ABLC, as sextilhas podem ser abertas, fechadas, soltas, corridas ou desencontradas. 

Minhas flores já caíram
Comecei então morrer
Quando o Doutor Vicente
Naquele mês de novembro
Isso é forte eu bem me lembro
Veio então a fenecer.

Fazendo uso da Tabela Beradeiriana, a qual criei para mostrar o percentual da eficiência poética do cordelista, a minha situação, referente ao poema em análise é a seguinte: O cordel tem 293 versos, distribuídos em 42 estrofes.

Aproveitamento de rima ...96,15%
Oração ..............................100 %
Métrica .............................100%

Índice de Aproveitamento Poético: 98,66%

Não é um índice ruim, mas se eu tivesse paciência, não teria deixado o bezerro sair correndo com a placenta. É preciso lamber a cria. Fica a lição.

Mané Beradeiro - 29 dezembro 2021.


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

NEM TODO FOLHETO É CORDEL - NEM TODO CORDEL ESTÁ EM FOLHETO

 

"A crítica deve ter a missão nobre de um bisturi em mãos de um cirugião" Felix Caignet


A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, através da sua editora EDUFRN, disponibiliza de forma gratuita,  o livro digital "Escravidão no Rio Grande do Norte", um trabalho que teve a organização de Juliana Teixeira Souza e Margarida Maria Dias de Oliveira. Para baixar o livro é só clicar aqui Livro.

Na página do repositório da UFRN lemos o seguinte resumo da obra:

"Esta obra inaugura a série "Produtos didáticos para o ensino de História", resultado de um projeto de ensino coordenado por professoras do curso de História da UFRN, com participação de alunos e alunas licenciandos, com o objetivo de contribuir de forma propositiva para os debates sobre o ensino de história e de cultura da população afrodescendente, numa perspectiva atualizada e tendo a metodologia da pesquisa histórica como referência. Como resultado desse trabalho, apresentamos para professores da Educação Básica e estudantes de licenciatura sete propostas de sequências didáticas e recursos didáticos produzidos exclusivamente para esta publicação. Antes das propostas de senquência didática, apresentamos dois breves textos, sobre ensino-aprendizagem de História e escravidão negra no Rio Grande do Norte, com algumas informações sobre população, trabalho e formas de resistência."

Quero chamar a atenção das autoras organizadoras para o material que foi usado  que tem como título "Cordel dos Desiguais", presente nas páginas 70 a 72. Aqui,  infelizmente, não tiveram as organizadoras o cuidado de realmente analizarem  se o texto estava em conformidade com as regras da literatura de cordel. O texto em questão é da autoria de Francisca Rafaela Mirlys e Ísis de Freitas Campos.


Entre algumas características da literatura de cordel existem três que são indispensáveis: métrica, rima e oração.  E isso está até presente no livro acima, página 48:

O que vem corroborar que as organizadoras não se debruçaram na análise estrutural do que aparentemente é um cordel, trazendo para a obra um texto absurdamente desmetrificado.  Não há revisores capacitados na UFRN para saber reconhecer um cordel? 

O poema possui vinte estrofes em forma de sextilha, portanto 120 versos.  Fiz a análise aplicando o que chamo de Tabela Beradeiriana e o resultado no tocante à métrica foi terrivelmente este:

Estrofe 1 - zero de métrica 
Estrofe 2 - zero de métrica
Estrofe 3 -  1 verso metrificado
Estrofe 4 - zero de métrica
Estrofe 5 - 2 versos metrificados
Estrofe 6 -  1 verso metrificado
Estrofe 7 -  1 verso metrificado
Estrofe 8 -  1 verso metrificado
Estrofe 9 -  zero de métrica
Estrofe 10 - 2 versos metrificados
Estrofe 11 -  zero de métrica
Estrofe 12 -  zero de métrica
Estrofe 13 - zero de métrica
Estrofe 14 -  zero de métrica
Estrofe 15 -  zero de métrica
Estrofe 16 - 3 versos metrificados
Estrofe 17 -  zero de métrica
Estrofe 18 -  2 versos metrificados
Estrofe 19 - zero de métrica
Estrofe 20 - zero de métrica


Diante do quadro acima, onde não  há nenhuma estrofe totalmente certa na metrificação, chega-se a um percentual de 21,66% de acertos na métrica, índice muito baixo. Nem quero  escrever sobre outros fatores que também comprometem classificar este poema como cordel, tais como a ausência de poética, a oração, coerência, etc.

Minha pretensão  não é ferir as organizadoras, nem tampouco as autoras do texto em crítica. Preocupa-me  sim, saber que esse livro vai chegar às mãos de muitos formadores, que  vão lê-lo e   achar que ali está verdadeiramente um cordel.

Fica a diga para que quando se tratar de publicação que contenha o cordel brasileiro, a instituição tenha mais cuidado e na dúvida procure quem de fato entende do assunto.

Mané Beradeiro - 07 de dezembro de 2021


Obs: este artigo foi publicado com prioridade no blog Papo Cultural

domingo, 31 de outubro de 2021

AS 10 MELHORES NOVELAS DO SECULO XX NA LITERATURA POTIGUAR

 


Thiago  Gonzaga e Manoel Onofre Jr dois nomes que bem conhecem a literatura produzida aqui no Rio Grande do Norte concordam  que as 10 melhores novelas da literatura potiguar do século XX  em ordem alfabética são:

1)  Agora Lábios Meus Dizei e Anunciai, de Inácio Magalhães de Sena

2)  Cabra das Rocas, de Homero Homem

3)  Crônica  da Banalidade, de Carlos de Souza

4) De Como se Perdeu o Gajeiro Curió, de Newton Navarro

5) O Dia em que a Coluna Passou, de Eulício Farias de Lacerda

6) Os Enteados de Deus, de Fagundes de Menezes

7) Geração dos Maus, de José Humberto Dutra

8)  Palavra Manchada de Sangue, de Francisco Sobreira

9) O  Que Aconteceu em Gupiara, de Bené Chaves

10) Temporada de Ingênios, de João Batista de Morais Neto.

Thiago Gonzaga é estudioso e pesquisador da Literatura Potiguar, Mestre em Literatura Comparada pela UFRN, Editor da Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras - ANRL.  Manoel Onofre Jr é Acadêmico  e Diretor da Revista da ANRL, Ambos têm diversos livros publicados.


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

COMENTANDO MINHAS LEITURAS: PUSSANGA - MOLDURA DO BRASIL AMAZÔNICO

 "Pussanga" é o título de um dos livros de Peregrino Jr, escritor potiguar, que foi membro e Presidente da Academia Brasileira de Letras-ABL e da Academia Norte-rio-grandense de Letras, além de outras instituições. As histórias de "Pussanga" são lendas, superstições, costumes, ofícios laborais do homem que vivia  na Amazônia, no segundo decênio do  século XX.

Peregrino Jr

O livro foi premiado em 1929 pela ABL e recebeu tradução para vários idiomas. "Pussanga" é sinônimo de medicamento caseiro, conforme vemos no conto de abertura Garrafada Indígena: "nessa pussanga, tem infusão de muyrakitan".

Escrevo sobre livros antigos porque muitos leitores sequer sabem da existência deles. E é sempre bom lembrar que livro novo é todo aquele que ainda não foi lido. Em "Pussanga, Peregrino Jr nos leva a Belém (PA) onde vamos encontrar José Caruana e Vicente Dória, numa tentativa de sociedade comercial. Isso no primeiro conto já citado acima. Na sequência, em Areia Gulosa temos Antonio e Josino, o primeiro, nordestino de Catolé do Rocha (PB), o outro de Óbidos (PA). O conto tem como local a fazenda "Boa Esperança", do Coronel Zé Júlio. Ali veremos a força do trabalho e a ingratidão de uma mulher, bem como a prática da entrega de terra para cultivo em troca de uma percentagem (10%) ao proprietário.

Quando o leitor correr os olhos pelo conto "Carimbó" vai encontrar o nonagenário Zé Vicente, escravo que sabe muito sobre a presença do negro no Amazonas. Através dele conheceremos o Quilombo de Trombetas e a sua organização política, econômica e cultural.  " No ritmo do Carimbó dançando a dança negra os negros velhos recordam as senzalas tristes".

Geralmente os escritores têm uma história dedicada à beleza da mulher. Peregrino Jr não fugiu a  regra e deu formosura e curvas a "Feitiço", o nome pelo qual era conhecida a linda criada do Coronel  Rodopiano. A cabocla descrita por Peregrino Jr é sem sombra de dúvida o protótipo literário do que mais tarde iremos conhecer em "Dona Flor", personagem de Jorge Amado. "Tinha bom cheiro de carne morena, mas nela havia também a maldição". Qual seria essa maldição? Vale a pena conhecer Feitiço, um conto que mostra a saga de uma jovem mulher, lutando pela vida, numa rota de sobrevivência que se passa entre Belém(PA) até o Rio de Janeiro.

No centro do livro temos o conto "O Putirum dos Espectros"  no qual o autor vai mostrar a forma de sobrevivência de uma família pobre, através da prática da barganha. No sexto conto "O Sobejo da Cobra Grande" temos um jogo de ciúmes entre Leôncio e Luizinha, adolescentes. Ele capaz de realizar grandes gestos de coragem por amor a ela.

"Recordações da Madeira- Marmoré" é o único texto nesse livro, no qual a narrativa está na primeira pessoa. Pode ser um conto, mas há traços de ser uma crônica. O autor relata sua estada de três meses em Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia.

No oitavo conto, o leitor mais uma vez terá um encontro com a cultura machista que imperava naquela região, fazendo da mulher um mero instrumento, um objeto de prazer. "Ladrão de mulheres" trata disso e muito mais. Já no "O Espritado" a temática é a crença de que não se deve fazer esforço laboral nos dias grandes da Semana Santa. Zeferino foi caçar e  "ficou possuído de uma mau espírito! Sabe como é? Espritado, patrão".

E a viagem vai terminar no décimo conto "A Fogueira de Guajará". Nele tudo acontece num ambiente de festa junina, em Guajará, reinado do Coronel Antonio Gomes, rico e solteirão que tem como filosofia: " Não se deve fazer a vida pior do que ela é". Que pode uma curiboca fazer na vida de um cinquentão? Deixarei para o leitor buscar a resposta.

E assim fica resenhado "Pussanga", livro de Peregrino Jr, lançado em 1929 quando ele tinha 31 anos. A segunda edição veio em 1945 e a terceira em 1948. Peregrino Jr nasceu em Natal no dia 12 de março de 1898 e faleceu aos 85 anos, no dia 23 de outubro de 1983.

Francisco Martins
18 outubro 2021





terça-feira, 5 de outubro de 2021

COMENTANDO MINHAS LEITURAS: NA BODEGA DE DONA MARGARETH

 

"As Bodegas da Rua do Patu e outras histórias" é o segundo livro de Margareth Pereira, desta vez no estilo de contos e crônicas. Lançado em 2018, tem o selo da Editora CJA e em suas 71 páginas há 17 histórias que nos chamam à reflexão da vida.

A prefaciadora, Professora Doutora Cláudia Santa Rosa, escreve: "Há livros que a gente se apega, identifica cheiro, cor, gosto ...Em seus escritos, Margareth deixa todas as pistas de um vasto repertório, forjado nas memórias de várias épocas".

E foi com este norte que eu entrei nos escritos da autora Margareth Pereira. A linha do desenvolvimento exposta por ela contém vários cenários, alguns têm a geografia bem definida (Ceará-Mirim), e outros, não revelada.

Margareth Pereira

Margareth Pereira nos põe diante de uma grande tela, em branco. Deixa ao nosso alcance tintas variadas e pinceis de modelos diferentes. Com sua escrita, sua vivência e criatividade nos convida a pintar nessa tela as imagens das histórias.

É bem verdade que as ilustrações de Júlio Siqueira já fazem parte do trabalho, mas não custa fazermos a nossa também.

Os contos e as crônicas pegam o tempo e o  ontem e o hoje se mesclam. Margareth Pereira nos transporta à rusticidade dos balcões das bodegas, faz a gente ter encontros com crianças vestidas de solidão, reforça a máxima de que "o amor não passa", nos surpreende com o final do  conto  "Entalo", traça analogias do comportamento humano com alguns animais, rega sementes de amor em corações adolescentes, indaga o porquê daquela vida sem cor e sem sabor e escreve outras histórias.

Tudo isso encontrei na Bodega de Dona Margareth. Vá lá você também!

Francisco Martins
05 de outubro 2021


domingo, 4 de julho de 2021

"A IGREJA DO DIABO" NA VISÃO DE UM LEITOR CRISTÃO

 


Em 1884 Machado de Assis então com 45 anos  publicou pela Garnier, um conjunto de contos intitulado "Histórias sem data". Nesse livro, o conto de abertura é "A Igreja do Diabo", que tem quatro capítulos. O texto trata exatamente do que declara o título - isto é - o Diabo funda uma Igreja.

O anjo decaído não nega seu caráter destruidor, "aquele que veio para destruir" tem bem ciente o seu papel: "...combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez" (Cap.I, Parágrafo I). Há nesse conto verdades bíblicas. É bom dizer que o autor, intelectual, que provavelmente tenha sido coroinha "na Igreja de Lampadosa, na altura dos seus catorze ou quinze anos....conheceu de perto a atmosfera  das Igrejas" (Massaud Moises- Coleção Vidas Ilustres - Volume Os Romancistas, ano 1961).

Quando lemos há muitas coisas que estão presentes nas entrelinhas, e com  maturidade de leitor vamos notando isso ao decorrer do nosso crescimento. São as sombras das frases! O fato do Diabo se apresentar a Deus - fez-me lembrar que no livro de Jó ele também esteve diante de Deus e debalde argumentou que  Jó só era fiel a Deus porque era rico e tinha uma família feliz. "Estende, porém, a mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face", diz o Diabo ( Jó 1:11). E é nesse livro de Jó que aprendemos ser o poder do Diabo limitado. "Eis que tudo quanto ele tem está em teu poder, somente contra ele não estendas a mão" (Jó 1:12).

Voltando ao conto "A Igreja do Diabo" vemos no final do capítulo II, no último parágrafo:"Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mas Deus impusera-lhe silêncio". Notem a Onipotência de Deus mostrada por Machado de Assis neste parágrafo - Deus impusera-lhe silêncio! "Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina" - Aqui também nos deparamos com mais duas verdades bíblicas - presentes nas sombras das frases - são elas:

1)  Apocalipse 12:12b "Ai dos que habitem na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo"

2)  II Coríntios 11:14 "...Porque o próprio satanás se transfigura em anjo de luz"

Machado de Assis teve em certo tempo da sua vida, amizade com o Padre Silveira Sarmento, que lhe ensinou Latim. Isso foi em 1858 - tinha ele 19 anos. A influência do Padre Sarmento na formação do jovem Machado foi mais além do que o Latim.  O fato é que sabia escrever com maestria, não apenas no estilo literário, mas também na profundidade do assunto,  com domínio e conhecimento. Não podia ser diferente quem cresceu sempre nutrindo o gosto de ler.

Em 1856 - aos 17 anos - trabalhava na Tipografia Nacional - como aprendiz de tipógrafo. Um funcionário superior surpreendeu-o em falta,  porque lia em pleno expediente, encaminhou-o ao administrador da repartição que era Manuel Antonio de Almeida, autor do livro "Memórias de um Sargento de Milícias". Este passou a  ampará-lo e foi amigo de Machado de Assis até seus dias finais.

Chegando ao capítulo IV notamos que a Igreja do Diabo era sucesso. Estava presente nos quatro cantos da terra, mas havia O HOMEM no meio do caminho, lembrando a Pedra de Drummond que Machado não chegou a ler. E o homem - o mesmo que optou por perder o Paraíso lá no Gênesis - também agiu sendo infiel ao Diabo, mostrando "a eterna contradição humana".

Quero trazer a riqueza de elementos de intertextualidade que está presente nesse conto. São portas de diálogo que Machado de Assis deixa para o leitor abrir. Vejamos algumas:  Abrãao - homem natural de Ur, região da Caldeia, do qual se originaram o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo , religiões com crença em um único deus; Maomé - profeta que recebeu de Alá a inspiração para escrever o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos; Lutero - monge agostiniano que se tornou uma das figuras centrais da Reforma Protestante; Fausto - personagem de uma lenda popular alemã que fez pacto com o Diabo em troca da sua alma; Homero - poeta da Grécia antiga autor de Ilíada e Odisseia, além de outros.

Por fim, o que aprendemos com o conto?

Coisas assustadoras não podem ganhar ideia de normalidade

Natureza dissimulada é sempre perigosa

Quem mais compreende o homem é o seu Criador - Deus.


Francisco Martins




quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

UMA VISITA AO PAÍS DE SÃO SARUÊ

Foi o poeta Manoel Camilo dos Santos (1905-1987),  quem escreveu o poema "Viagem a São Saruê" ( Campina Grande - PB 1956)São 212 versos distribuídos em 32 estrofes  no formato de sextilhas (esquema de rima xaxaxa) e 2 estrofes decassílabas (esquema de rima abbaaccddc). 

A história de São Saruê chegou até o poeta Manoel Camilo dos Santos através da oralidade, conforme ele mesmo declarou a Orígenes Lessa, que quando criança ouviu muitas vezes o adágio popular: " Só em São Saruê, onde feijão brota sem chover".  Ainda chegou a  afirmar: " -Um folhetinho à-toa que eu fiz fácil, fácil..."

 
Eu que desde pequenino
Sempre ouvia falar
Nesse tal "São Saruê"
Destinei-me a viajar
Com ordem do pensamento
Fui conhecer o lugar 
 
Para chegar em São Saruê é preciso acordar cedo e embarcar no carro da brisa. O viajante vai trocar de carro três vezes até chegar em seu destino, quando finalmente seus olhos poderão contemplar o mitológico lugar ...

Mas adiante uma cidade
Como nunca vi igual
Toda coberta de ouro
E forrada de cristal
Ali não existe pobre
É tudo rico em geral.
 
Realmente a descrição do poeta, sobre a natureza paradisíaca presente em São Saruê é inesquecível. E como no Éden existia um rio, aqui também há.

Lá tem um rio chamado
O banho da mocidade
Onde um velho de cem anos
Tomando banho à vontade
Quando sai fora parece
ter 20 anos de idade.
 
 Manoel Camilo dos Santos "viveu" alguns dias naquela cidade/país e não se  negava ensinar a estrada que nos levava até lá, com uma condição, a saber: " ...Posso ensinar o caminho/ Porém só ensino a quem/ Me  comprar um folhetinho".
 
O certo é que  São Saruê não ficou apenas  em um "folhetinho" como assim classificou seu autor.  Veríssimo de Melo escreveu "Pasárgada e São Saruê" (1959), texto que mostra a sensível afinidade entre os poemas de Manuel Bandeira e Manoel Camilo. 
 
O cineasta Vladimir Carvalho, em 1966 começou as filmagens do documentário "O País de São Saruê", que embora tenha ficado pronto em 1971, foi censurado e somente em 1979  o público pode assisti-lo.  
 

Trata-se de um documentário sobre o homem e o sertão nordestino, mas precisamente na região dos Rio do Peixe e Piranhas, Souza - PB (seca, folclore, religiosidade, agricultura,José Gadelha; Charles Foster (dos Voluntários da Paz); Os garimpeiros (Pedro Alma e Zeca Inocêncio); o Prefeito de Souza -  Antonio Mariz ; Catolé do Rocha) Para assistir o filme clique aqui: O País de São Saruê
 
Foi também na década de 70, que o escritor  Umberto Peregrino (1911 -2003), um potiguar, apaixonado pela cultura popular, criou no Rio de Janeiro a Casa de Cultura São Saruê. Camilo responde porque a casa recebeu esse nome:
 (...)
O nome São Saruê
Porque foi que ele deu
A sua belíssima casa
Disse que foi porque leu
Um folheto de renome
Que tinha este mesmo nome
E cujo folheto é meu
 
Mais tarde tornou-se, por doação,  a sede da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, mas isso é assunto para outra postagem.
 
O escritor Orígenes Lessa também pegou carona no tema e escreveu em 1983 um livro infantojuvenil, tendo como base o texto de Camilo,  o título é "Aventura em São Saruê" (Rio de Janeiro/ Nórdica).  O belo dessa prosa é que Orígenes Lessa não apenas retrata a geografia, os costumes e tudo que há em São Saruê, como também transporta o poeta  para dentro do livro, com a personagem Camilo, que vai falar para Pedrinho sobre esse lugar encantador e paradisíaco. Uma justa homenagem ao poeta.

 
O folheto foi traduzido para o francês, pela Professora Idelete Muzart F. dos Santos, e consta na obra "Les Imaginaires, Paris, Union Generale d'Editions, 1979, páginas 224 a 231". Há 65 anos faz a alegria do leitor. Por isso mesmo consta no Canon dos  clássicos do cordel brasileiro. 
 
Em 1988 , a X-9,  Escola de Samba (Santos-SP),  ficou como Vice-campeã do Grupo I, tendo como enredo  "Viagem ao País de São Saruê".

Eis aí um pouco do muito que foi feito a partir do folheto "Viagem a São Saruê". E para concluir eu digo:

Passou a perna de pinto
Passou a perna de pato
Quem souber de mais história
Que nos apresente o fato
Pois o mundo é muito grande
Não se tem um só relato
 
Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 17 de fevereiro de 2021.
 


Fontes:

Literatura Popular em Verso - Catálogo - Tomo I, p. 72 -  Ministério da Educação e Cultura - Casa Rui Barbosa,  1961.

_____________________ - Antologia - Tomo I - p. 555 a 559 - Ministério da Educação e Cultura - Casa Rui Barbosa, 1964.

Amor, História e Luta - Antologia - Márcia Abreu, org. São Paulo/SP. Salamandra, 2005, p. 119. 

Pasárgada e São Saruê" - Veríssimo de Melo, in: Revista Leitura,  nº 21, Ano XVII, Rio de Janeiro,  março ano 1959, página 23. 

Camilo, de São Saruê, conta em versos sua própria vida -  José Nêumanne Pinto - Jornal  do Brasil - Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1980

Casa da Cultura São Saruê. S.d; S.l; S.ed. 

Site da Fundação Casa de Rui Barbosa