1º volume |
Recentemente a CJA Edições
(Natal/RN) lançou três livros com poemas no gênero de cordel brasileiro. São
eles: Antologia de Cordéis, de Manuel de Azevedo, Um
maço de Cordéis – lições de gente e de bichos, de Gilberto Cardoso e Histórias Cordelizadas, de Joelson Araújo.
2º volume |
Os
três livros fazem parte da Série Versos Populares, que teve início em 2015 de
forma bem singela e aos poucos está crescendo, com traços editoriais de que vai ser uma importante coleção sobre o
cordel brasileiro, mais especificamente o que é produzido em solo potiguar.
Li
e reli os títulos, pois como alguns sabem,
além de aprendiz do gênero de cordel eu sou também um pesquisador. Mergulho no tema com vontade de
aprender, busco em cada poema escrito, o
mapa do sucesso neste tipo de literatura, tentando desvendar nas belezas das estrofes, na sonoridade dos
versos, a arte que foi escrita pelo poeta cordelista.
Ser
poeta de bancada não é fácil, sobre ele pesa a métrica, a rima e a oração,
colunas indispensáveis na construção de
qualquer texto que se quer considerar cordel. Há regras a serem obedecidas e a
tradição canônica, ora formada pelos clássicos do cordel brasileiro, está aí
para mostrar que não é necessário criar mais nada, basta fazê-lo como manda a
receita dos “Chefes” Leandro Gomes de Barros, Manoel D’Almeida, José Camelo de Melo Resende, João
Melquíades, Francisco das Chagas
Batista, entre outros que fincaram a
bandeira do cordel brasileiro nesta terra de Macunaíma.
Assim dito,
deixo de prólogos e vou entrar no mérito dos três volumes. Começo pela ANTOLOGIA DE CORDÉIS. Manuel de Azevedo reuniu aqui alguns poemas
que foram publicados tanto na sua página virtual como também em folhetos, em
anos anteriores.
O poeta Manuel de Azevedo não é
iniciante no ramo, estreou no ano 2000, exatamente com a publicação do folheto “O
Misto”, que abre a sua antologia. Naquele ano, o poema foi publicado pela
Coleção Chico Traíra/ Fundação José Augusto , folheto nº 55. O poeta
tem 57 anos de vida e 19 na produção de
cordéis. Em 2012 ele ficou em primeiro lugar na Coleção Chico Traíra, com o
cordel: “Balada Gregoriana”.
Manuel de Azevedo |
Dos 13 poemas da sua Antologia,
Manuel de Azevedo, que também já assinou
folheto com o pseudônimo de Mané da Retreta,
traz 4 poemas em décimas com
versos setissilábicos (usando a rima abbaaccddc)
São eles:
1 Uma
história do sertão – 14 estrofes/ 140 versos
Quantas vezes
esta história não foi repetida no vasto sertão nordestino? Pode ter personagens diferentes,
mas o roteiro das cenas encaminha para o mesmo desfecho. Nem sempre uma
história de amor tem um final feliz.
Folheto de Manuel de Azevedo - Mané da Retreta |
Cordel do
Lambe-Lambe - 16 estrofes/160 versos
Neste mundo de máquinas fotográficas que estão cada vez mais altamente sofisticadas nos aparelhos celulares, pouca gente sabe o que é ser fotografado por um Lambe-Lambe. O cordel acima verseja sobre isso. Um texto muito bom para que o professor possa trabalhar com seus alunos a história da fotografia e a profissão de fotógrafo. Na terceira estrofe, o segundo verso está fora do lugar ( p.79).
Meu sertão
em poesia para sempre eu vou cantar - 15
estrofes/ 150 versos
Os poetas nascidos no sertão nordestino trazem dentro de si um amor infinito pelo seu berço. Cantam sua terra, louvam com tal intensidade, é coisa presente no DNA. Manuel de Azevedo não foge desta regra. O universo do sertão é trazido minuciosamente para os versos deste poema.
Honra e
glosa potiguar - 16 estrofes/160 versos
Neste poema o poeta pinta a linda imagem do Rio Grande do Norte em versos que terminam com o mote "estandarte da cultura/ de um povo nordestinado" Lembra nomes de homens e mulheres que escreveram a história. Registra artistas, danças, etc.
Chamo a
atenção do leitor para o poema de abertura do livro. Nele, o bardo Manuel de Azevedo optou em escrevê-lo
usando estrofes irregulares ao padrão do
cordel brasileiro, onde cada uma das 8
estrofes tem 12 versos, em
redondilha maior, e terminam com o
mote “Da minha infância querida, Lembrança que ainda guardo”
“O misto” - 8
estrofes/96 versos
Misto era um mei ´de transporte,
Que de tudo carregava,
E que a gente viajava,
Com bicho de toda sorte,
Com gente de sul a norte,
Com pano, perfume, enfeite,
Com fruta, verdura e leite,
Rapadura era um fardo,
E até mulher de resguardo,
No carro da minha vida,
Da minha infância querida,
Lembrança que ainda guardo
“O Misto” é um resgate da história dos meios
de transporte usado em nossas rodagens, como bem escreveu o poeta.
Não encontrei nenhum respaldo em poemas do cordel brasileiro que mostrasse esta
prática. Não está registrada este tipo de
estrofe no Dicionário Brasileiro de
Literatura de Cordel.
Há também sextilhas abertas e corridas:
Abertas ( rima xaxaxa)
O
rastejador da Serra do Bico D'Arara
- 53 estrofes/318 versos
Câmara Cascudo em algumas Actas Diurnas faz
referência a notáveis figuras do sertão do Rio Grande do Norte, que se
destacavam pelo conhecimento das coisas da sua terra e os saberes dos seus
ofícios. Neste cordel, Benedito Caetano é um dos homens que prestou serviços na importante arte de rastejar. Uma história
muito bem contada.
Quando o leitor tomar conhecimento do texto
desse cordel, tenho em mente que ele vai sempre lembrar do que escreveu
Manuel Azevedo, todas as vezes que se
deparar com um vendedor de Cavaco Chinês.
A cachorra Tibé bem que poderia ser símbolo do movimento em defesa dos
animais, na capital potiguar. Cadela com
fôlego de sete vidas como os gatos; vítima da maldade humana e abraçada pela
caridade que supera a semente do mal,
Tibé tem sua história registrada . Um testemunho do próprio poeta que com ela
conviveu pelas ruas do bairro de
Candelária.
Balada Gregoriana – 32
estrofes/192 versos
A Musa Barroca atende ao apelo do poeta Manuel de Azevedo e o abraça sem reservas, inspirando-o a escrever um texto sobre Gregório de Matos, o tão conhecido "Boca do Inferno".
A menina enterrada viva – 24 estrofes/144 versos
O poeta foi buscar o tema deste cordel em histórias contadas pelos nossos avós. Coisa que Câmara Cascudo registrou e cujo cardápio ainda possui muitas opções a serem degustadas. Na sexta estrofe, há uma rima repetida “mel/mel/fel” (p.106)
Corridas
(rima aabccb)
Uma fábula em forma de cordel. Do outro lado do
mudo, a China, acontece a história. Uma lição que vai ensinar que as
belas coisas da vida nem sempre são as riquezas materiais.
O forte binômio : seca e chuva, que há séculos é presente na geografia do nordestino, modela seu espírito a ponto de fazer com que Euclides da Cunha afirme ser ele antes de tudo um forte. E na visão do poeta, o sertão é sempre manto que o envolve, seja na seca ou no inverno.Um poema que se fosse uma imagem daria um lindo 3x4 .
E como não
podia deixar de ter, existe um poema em
septilha (rima abcbddb)
Cordel do Fusca – 24
estrofes/168 versos.
Os amantes do fusca precisam conhecer este texto. Um cordel que vai fundo às origens do carro mais conhecido no mundo, contando sua história e o amor que muitos tem por ele.
Mané Beradeiro
30 setembro 2019
(continua amanhã com a resenha do livro de Gilberto Cardoso)