Foi o poeta Manoel Camilo dos Santos (1905-1987), quem escreveu o poema "Viagem a São Saruê" ( Campina Grande - PB 1956) . São 212 versos distribuídos em 32 estrofes no formato de sextilhas (esquema de rima xaxaxa) e 2 estrofes decassílabas (esquema de rima abbaaccddc). A história de São Saruê chegou até o poeta Manoel Camilo dos Santos através da oralidade, conforme ele mesmo declarou a Orígenes Lessa, que quando criança ouviu muitas vezes o adágio popular: " Só em São Saruê, onde feijão brota sem chover". Ainda
chegou a afirmar: " -Um folhetinho à-toa que eu fiz fácil, fácil..."
Eu que desde pequenino
Sempre ouvia falar
Nesse tal "São Saruê"
Destinei-me a viajar
Com ordem do pensamento
Fui conhecer o lugar
Para chegar em São Saruê é preciso acordar cedo e embarcar no carro da brisa. O viajante vai trocar de carro três vezes até chegar em seu destino, quando finalmente seus olhos poderão contemplar o mitológico lugar ...
Mas adiante uma cidade
Como nunca vi igual
Toda coberta de ouro
E forrada de cristal
Ali não existe pobre
É tudo rico em geral.
Realmente a descrição do poeta, sobre a natureza paradisíaca presente em São Saruê é inesquecível. E como no Éden existia um rio, aqui também há.
Lá tem um rio chamado
O banho da mocidade
Onde um velho de cem anos
Tomando banho à vontade
Quando sai fora parece
ter 20 anos de idade.
Manoel Camilo dos Santos "viveu" alguns dias naquela cidade/país e não se negava ensinar a estrada que nos levava até lá, com uma condição, a saber: " ...Posso ensinar o caminho/ Porém só ensino a quem/ Me comprar um folhetinho".
O
certo é que São Saruê não ficou apenas em um "folhetinho" como assim
classificou seu autor. Veríssimo de Melo escreveu "Pasárgada e São
Saruê" (1959), texto que mostra a sensível afinidade entre os poemas de Manuel
Bandeira e Manoel Camilo.
O cineasta Vladimir Carvalho, em 1966 começou as filmagens do documentário "O País de São Saruê", que embora tenha ficado pronto em 1971, foi censurado e somente em 1979 o público pode assisti-lo.
Trata-se de um documentário sobre o homem e o sertão nordestino, mas
precisamente na região dos Rio do Peixe e Piranhas, Souza - PB (seca,
folclore, religiosidade, agricultura,José Gadelha; Charles Foster (dos
Voluntários da Paz); Os garimpeiros (Pedro Alma e Zeca Inocêncio); o
Prefeito de Souza - Antonio Mariz ; Catolé do Rocha) Para assistir o filme clique aqui: O País de São Saruê Foi também na década de 70, que o escritor Umberto Peregrino (1911 -2003), um potiguar, apaixonado pela cultura popular, criou no Rio de Janeiro a Casa de Cultura São Saruê. Camilo responde porque a casa recebeu esse nome: (...)
O nome São Saruê
Porque foi que ele deu
A sua belíssima casa
Disse que foi porque leu
Um folheto de renome
Que tinha este mesmo nome
E cujo folheto é meu
Mais tarde tornou-se, por doação, a sede da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, mas isso é assunto para outra postagem.
O escritor Orígenes Lessa também pegou carona
no tema e escreveu em 1983 um livro infantojuvenil, tendo como base o texto de
Camilo, o título é "Aventura em São Saruê" (Rio de Janeiro/ Nórdica). O belo dessa prosa é que Orígenes Lessa não apenas retrata a geografia, os costumes e tudo que há em São Saruê, como também transporta o poeta para dentro do livro, com a personagem Camilo, que vai falar para Pedrinho sobre esse lugar encantador e paradisíaco. Uma justa homenagem ao poeta.
O folheto foi traduzido para o francês, pela Professora Idelete Muzart F. dos Santos, e consta na obra "Les Imaginaires, Paris, Union Generale d'Editions, 1979, páginas 224 a 231". Há 65 anos faz a alegria do leitor. Por isso mesmo consta no Canon dos clássicos do cordel brasileiro.
Em 1988 , a X-9, Escola de Samba (Santos-SP), ficou como Vice-campeã do Grupo I, tendo como enredo "Viagem ao País de São Saruê".
Eis aí um pouco do muito que foi feito a partir do folheto "Viagem a São Saruê". E para concluir eu digo:
Passou a perna de pinto
Passou a perna de pato
Quem souber de mais história
Que nos apresente o fato
Pois o mundo é muito grande
Não se tem um só relato
Mané Beradeiro
Parnamirim-RN, 17 de fevereiro de 2021.
Fontes:
Literatura Popular em Verso - Catálogo - Tomo I, p. 72 - Ministério da Educação e Cultura - Casa Rui Barbosa, 1961.
_____________________ - Antologia - Tomo I - p. 555 a 559 - Ministério da Educação e Cultura - Casa Rui Barbosa, 1964.
Amor, História e Luta - Antologia - Márcia Abreu, org. São Paulo/SP. Salamandra, 2005, p. 119.
Pasárgada e São Saruê" - Veríssimo de Melo, in: Revista Leitura, nº 21, Ano XVII, Rio de Janeiro, março ano 1959, página 23.
Camilo, de São Saruê, conta em versos sua própria vida - José Nêumanne Pinto - Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1980
Casa da Cultura São Saruê. S.d; S.l; S.ed.
Site da Fundação Casa de Rui Barbosa
10 comentários:
Uma riqueza esse cordel
Esse Brasil tem muitos Brasis
Muito bom, gostei sim. Aplaudo.
Excelente texto! Parabéns ao autor!
Muito bom!
Maravilha! Estava a muito procurando referências, pois lembro bem de Solon do Mamulengo Invenção Brasileira, falando que bonecos vivem de verdade em São Saruê, de onde vem tudo que a gente imagina e pra onde nós vamos quando morrer.
Beleza de ensaio, poeta. Pouca gente desta história. Valeu por resgatá-la.
O autor dá-nos a entnder qie "Viagem a São Saruê" foi escrito em Campina Grande (PB), em 1956, o que não é verdade. Lamento essa falha histórica.
Verdade Zé Paulo; nao atinei para isso, poderia adiantar algumas informação sobre o ano e local que foi publicado o folheto?
Sou estudante de Doutorado em Cênicas em Brasília, estava procurando referências de São Saruê, pois o Mamulengo faz parte da minha pesquisa e aqui em Brasília já escutei diversos bonequeiros dizendo que quando o boneco está fechado na mala está brincando lá em São Saruê. Mas essa riqueza do sertanejo nordestino é muito presente, mesmo nos bonecos.
Poxa... como gostaria de ouvir a cultura oral que inspirou M. Camilo dos Santos. Ainda bem que temos Chico falando de Mestre Solon e seu blog colocando todas as referências. Obrigada!
Obrigado Maria Villar.
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