Volto a escrever sobre a antologia
“Poesia não rima com Pandemia”, desta vez, nesta segunda e última parte vou
trazer os poetas dos seguintes estados: Amazonas, Amapá, Ceará, Maranhão, Minas
Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul e a
participação internacional dos poetas de Portugal e Angola.
AMAZONAS (3 poetas: Francisca dos Santos, Jailan Souza e Valdeci
Duarte)
Os poetas acima, que têm como berço o estado
do Amazonas, mais precisamente as cidades de Pauini (Francisca) e Boca do Acre
(Jailan e Valdeci) apresentam em seus
poemas um mesmo objeto material , trabalhado numa única base, a saber: a natureza humana. Francisca dos Santos mostra no poema “O
homem”, o quanto ele é egocêntrico, acumulador, materialista, efêmero. Há um texto bíblico que diz: “ Pois onde
estiver o teu tesouro, ali estará também o teu coração”.(Mateus 6:21).
O poeta Jailan Souza revela que em muitos
corações humanos, a moeda que se faz presente é do interesse próprio. Jailan
seu poema “Caverna Pandêmica” não é apenas um desabafo, é também um testemunho
de que a poesia tem a sua função social. Isso me fez lembrar do poeta da sua
terra, Djalma Passos (1923-1989), que certa vez escreveu:
“ Trago na garganta o gemido dos aflitos,
No peito a tortura dos injustiçados
E
no olhar a mensagem dos eternamente perdidos”
Valdeci Duarte, “Crises” é um poema que
transparece a flutuante índole do homem. Mas, o mesmo texto também revela que
por mais forte que sejam as crises é possível encontrar soluções. Por isso, diante
desses tempos sombrios ouço um dos maiores poetas da Amazônia, Thiago de Mello:
"Não
importa que doa:
É
tempo de avançar de mão dada
Com
quem vai no mesmo rumo,
Mesmo que longe esteja
De aprender a conjugar o verbo amar"
AMAPÁ (3 poetas: Afonso Colares,
Leacide Moura e Lucia Morais)
Parece até que eles combinaram, pois
aqui também, os poetas do Amapá tratam da Pandemia numa tessitura poética que
fazem com os textos se completem. Afonso
Colares indaga em “O que é isso?” a brusca mudança que aconteceu no mundo.
Leacide Moura trata no poema “Ressurreição”, sobre a vitória da vida, e Lucia
Morais, quando escreveu “Tempo”, diz da igualdade que o vírus trouxe a todos
nesta sociedade vitimada pela Pandemia. Sabemos que por mais esforço que faça o
poeta para externar seus sentimentos, sempre ficará algo a ser dito. Álvaro da
Cunha (1923 -1995), poeta amapaense, sentenciou: “O verso é apenas uma forma
pálida e imprecisa”.
CEARÁ (3 poetas: Francis Gomes,
Mané Beradeiro e Pedro Lucas)
Do
estado do Ceará a antologia apresenta Francis Gomes, de Assaré, que participa
com o poema “Assolação dos anos 20”, lembrando um pouco o cordel, mas só
aparentemente na estrutura das estrofes que estão em sextilhas e na sequência
das rimas (xaxaxa). O poeta Francis Gomes escreveu para um tempo futuro, na
narrativa do eu lírico, os verbos estão no passado.
Em
seguida o leitor vai se deparar com “O Vírus e o velho”, de Mané Beradeiro,
pseudônimo de Francisco Martins, natural de Iracema. O poema é composto de
versos livres, no estilo de gracejo, e trata de um diálogo entre um ancião e um
médico.
Por
último, Pedro Lucas, um jovem poeta de Fortaleza, com o texto “Epidemia”. Pedro
Lucas ainda tem muito a aprender como poeta. Precisa burilar seus poemas, assim
como a natureza faz com o carvão e o transforma em diamante.
Todos
estamos sempre aprendendo, estejamos na
cidade ou no campo, não foi assim que aconselhou Patativa do Assaré?
Poeta,
cantô da rua
Que
na cidade nasceu,
Cante
a cidade que é sua,
Que
eu canto o sertão que é meu”
MARANHÃO (1 poeta: Deise Torres)
Há muitos anos,
o poeta Gonçalves Dias cantou a sua terra, lembrando as belezas naturais. Quem
nunca ouviu esta estrofe:
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.”
Hoje, temos outra “Canção do
Exílio”, onde saudade também se faz presente em “Meus cacos” poema de Deise
Torres. A grande diferença entre um e outro é que o exílio narrado pela poeta
Deise não é apenas geográfico, mas em todo o globo. Passam-se os anos e a
poesia sobrevive.
MINAS GERAIS (2 poetas: Marcos
Saramago e Ninfa Parreiras)
Ser mineiro e depois ser poeta é deveras uma grande
responsabilidade. Marcos Saramago e Ninfa Parreiras entendem o que eu escrevo.
“Dentro, fora” é assim que Marcos deu título ao seu poema. Nas entrelinhas dos
versos que Marcos escreveu, eu consigo vislumbrar, o clássico de Drumonnd:
“No
meio do caminho tinha uma pedra
tinha
uma pedra no meio do caminho
tinha
uma pedra
no
meio do caminho tinha uma pedra.”
Pedra invisível, mortífera e fatal.
A
poeta Ninfa (o nome já é poesia) escreveu “Oco do tempo”. Será que outros
leitores conseguiram ver o que eu vi? O poema escrito em três cores possibilita
a leitura de várias formas. Li a primeira vez como se tivesse uma só cor,
depois, li apenas as palavras verdes, em seguida apenas as de cor laranja e por
último, somente as pretas. Em todas as formas a poesia se faz presente.
Ser poeta em terra que nasceu Drumonnd e
Adélia Prado é ter a coragem de Riobaldo.
PARAÍBA ( 1 poeta: José de Anchieta
Batista)
No
poema “O Bicho da China”, a morte carimba com made in China. José de Anchieta
Batista escreveu todo em estrofes de 8 versos, demonstrando conhecer o uso das rimas, e as aplicou de forma harmoniosa. Como todo paraibano, não deixou
de temperar seu poema com pitadas de humor.
Termina
seu poema afirmando que Deus ouvirá “a dor e o grito do filho que aflito segura
sua mão”. Para não deixa-lo sozinho, eis
que trago esses versos de Augusto dos Anjos:
"A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença
Voltam sonhos nas asas da Esperança"
PERNAMBUCO (3
poetas: Evaldo Araújo, Iovani Ribeiro e João Bosco dos Santos)
Com o mote “Fique em Casa”, o
poeta Evaldo Araújo construiu seu poema em
décimas, usando a estrutura de rima ABCBDDEFFE, mantendo-se fiel em
todas estrofes e na métrica com versos setessilábicos. Fez do poema uma tribuna
que apregoa os direitos da grande massa trabalhadora.
Também em décimas, o poeta João Bosco dos
Santos nos mostra sua verve poética. Aplicou a rima na estrutura ABBAACCDDC com
versos decassílabos e tenta convencer o leitor de que não está falando do
corona, mas de um outro vírus que acompanha o homem deste o seu surgimento.
Iovani Ribeiro viu o vírus e sua
letalidade, e em versos livres (brancos), nos diz que há “Os anjos de branco”. Aos três poetas eu digo que imagino Manuel
Bandeira lendo seus poemas e depois pensando: Vou-me
embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca da Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive.
RIO DE JANEIRO (6 poetas: Adriano de Alvarenga Azevedo;
Alexei Bueno; Amitrano; Bruno Black; Izzy Bey e Wendel dos Santos)
“...Toda palavra, dita
ou não, é precipício. E só a poesia, precipitação”, assim diz a poeta Jéssica
Iancoski (RJ), em seu poema “Precipitação”.Estamos ainda querendo nos levantar
desta queda que nos deu o Coronavírus.
Precisamos do aperto de mão, tão indispensável que
Adriano escreveu; da beleza “Matinada da peste”, na sinfonia canora que o eu-lírico
descrito por Alexei Bueno percebeu. Enquanto o poeta Amitrano nos mostra que “O
vírus da morte” sempre existiu, e o poeta Bruno pergunta qual horizonte teremos
amanhã, a poeta Izzy chicoteia com palavras e com as mesmas massageia e mostra
a resposta através de “Nirvana”, a libertação da alma.
“Matrix do avesso”, o poema de Wendel, que pode ser lido
também de baixo para cima, fecha com otimismo a participação dos poetas do Rio
de Janeiro. O certo é que tudo que vivemos até o momento e os mortos que
contabilizamos (1.174.769)*, aquela
rosa sobre a qual escreveu o poeta Vinicius
de Morais, “A Rosa de Hiroshima”, radioativa, estúpida e inválida, que
ceifou 200 mil vidas, foi apenas uma
flor sem beleza no jardim da morte, que em 2020 exalou forte cheiro letal da nova rosa chamada Covid-19.
*estatística de 29 de
outubro 2020
RONDÔNIA
( 1 poeta, Elizeu Melo)
Elizeu exorta que “Em tempo de pandemia” é possível
refletir, ser solidário, ler, gerar oportunidades, ser criativo, ter a
consciência que há deuses no Olimpo e estamos no quintal.
Deste
mesmo estado, que eu considero ser o pomo de Adão (quando comparo o mapa do
Brasil a um corpo), o poeta Matias Mendes (1949) autor de “Depois da Hecatombe” crê:
“Livre
afinal da ambição insana,
O
mundo, enfim, terá prosperidade,
Depois
da extinção da espécie tirana,
Provocadora
da última calamidade ...”
RIO GRANDE SO SUL (2 poetas, André
Flores e Patrick Leon)
Depois
de fazer este passeio poético por vários estados brasileiros, finalmente ,
André e Patrick conduzem-me ao extremo
sul do país. Chego ao Rio Grande do Sul e ouço o “Apelo” de André, em forma de
acróstico: fique em casa. Patrick, por sua vez, um gaudério com alma de
seringueiro, fala verdades em “A sombra da morte”. Sim, ambos têm razão, assim
como o poeta Odilon Ramos que revelou aquela lágrima:
“Era
uma vez uma pequena lágrima
Ainda não chorada, nunca concebida,
Que vivia
guardada, ou melhor, escondida
Num canto do
olhar...”
POETAS DE PORTUGAL E ANGOLA ( Manuel
Souza Fonseca (Portugal),, Miguel Manuel Zola e Zetho Cunha Gonçalves (Angola)
Com
ousadia eu atravesso o Atlântico e vou a Portugal, berço do poeta Manuel Souza
Fonseca, que em seu poema “É difícil” mostra sem medo a alma que possui. Acredito
no que ele escreveu, e aqui, o poeta não é um fingidor, como sentenciou
Fernando Pessoa, em “Autopsicografia”. E é o próprio Pessoa quem nos diz: “
...quem tem alma não tem calma”.
No
continente Africano, mais precisamente em Angola, o poeta Miguel Zola,
mostra que há um novo ritmo, uma última dança, com batuque mortal. Zetho
Cunha, propõe um tratamento extra convencional. Ainda bem que tudo fica na
“Respiração Suspensa-5”.
A
esses poetas angolanos eu pergunto: que diria Agostinho Neto (1922-1979)?
Talvez ele lembrasse do poema que fala da esperança e para nós, “sentado num banco do kinaxixi às seis horas duma tarde muito quente”
declamaria "Havemos de Voltar"
Parabéns a todos os participantes da antologia "Poesia não rima com Pandemia".
Francisco
Martins
Parnamirim-RN,
29 de outubro de 2020