domingo, 27 de fevereiro de 2022

O TURISTA



André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes


Rio Grande do Norte. Ano de 2025.


Um turista desembarca no aeroporto, e logo toma um táxi. O destino é algum hotel na Via Costeira. No caminho, motorista e passageiro desenvolvem o seguinte diálogo:


- Bom dia, Dr. Para onde vamos?
- Bom dia, amigo. Meu hotel fica na Via Costeira. Faz 4 anos que estive aqui pela última vez. Ainda me lembro dos nomes das ruas do nosso caminho: você vai pela Bernardo Vieira, depois entra na Salgado Filho, aí pega a Roberto Freire, e pronto.
- Vejo que o senhor está desatualizado. Por aqui, tudo mudou. Com essas coordenadas, o senhor não chegaria nunca no seu destino. Ainda bem que eu sou nascido e criado em Natal e sei do que o senhor está falando.
- Como assim, “tudo mudou”?
- Pois é. Começou no segundo semestre de 2021. A Bernardo Vieira agora chama-se Nevaldo Rocha; a Salgado Filho agora é Agnelo Alves; a Roberto Freire é Avenida do Futuro; e a Via Costeira é Eixo Belas Praias.
- Puxa, quantas mudanças! Bom, hoje eu vou descansar da viagem. Mas amanhã eu vou para a Redinha comer ginga com tapioca. E quero ir pela Ponte Newton Navarro.
- Ih, Dr. Vou logo avisando que a ponte agora chama-se Governadora Wilma de Faria. A Redinha também mudou de nome. Agora é Praia dos Ingleses. Alguém descobriu um cemitério de anglicanos lá. Aí acharam que o novo nome seria mais comercial para os turistas.
- Meu Deus! Amigo, ainda bem que você é bem informado e está me avisando de todas essas mudanças.
- É, Dr. Eu tenho tudo anotado aqui num bloquinho. Às vezes, até eu me confundo com os nomes.


No sábado, o passageiro telefona para o mesmo taxista e combina a corrida de volta do Eixo Belas Praias (ex-Via Costeira) para o aeroporto. O taxista chega no horário combinado e o passageiro embarca.


- Gostou da viagem, Dr.?
- Sim. A sua terra é muito bonita. Mas, além daquelas ruas que mudaram de nomes, vi que algumas praças também sofreram com essa coisa toda. Me desculpe a sinceridade, mas vocês parecem não se importar com a memória, a cultura e com o sentimento de identidade de povo.
- Que é isso, Dr.? Isso é besteira. São só nomes. O mundo é feito de mudanças.
- Se você pensa, assim....tudo bem. Quanto tempo até o aeroporto Aluízio Alves?
- Dr., não ficou sabendo? O aeroporto agora chama-se Lavoisier Maia.

MANÉ EXPÕE SEUS CORDÉIS EM CAMPINA GRANDE/PB

 


O poeta Mané Beradeiro está desde ontem até amanhã, participando da 24ª Consciência Cristã, que acontece na cidade de Campina Grande-PB.





O poeta expõe seus folhetos de cordel e lança o mais recente trabalho " A Fé e a Paciência de Abraão", além de manter contato e fazer amizades com cordelistas da PB e outros estados.


(Mais recente cordel)

O ENCANTAMENTO DE PLÁCIDO AMARAL

 



Quando o poeta se encanta
O verso perde o vigor
Métrica se desalinha
A rima chora de dor
Os companheiros que ficam
Nas estrofes testificam
Seu legado e seu valor.

Mané Beradeiro

Ao poeta Plácido Amaral


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

COMO UM OLEIRO

     Invado a casa de Dorian Gray e, de repente, me vejo cercado de cores, cores e cores. São cores que se alastram pelo chão, sobem pelas paredes, avançam sobre nós, como a querer devorar-nos. São telas, são tapetes, são mosaicos, são murais enormes se agigantando sobre uma parede e que parecem querer rasgá-la e ganhar a rua, o mundo.

Berilo Wanderley
    E ali é o mundo desse homem que vive em febre permanente de pintar, de traçar esboços, olhos voltados unicamente para as cores de onde arranca a beleza que sua sensibilidade e seu talento fazem cada dia mais renovada. Me espanta a capacidade de renovação sobre o que fez ontem desse inquieto pintor, que me acostumei a admirar numa amizade lenta e que vem de muitos anos. Me espanta descobrir cada vez que vejo um trabalho novo de Dorian Gray uma feição diferente uma experiência nova, que o faz nunca repetido sobre si mesmo. Agora mesmo, nesta visita que faço ao seu atelier, o pintor mostra-me umas pinturas sobre madeira, feitas com uma técnica que não sei exprimir nem repetir aqui, e que nem parecem ser do mesmo artista, que pintou aqueles quadros em volta.

Dorian Gray
    Ninguém vê o Dorian Gray dispersando tempo, na rua. Vive na sua oficina, como um operário dedicado ao trabalho sob as ordens severas de um patrão severíssimo. Esse patrão que deve ser  _ só se explica assim _ o amor confiante que tem da obra que faz. Esse mesmo amor que leva um oleiro a permanecer de olhos vidrados na jarra que brota do barro que se molda nas suas mãos, enquanto a roda da sua engrenagem gira e gira, a esquecer-se do mundo que grita, se transforma e se desmorona à sua volta.

    E a casa de Dorian, tem essa feição antiga de casa antiga, varandas cheias de calma, jardins adormecidos... Onde, parece, a gente está sempre vendo que _ como diz o poeta Dorian Gray _ "humilde alguém se assenta a um canto e fica a escutar a música das árvores e a lua que chega".

Fonte: O Menino e seu Pai caçador, Berilo Wanderley, FJA/Clima, Natal 1980, p. 45

domingo, 20 de fevereiro de 2022

SEM COVID - SEU CONVITE





Eu sei que 2022 está também difícil, como foi o ano anterior.
Eu sei que você pode temer em me abraçar.
Eu sinto que muitos dirão: " não se aproxime dele!"
Mas deixe-me dizer que estarei ardentemente esperando por você.
Meu inteiro ser quer se abrir aos seus olhos e encantar.
Dizer a minha história, fazer você vibrar em cada página e desejar cada capítulo, como o vigia espera a manhã.
Venha, abrace-me, sou o livro literário.
Sem covid
Seu convite!


Francisco Martins
20 fevereiro 2022

sábado, 19 de fevereiro de 2022

A UM AMIGO QUE PARTIU




    Nesta sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022, aos 62 anos, encantou-se o poeta, escritor e memorialista Eduardo Gosson, em decorrência de complicações da COVID-19. Gosson foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN e presidente da União Brasileira de Escritores – UBE/RN por várias gestões. Deixou publicada quase uma dezena de livros.
    Há cerca de uns dez anos, Eduardo Gosson veio até a minha casa, na Cidade Verde, com uma proposta de filiação à UBE. Além de me propor o ingresso na UBE, convidou-me para integrar a comissão julgadora do prêmio Eulício Farias de Lacerda, que teve como vencedor o confrade ubeano Paulo Caldas Neto, com o trabalho “No ventre do mundo”, que virou livro na coleção de ensaios Deífilo Gurgel, publicado em 2021 pelo selo Nave da Palavra.
    Eduardo Gosson sempre foi um entusiasta da literatura, escrevendo poemas, crônicas e textos memorialistas. Inclusive, convidou-me, em 2018, para organizar uma coletânea de contos e crônicas para UBE, livro que foi publicado em 2019. Na apresentação desta obra, Eduardo Gosson, dentre outras coisas, afirmou: “A literatura é uma forma superior de espiritualidade e aos escritores cabe essa difícil missão: proporcionar o prazer estético, valorizar a cultura e prezar pela harmonia e pela paz entre os povos”.
    À frente da UBE, conseguiu que o Assembleia Legislativa do RN e a Câmara Municipal de Natal homenageassem a escritora potiguar Nati Cortez (1914 - 1989) através da consagração do dia do seu natalício (08 de setembro) como o Dia Estadual (no RN) e o Dia Municipal (Natal), do livro infanto-juvenil.
    Eduardo Gosson, ao longo de sua vida, foi um incansável ativista cultural, mesmo lidando, por muitos anos, com a doença de Parkinson.
    Certa vez, ele veio até a minha casa trazendo uma das atas de reunião da UBE para colher a minha assinatura. Então, comentou que estava esperançoso de se operar no exterior, para ver se conseguiria ficar livre do Parkinson. Estava buscando formas de levantar os recursos necessários para a cirurgia. Infelizmente, seu coração fraquejou e ele, após passar por uma intervenção cardiológica ficou sem condições de enfrentar nova cirurgia, pois seria de alto risco. Além disso, Eduardo Gosson sofreu muito com a perda de um dos seus filhos gêmeos (Fausto Gosson), levado pelas drogas em 2012.
    Estive em sua casa, várias vezes, participando de reuniões da UBE. Numa dessas ocasiões, como se aproximava o término de um dos seus últimos mandatos – e ele não poderia mais se recandidatar –, convidou-me para ser o seu substituto na presidência da UBE (e aquele foi o segundo convite da mesma natureza feito a mim por ele). Com um sorriso, agradeci a deferência e confidenciei a ele que, em decorrência das inúmeras atividades da minha carreira de escritor, não poderia aceitar tal honraria. Aí, nessa ocasião, ele me perguntou o que eu achava do nome da escritora Tereza Custódio. Disse a ele que era um excelente quadro e que daria todo o meu apoio. Para o bem da UBE, Tereza Custódio, poeta, contista e romancista premiada aceitou o convite, foi eleita e soube honrar a presidência que ocupou durante o biênio de 2020/2021.
    Eduardo Gosson sempre será lembrado como um dos grandes presidentes da UBE/RN, de significativa atuação. Empenhou-se admiravelmente nos eventos denominados Encontro Potiguar de Escritores – EPE, sempre trazendo bons palestrantes e mostrando o seu valor de líder à frente dos destinos da UBE. Estava sempre atento aos eventos culturais no estado e nunca recusou convites para comparecer e palestrar, mesmo com todas as dificuldades decorrentes de sua doença. Confesso que nunca vi alguém tão forte, determinado e disposto a superar adversidades.
    Eduardo Gosson parte nessa manhã chuvosa de Natal, como se os céus chorassem a sua perda. Deixa-nos um exemplo de compromisso com a literatura, de amor pela família e, acima tudo, de uma resiliência a toda prova, que nunca o fez desistir de lutar em prol da UBE e de levar o seu nome aonde quer que fosse.
    Querido confrade Eduardo: siga avante para os campos eternos, onde você poderá dormir ao lado do seu querido filho Fausto Gosson.
Que nessa derradeira viagem, você consiga o lenitivo para suas dores e alcance a leveza e a libertação de todo o sofrimento vivido ao longo dos anos.
    Você foi um bravo guerreiro. Agora, sua luta acabou. Sua memória viverá para sempre em cada um nós. Descanse em paz.

José de Castro, escritor e poeta (UBE/RN, SPVA/RN)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

ASSIM DISSERAM ELES ...

 




Eu sou poeta profissional e advogado como meio de vida.

Diogenes da Cunha Lima

Fonte: A República, 27 de janeiro 1979, p. 8, quando recebia o título de cidadão natalense, em 26 de janeiro daquele ano.


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

O CORDEL É O MELHOR SÍMBOLO DE RESISTÊNCIA NA LITERATURA BRASILEIRA

O leitor de hoje tem ao seu dispor uma quantidade imensa de sites que tratam sobre o Cordel Brasileiro. Neles é possível não apenas ler os poemas, como também ouvir e ver declamações, aulas, oficinas, dicas de livros sobre o tema, etc. Tudo fácil de ser encontrado e   ao alcance do internauta. Mas nem sempre foi assim.  43 anos atrás, o estudioso e pesquisador do Cordel Brasileiro, Veríssimo de Melo, escreveu com entusiasmo  a mudança que estava chegando nesse gênero literário, era o uso do Micro-Filme.  Leia o artigo abaixo e perceba o quanto crescemos.


  CORDEL EM MICRO-FILME

Veríssimo de Melo


    A literatura de cordel - antes tão humilde, restrita apenas aos mercados e feiras ou nas mãos dos caboclos nordestinos, hoje é motivo constante de teses e debates em universidades dentro e fora do país. Como se explica a ascensão desse tipo de literatura tão pobre nos seus aspectos formais?

    Na era da informática e da Comunicação, descobriu-se que o cordel é um dos canais legítimos de difusão da cultura e ideologia dos nordestinos. A partir do século passado, ele desempenha papel relevante na difusão de valores, homens e fatos regionais, nacionais e até internacionais.

    A sua eclosão no Nordeste - e não noutras áreas brasileiras, - é ainda um fato que provoca reflexões. Mas já se sabe que aqui ele encontrou condições ideais para sua florescência e sobrevivência. Condições que não ocorreram noutras regiões do país. Modernamente, o cordel vem aparecendo em cidades do centro e sul, como Rio de Janeiro e São Paulo. O que se justifica pela presença maciça de nordestinos nesses Estados e igualmente porque esse tipo de literatura tem público garantido, sendo, portanto, um valor comercial.

    Só nas últimas décadas a literatura de cordel passou a interessar a professores universitários e escritores em geral. Várias teses de mestrado já se ocupam de aspectos do cordel, tanto do ponto de vista literário quanto social e cultural. Um conterrâneo nosso, prof. José Gomes Neto, para obtenção do grau de Mestre em Letras, na Universidade Federal de Santa Catarina, escreveu sua tese sobre "O ASPECTO VERBAL NA LITERATURA DE CORDEL". É valioso trabalho de pesquisa, onde examina e estuda paralelismo entre os aspectos verbais na literatura em geral e no cordel, apontando conclusões.

    Temos sido testemunhas do enorme interesse que o cordel tem provocado entre professores e escritores do país, que se deslocam até Natal, vez por outra, para adquirir folhetos. Muitos percorrem o Nordeste inteiro à procura de folhetos, comprando exemplares, tomando emprestado, fazendo cópias dos que mais os interessam.


    Ultimamente, esteve em Natal o prof. Joseph M. Luyten, holandês de origem, hoje brasileiro naturalizado, - professor de Comunicação na USP e especialista em cordel. Ele nos trouxe uma novidade na espécie: A firma de São Paulo IMS -Informações, Microformas e Sistemas S.A. - Rua Matheus Grou, 57 - 05415, S.P, - está produzindo micro-filmes de cordéis. As fichas, que medem 16 x 11,5 centímetros condensam, em média, cinco folhetos comuns, podendo ser adquiridos por Cr$ 12,00 cada. Na verdade, relativamente muito mais barato do que folhetos aos preços atuais. Sobretudo quando se trata de exemplar mais antigo.

    Vemos, assim, que a literatura de cordel já ingressou na era eletrônica. Ou, por que não dizer? - na era biônica, - pois a palavra nova, empregada até mesmo em sentido pejorativo, nada mais significa do que a união da biologia com a eletrônica. É a eletrônica a serviço do homem. E nem se compreenderia a eletrônica sem essa vinculação ao homem.

    O cordel ganhou agora um raio de ação muito mais vasto. Pode ser estudado por qualquer pessoa, em qualquer parte. O que antes era pobre lazer de caboclos semi-analfabetos, - hoje é matéria-prima para estudos e debates universitários de âmbito nacional e até internacional. 

A República, 17 novembro 1979.

Não há dúvidas: o cordel é o melhor símbolo de resistência na literatura brasileira. Ele passou por várias fases, foi lavrado pelas mãos de homens e mulheres do povo e aos poucos foi fincando suas raízes e sendo o juazeiro na flora literária. Vem as secas, falta água, morre tudo ao seu redor, mas o Cordel permanece com vigor.

Mané Beradeiro

Parnamirim-RN, 11 de fevereiro de 2022

NATAL EM 1979

 


A cidade por ser um organismo vivo cresce com o passar dos anos. Lembro que quando cheguei para morar em Natal, no ano de 1981, havia poucos edifícios. Ir  do Centro até Lagoa Nova I, então, uma viagem. Hoje Natal, Parnamirim, Extremoz, São Gonçalo e Macaíba estão juntas. O limite geográfico é quase imperceptível. 

Foto: Jornal "A República".

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

HELENROSE VAI LANÇAR LIVRO PARA AJUDAR QUEM VIVE O LUTO

 

Inúmeras famílias estão perdendo entes e pessoas queridas, e sabemos na pele o como o processo de luto é muito difícil. 

Esse material foi desenvolvido como um apoio para a elaboração do maior sofrimento da vida de alguém.  Indico não somente para quem está passando por esse momento, mas a todos que desejam ajudar quem esteja vivendo o luto. Nele você encontrará experiências e exercícios que viabilizam o processo do luto.

Sobre a autora:

Helenrose Oliva Valin da Rocha, casada, mãe. Pedagoga, Especialista em Avaliação do Ensino - Aprendizagem, autora de livros infantis cristãos, Contadora de Histórias, Líder do Ministério de Crianças da Igreja Batista de Presidente Epitácio/SP

Preço: R$ 29,90

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VIAGEM A PIRANGI, NO TÚNEL DO TEMPO, COM DIOCLÉCIO DUARTE

    Fim do veraneio no litoral potiguar. Muitas famílias foram para Pirangi, hoje município de Parnamirim-RN. Trago para o deleite dos leitores, a crônica escrita por Dioclécio Duarte. Uma página repleta de testemunho e saudade. Um texto com 83 anos.



PIRANGI

 Cinco intermináveis horas em cavalo "chotão"... Atravessamos, primeiramente, espessa mata. Depois marchávamos ao longo do tabuleiro para, em seguida, nos enterrarmos nas areias movediças das dunas.

    Inúmeras mangabeiras que, mais tarde, desapareceram ao corte das foices e machados assassinos eram ornamentos dos terrenos arenosos.

    Os homens ignorantes dos crimes que cometiam transformaram os troncos das árvores raquíticas em caçuás e sacos de carvão vendido na cidade por preços ínfimos.

    E eu sei que ainda hoje não parou a devastação. As saborosas mangabas diminuíram. Custo a descobrir dentro das enormes cuias que, antigamente, as pretas velhas conduziam na cabeça oferecendo à porta das casas ricas.

    Entre as mangabeiras, desordenadamente, os batiputás surgiam. Os antigos aprenderam com os índios a fabricação do óleo que empregam na cozinha do peixe, dando-lhe gosto especial.

    De quando em vez se erguia um cajueiro florido.

    As mangabeiras, as árvores de bati e os cajueiros são as frutas preferidas desses sítios. Somente na proximidade da praia é que se desvendam os altivos coqueiros.

    Depois... O tempo correu veloz. Amigos morreram. Não mais existe o professor Mendes, um homem alto e magro, de extrema palidez. Andava sempre de luto e tossia como se a tísica lhe roesse continuamente os pulmões cansados.

    Onde está a família Pulga? As meninas envelheceram e abandonaram a praia carregada de filhos. Deixou de fazer rendas a velhinha de cabelos brancos entre cujos dedos esguios os bilros cantarolavam para dormirem ao contacto da almofada de palha.

    Isso foi há muitos anos. Eu não passava de uma criança travessa que gostava de apreciar as jangadas e ouvir a história feiticeira dos pescadores.

    Os meus amigos pescadores! Mas eles não me acompanham... A paisagem primitiva não aparece perante os meus olhos.

    Pirangi no meu tempo de menino era uma praia alegre. As ondas não tinham a irritação das suas irmãs. O mar era suave o tranquilo. Permitia que andássemos, com água pela cintura, 500 metros ou mais sem receios de precipícios e ressacas.

    Era um mar generoso e amigo. Quando as jangadas chegavam carregadas de "xaréus", "ciobas", "galos", "cavalas", "serras", "dourados", "garoupas", ajudava a arrastá-los até a areia da praia, onde a algazarra era enorme.

    Voltei agora a Pirangi. Não conhecia a estrada. Em lugar do animal bisonho corria o automóvel. Tudo para mim estava mudado. Os pescadores perderam também a confiança na amizade do mar.

    Poucas as jangadas. Botes raros. Apenas meia dúzia de "currais" roubam a bravura do pescador e o seu contacto destemeroso com o oceano. Os "currais" simbolizam a preguiça. E não pertencem ao pescador. Ficam os seus donos embalados e sonolentos nas redes até a hora em que os empregados vão colher a safra das armadilhas nocivas.

    Foram os tresmalho substituídos pelos "currais". Os pescadores desertaram. Não encontram ocupação. Um "curral" exige o serviço de seis homens. O tresmalho de trinta. Mas o tresmalho é mais trabalhoso, como a jangada e o bote são mais arriscados. Escasseiam os peixes. Passam fome os pescadores. Os "currais" destruíram os cardumes e mataram o animo dos pescadores. As praias perderam também a existência pitoresca e encantadora.

    Pirangi é uma vítima, pobre vítima da indolência dos homens e do espírito displicente da autoridade que preferia deixar de cumprir a lei a experimentar incômodos, desatendendo a compadres e correligionários, a quem era difícil esclarecer e mostrar o erro de não ser patriota.  

DIOCLÉCIO D. DUARTE 

 Jornal "A República", 9 de fevereiro de 1939, página 3.


Imagem: site https://natalrn.com.br/parnamirim-rio-grande-do-norte/, visualizado em 08 de fevereiro de 2022.