CHICO CATATAU - UM CANGACEIRO DIFERENTE
O cordel narra a história de Francisco
Marival, o Chico Catatau, personagem fictício, criado pelo poeta Izaías Gomes,
que está distribuída em 108 páginas, através de dez capítulos e 480 estrofes em
sextilha. A narrativa do texto se dá na
terceira pessoa, com o narrador presente no espaço das cenas, mas sempre um
pouco distante, o suficiente para tudo
ver e narrar: “O recém falava fino/ Um pouquinho atrapalhado/ Eu
que era bem menino/ Me lembro do
apurado/ Vendo o povo feito ruma/Correndo desembestado” ( estrofe 16, p. 8.
Grifo nosso). Esta presença é também
sentida pelo Chico Catatau a ponto dele manter o desejo de se comunicar com o
narrador:
Catatau inda clamou:
-Me
acuda Ave Maria!
Me
ajude nessa hora
Ou
o autor da poesia
Se
ele não mudar o verso
Morrerei
nessa agonia
(ASSIS,
2014, p. 73)
Para criar o enredo dessa história, que é preciso afirmar ser muito
bem montado, o autor Izaías Gomes deu vida a mais de vinte personagens. Chico
Catatau – um cangaceiro diferente está como obra literária poética, dentro do
contexto do cordel no Rio Grande do Norte, como uma das principais obras de
gracejo/valentia,, assim como “As Pelejas de Ojuara” de Nei Leandro de Castro,
está para a prosa potiguar.
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Izaias Gomes |
A história tem como berço o povoado do Ingá, no município de
Montanhas-RN. E é nesse torrão potiguar que as cenas acontecem e continuam até
Catatau partir para a dimensão espiritual, quando passa a transitar pelo Céu,
Inferno e Purgatório. Todo autor deixa sempre um pouco do DNA dos seus
conhecimentos nos textos que ele escreve, isso é normal, pois tudo quanto
escrevemos, seja em prosa ou poesia, há nas entrelinhas aquilo que pensamos e
lemos. Com o poeta Izaías Gomes não foi
diferente, é bem forte a existência do seu pensar, no tocante a religião.
A história de Catatau contém várias estrofes, nas quais o sentimento
religioso do protagonista é conflitante com o sentimento do narrador. A própria
cena inicial tem como palco o espaço sagrado de uma capela, onde a criança
nascerá. Ao longo da narrativa não serão
poucas as vezes em que Catatau estará demonstrando seu sincretismo religioso,
mesclando a fé católica com práticas do culto afro-brasileiro. Se por um lado é notório este comportamento,
que nada mais representa do que a realidade popular na qual está inserido
Catatau e sua família, como elementos que retratam a fé ora vivida dentro do mundo católico, ora através do ritual afro-brasileiro. Vejamos a resposta que Zacarias, pai de Catatau dá ao
Padre Téo no tocante a consulta do
xangozeiro:
-Padre, sei que somos falhos,
Nós
todos perante Deus;
Pois
eu tenho alguns pecados,
Seu
vigário tem os seus,
Então
fique com os vossos
Que
fico aqui com os meus
(ASSIS,
2014, p. 27)
E é exatamente nessa estrofe, onde o poeta narrador, através do eu lírico,
arremete suas setas, deixando claro seu posicionamento no tocante à fé, é o conflito que citei acima. Nasce ali uma
sequência de mensagens subliminares, presentes ao longo do poema, onde somente um leitor mais experiente irá
perceber ou então se perguntar quando na última página ler a declaração que faz
o autor. Finalmente, podemos assegurar
que o cordel, ora resenhado nos ensina que nada é perdido para sempre. Há uma
esperança e o bem vence o mal, aliás, uma constante em outros poemas de cordel.
Um texto poético precisa apresentar três características:
subjetividade, emoção e lirismo.
Junte-se a isso, que se tratando de um poema em cordel, é indispensável
que haja também rima, métrica e oração.
No tocante às três primeiras características é bem fácil detectar a
subjetividade e a emoção. Mas e o lirismo? É possível encontra-lo em Chico
Catatau? Leia o livro e tente descobrir.
Conclui o poeta Izaias Gomes prometendo que a história termina aqui,
por enquanto, mas que ele irá escrever outra vez sobre Chico.
Gostaria de trazer a essa resenha, algumas considerações que acho
importantes e ao meu ver enquanto leitor, terminam afetando a estética do texto
poético. São elas:
1)
O uso da palavra orgia (p. 7), embora ele
esteja empregada de forma correta, que
neste caso significa desordem, anarquia, tumulto.
2)
Na 13ª estrofe, p. 8, o poeta usa a expressão: “ já tando raiando a luz”. Creio que se
ele tivesse usado o verbo sem ser na
forma contraída o verso ficaria melhor:
Estando raiando a luz. Como se vê sem quebra da métrica.
3)
Expressões
coloquiais: O uso do verbo estar, em
sua forma contraída, na expressão coloquial é uma constante ao longo do texto.
Encontramos várias vezes: “tando” ( p. 8, ); “tava” (p. 8, 17, 24, 34, 44,
46, 60, 65, 71, 76, 88 ...); “tô” (p.
41), em outras estrofes (p. 66, 106)) e
as vezes dentro da mesma (p. 34 ) encontramos as formas culta e a coloquial.
Isso se aplica também ao advérbio de
negação, não, que é usado nas duas formas. Exemplos:
“não era para voar” (estrofe 214, p. 52)
“ele aprontou outras coisas,/que não pude
enumerar” (estrofe 217, p.53)
“num acertava em ninguém” (estrofe 219,
p. 53)
“O portão tinha selado/ Pra meu Chicão num
entrar” (estrofe 374, p.88)
“Quem sabe eu num revelo” (estrofe 478,
p. 108)
Essa oscilação
entre as linguagens coloquial e a culta não
considero errada, mas penso que o autor poderia ter optado apenas por
uma.
4)
O verbo vir foi um gargalo no texto, o autor
usou
“vim” quando deveria usar “vir”. “
Dizendo:-Pode vim todos ...” (estrofe
54, p. 17) ,
“-Quem for macho pode vim”
( estrofe 413, p.96), “
-Como é que pude
vim” ( estrofe 458, p. 104). Teria sido um erro de digitação?
5) O cordel tem ao todo 2.880 versos, nos quais 1.440 versos estão rimando da seguinte forma: o segundo, o quarto e o sexto, é o que chamamos rima xaxaxa. O poeta Izaias Gomes foi brilhante nas rimas, deixando a desejar apenas a estrofe 13, p 8, onde ele rimou luz/cruz/cruz .
Era de madrugadinha
Já tando raiando a luz
o menino atravessado
Saía como uma cruz
quando o padre viu o peste
Fez logo o sinal da cruz
Os cordelistas sabem que não fica bem ter rimas repetidas numa mesma estrofe.
Há outras frases
que trazem erros gramaticais, o que infelizmente vai tirando o brilho da beleza
estética do poema.
Mané Beradeiro
Referência:
ASSIS, Izaias Gomes de. Chico Catatau - um cangaceiro diferente. 1ª ed. Parnamirim: Isvá Editora, 2014.
Imagen de Izaias - disponível em < https://www.google.com.br/search?q=chico+catatau+um+cangaceiro+diferente&dcr=0&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwib8fDO5bTYAhWEDJAKHT4VBgMQ_AUICigB&biw=1366&bih=635#imgrc=bJ_JRx2RkfAouM:> Visualizada em 31 dez 2017.