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quarta-feira, 21 de agosto de 2024

sábado, 17 de agosto de 2024

TRILOGIA DE ALUMBRAMENTOS



Na minha vida de folclorista, pesquisador de assuntos os mais vários, eu tive alguns momentos de beleza, que dariam poemas e poemas, da mais fina ternura e emoção.

1- E. SANTO – 16.07.79
Eu vi os artesãos do Espírito Santo, na noite iluminada do Agreste. Eram muitas as mão tecendo sonhos. E os seus donos, sentados nas calçadas, falavam dos assuntos mais banais que a noite, em sua teia de silêncios, escutava e anotava em seus Anais.

Aqui, uma mulher fazia rendas. Logo ali, outra mais tecia cestas. Um velho pescador de muitos anos consertava os estragos da tarrafa, companheira de fartas pescarias, nas águas generosas do Jacu. Um senhor parecido com um solene e austero Deus egipcio fumava. Seu oficio banal, era o oficio de fabricar cigarros e fumar.

E, assim, a rua inteira era uma festa, sob a luz do luar da lua cheia.

Aquele espírito comunitário da gente humilde do Espírito Santo, encheu meu coração de paz e amor, ao ver que ainda existe neste mundo pessoas que se encontram e que encontram nesse encontro de paz e amizade, aquilo que outras mais, jamais encontram.

II-LAGOA DO SAL - 26.10.85

Outra vez foi no pino do meio-dia. Eu ia numa rota de pesquisa que partindo de Touros, se alongava às praias do Gostoso, em São Miguel.

No meio do caminho, eu encontrei em Lagoa do Sal, uma alameda de frondosas mangueiras centenárias e, embaixo das mangueiras seculares, mulheres do lugar, labirinteiras, cumpriam sua sina de Penélopes.

O silêncio do mundo só parava, quando as ondas do mar arrebentavam, por trás do morro, que ficava em frente.

O contraste de tudo era patente. As mulheres do povo, nesse afă de transformar retalhos em tesouros de criatividade e de beleza, que seriam trocados, algum dia, por migalhas de bolsos avarentos;

os rugidos do mar, quebrando longe;

e as mangueiras imóveis e solenes, com sua sombra nobre e acolhedora, protegendo as mulheres do lugar, labirinteiras desde tenra infância, que nascidas um dia, nesse oficio, no mesmo oficio, um dia morrerão.

E tanta comunhão, havia ali, na Lagoa do Sal, naquele instante, que, nem falar, falavam, as mulheres. E seu silêncio grave prolongava, o silêncio das horas, campo fértil donde brotavam brancos labirintos.

III-PENHA - 24.04.2003

O que mais me encantou, porém, não vi. Apenas me contaram meus amigos.

Na cidade de Penha, (antigamente), Canguaretama (agora), aconteceu, no dia 24 de abril de 2003, a morte do brincante Antônio Lima, Capitão Mar-e-Guerra do Fandango.

Antônio Lima era pessoa rara. Conhecido de todos na cidade, conquistara a amizade e o respeito de todos os colegas do Fandango. Por isso, logo após a sua morte, os velhos companheiros decidiram prestar-lhe uma homenagem comovente, como nunca se viu nem se verá.

Foi assim que, vestidos de marujos, desfilaram nas ruas da cidade, cantando compungidos, o romance do "Corsário da India", que começa: "Aqui viemos, Santa Virgem vosso cortejo formar", levando o velho amigo ao cemitério. No Campo Santo, o grupo ainda cantou: "Saltamos desta nobre barca", despedida ao amigo que partia.

Canguaretama nunca viu um gesto, tão nobre nem tão belo, como aquele. Que outro mais, não podia ser igual.

A Cultura do Povo é uma cidade onde ainda persistem os exemplos de solidariedade e de nobreza, que ficarão, marcando para sempre, o passado, o presente e o futuro, dessa gente do povo, sempre amiga.

Deífilo Gurgel 
Poeta e Folclorista

sábado, 10 de agosto de 2024

HISTÓRIAS BREJEIRAS

 

 

Contam os mais velhos que a Florzinha foi uma mocinha que encantou-se. Bonita, com os cabelos loiros na cintura. Daí, o nome de Florzinha. Vive nas matas e é muito fumadeira.

 Caçador que se embrenha na floresta noite adentro, para pegar um peba, um tatu, um veado, mais das vezes topa com ela, que chega e pede fumo. Se o caçador der o fumo,a caçada é generosa. Enche o bornal de caça. Mas, se por moleza, não tiver fumo para Florzinha, não mata nem rato, pois ela bota azar no cabra.

Gosta de correr a cavalo que é uma peste. Tem por costume fazer umas trancinhas nas crinas dele, bem feitinhas e que dão um trabalho danado para desmanchar.

No sítio do Louro, mais das vezes chega um cavalo de trancinhas. Uma noite dessas, Zuza viu um cavalo de Nelson assombrado. Um cavalo manso, nascido e criado aqui neste pasto. Havia corrido desde a terra dos abacaxis e amanheceu dentro desta roça, perto de casa. As crinas cheinhas de tranças.

Uma outra vez, ela pregou uma peça no louro. Deu um assobio no ouvido dele, já de noitinha, lá no fim do mato. Foi quando ele disse:

“Por caridade, eu já estou indo embora. - Botou a foice no ombro e desabou.

“Lá, no Agreste, tinha um velho que gostava muito de caçar. Certa vez, na mata do Bomfim, topou-se com ela, que foi logo perguntando se ele tinha fumo.

“Tenho - respondeu.

“Então me dê um fuminho que é para eu fumar. Agora tem uma coisa, o meu cachimbo é grande, porque é feito do coco da sapucaia. É preciso de muito fumo para encher.

O velho, que tinha bastante fumo na ocasião, forneceu o suficiente para Florzinha encher o pito.

“Olhe, amanhã traga fumo de novo, que eu facilito tudo o que é de casa para você. Agora, não conte nada à sua mulher. Se disser, o pau canta, quando você chegar aqui no mato.

Ele prometeu que não contava a ninguém. No dia seguinte, levou fumo de novo. Foi aí que sua mulher começou a desconfiar. E o que fez? Botou pimenta no fumo sem que o velho desse fé. Chegando lá, ele entregou a encomenda para a Florzinha, quando ela pitou, era só pimenta!

“Já sei, você contou alguma coisa em casa. Agora sabe o que vai acontecer? Vou dar-lhe uma pisa.

Tirou um cipó de brocha e lhe enfincou no couro, fazendo o velho correr até em casa. Quando, todo lenhado, conseguiu abrir as portas, ela disse:

“Sua casa foi quem te valeu, senão você ainda ia apanhar mais.

O velho ficou tão doente de um jeito que nunca mais teve gosto para caçar.

 

Observação: O autor desse texto é Newton Lins.  Fazendeiro e médico. Foi publicado em "O Jornal de Hoje", edição 30 de janeiro de 1998.