Invado a casa de Dorian Gray e, de repente, me vejo cercado de cores, cores e cores. São cores que se alastram pelo chão, sobem pelas paredes, avançam sobre nós, como a querer devorar-nos. São telas, são tapetes, são mosaicos, são murais enormes se agigantando sobre uma parede e que parecem querer rasgá-la e ganhar a rua, o mundo.
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Berilo Wanderley |
E ali é o mundo desse homem que vive em febre permanente de pintar, de traçar esboços, olhos voltados unicamente para as cores de onde arranca a beleza que sua sensibilidade e seu talento fazem cada dia mais renovada. Me espanta a capacidade de renovação sobre o que fez ontem desse inquieto pintor, que me acostumei a admirar numa amizade lenta e que vem de muitos anos. Me espanta descobrir cada vez que vejo um trabalho novo de Dorian Gray uma feição diferente uma experiência nova, que o faz nunca repetido sobre si mesmo. Agora mesmo, nesta visita que faço ao seu atelier, o pintor mostra-me umas pinturas sobre madeira, feitas com uma técnica que não sei exprimir nem repetir aqui, e que nem parecem ser do mesmo artista, que pintou aqueles quadros em volta. |
Dorian Gray |
Ninguém vê o Dorian Gray dispersando tempo, na rua. Vive na sua oficina, como um operário dedicado ao trabalho sob as ordens severas de um patrão severíssimo. Esse patrão que deve ser _ só se explica assim _ o amor confiante que tem da obra que faz. Esse mesmo amor que leva um oleiro a permanecer de olhos vidrados na jarra que brota do barro que se molda nas suas mãos, enquanto a roda da sua engrenagem gira e gira, a esquecer-se do mundo que grita, se transforma e se desmorona à sua volta. E a casa de Dorian, tem essa feição antiga de casa antiga, varandas cheias de calma, jardins adormecidos... Onde, parece, a gente está sempre vendo que _ como diz o poeta Dorian Gray _ "humilde alguém se assenta a um canto e fica a escutar a música das árvores e a lua que chega".
Fonte: O Menino e seu Pai caçador, Berilo Wanderley, FJA/Clima, Natal 1980, p. 45
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