Imaginem o mundo sem Zeca Pereira, como seria pobre. Alguém poderá pensar: "mas ele não é tão universal assim. É apenas uma gota no oceano da humanidade". Sim, mas sem a existência dele, esse oceano estaria incompleto. Há homens que não gritam e são ouvidos a milhares de quilômetros da sua localidade. Zeca Pereira é um deles.
|
José Pereira dos Anjos - Zeca Pereira |
"Do meu sangue fiz a tinta,
Dos cabelos um pincel,
Da palma da mão esquerda
Uma folha de papel
Pra escrever com a direita
Tudo que devo ao cordel"
(ZECA PEREIRA, 2020, P. 413)
Inicio essa resenha enaltecendo o editor, folheteiro, poeta cordelista Zeca Pereira para fazer justiça ao seu trabalho a favor do cordel brasileiro. No roçado da Nordestina Editora, que começou a existir em março de 2016, já desabrocharam produções literárias que honram as estantes das cordeltecas e dos poetas e pesquisadores que prezam por bons livros. Vejamos alguns:
Cordelistas Contemporâneos - 2017
Além do Cordel - antologia versátil - 2017
O Baú do Medo - coletânea de cordéis de suspense e terror. - 2019
Anuário do Cordel Brasileiro - 2019
O ABC do Cordel, além de Rima, Métrica e Oração - 2020 (manual para quem deseja escrever cordel)
Dicionário Biobibliográfico dos Cordelistas Contemporâneos, - com pequenas biografias de 204 poetas - 2020
Nova Antologia de Cordelistas Baianos - com 30 poetas - 2021
Cordelistas Contemporâneos - 2022
Some-se a isso a grande quantidade de folhetos que a editora lança constantemente, quer sejam dos cordelistas atuais ou as obras clássicas desse gênero literário. Venho hoje tratar sobre o mais recente trabalho da Nordestina Editora que tem o título "Cordelistas Contemporâneos - Coletânea 2022", nele temos a oportunidade de conhecermos um pouco do quem vem sendo produzido em cordel em cinco regiões brasileiras.
A antologia se apresenta da seguinte forma, no tocante a participação dos poetas e das poetas cordelistas: ao todo foram 49 participantes, sendo 13 mulheres (27%) e 36 homens (73%).
Quando analiso a faixa etária dos participantes a situação é a seguinte:
O cordel continua encantando todas as idades. De 32 a 80 anos vamos encontrar nesse livro, pessoas escrevendo sobre os mais diversos assuntos.
Apenas 11 estados se fazem presentes nessa antologia. Devo entretanto adiantar que isso não significa que os poetas são naturais destes estados, com raríssimas exceções, para os estados de São Paulo, que tem o poeta Márcio Fabiano e Rio Grande do Sul, com José Heitor Fonseca e os poetas do Pará ( AroDinei Gaia, Flávio Barjes e Niro Carper). Os demais, todos são nordestinos, poetas que vivem em outras locais deste extenso Brasil, longe do seu berço. Esse quadro corrobora que o nordestino é inegavelmente o maior semeador e sustentador dessa literatura.
Se foco a participação por Regiões do Brasil o quadro fica assim:
Percebam que existem verdadeiros poetas quixotescos, que sozinhos trazem a presença do cordel nesse livro. Refiro-me a Aurineide Alencar (Centro-Oeste) e a José Heitor Fonseca (Sul). A eles, nossos aplausos, pela coragem e determinação de continuarem levando a literatura do cordel brasileiro.
Há um outro fator que é muito importante levarmos em conta. Trata-se do nível de estudo alcançado pelos poetas. Se outrora, os poetas populares, quer sejam cantadores de violas, repentistas e cordelistas eram tidos na categoria de homens e mulheres não letrados, hoje a situação é totalmente diferente. Percebam que aqui, dos 49 poetas que compõem a antologia, 33 são graduados e 16 estão entre aqueles que não informaram ou não têm um curso superior. Entre os graduados, mais da maioria buscou especialização e pós-graduação. Isso não significa que essa turma é maior em qualidade poética que aquela dos 16 não graduados. Não vai ser o nível de formação que fará o poeta. Lembremo-nos de Paulo Freire: "Não há saber mais ou saber menos, há saberes diferentes".
Uma coisa é certa, quanto mais subimos na escala do conhecimento, maior se torna a responsabilidade naquilo que produzimos, e isso se aplica ao cordel.
Feitas as considerações acima, é chegada a hora de avaliarmos a produção literária.
"Os assuntos são infinitos.
Todos os motivos políticos,
locais e nacionais fazem
nascer dezenas de folhetos"
(CASCUDO, 1953, P.11)
E passados 69 anos depois que Cascudo escreveu "Cinco Livros do Povo", no qual ele vai se debruçar sobre a literatura popular, hoje conhecida como cordel, nossos poetas continuam a escrever sobre os mais variados assuntos. Vou resenhar sobre cada texto e estarei publicando por aqui, na segunda e última parte desta postagem. Aguardem.
Sem perder o rumo e o prumo ...
Mané Beradeiro
25 de abril 2022
Parnamirim-RN
Fontes consultadas:
Dicionário Biobibliográfico dos Cordelistas Contemporâneos - Zeca Pereira - Org. Barreiras-BA: Nordestina Editora, 2020.
Cinco Livros do Povo. Luis da Câmara Cascudo. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1953.