Em 23 de abril de 1989, o jornal "O POTI" publicou a seguinte crônica de Oswaldo de Souza ...
“Nasci
em Natal e moramos os quatro anos da 1ª Guerra Mundial, em Areia Branca. Em
1916, meu pai me colocou no internato do Colégio Diocesano Santo Antônio, que
ficava no prédio onde hoje se encontra o Convento Santo Antônio, na rua do
mesmo nome. Depois, meus pais vieram para Natal novamente e eu fiquei estudando
externo lá mesmo.
Terminando
os estudos no Colégio Santo Antônio, estudei durante 2 anos em Recife, no
Colégio Americano Batista. Depois retornei a Natal onde comecei os meus estudos
de ginásio no Atheneu. O Atheneu ainda era aquele que demoliram. Não sei porque
destruíram, é a aversão que temos das coisas antigas. Para que destruir aquele
Atheneu, que não era nenhuma obra arquitetônica? Só para construir aquela coisa
horrorosa que está lá hoje!
Fiz
vestibular de Direito, em Recife. Acontece que eu nunca quis, eu detestava
Direito, não tinha vocação para Direito, meu negócio era arte, mas minha mãe
fazia questão que eu fosse doutor, anel no dedo e diploma na parece, coisa que
para mim não tinha a menor importância – eu nunca liguei para isso: a minha
intenção sempre foi estudar música. Eu já tocava um pianinho.
Mais
tarde pedi a transferência da Faculdade de Direito do recife para o Rio de
Janeiro, onde tencionava fazer vestibular de música no Instituto Nacional de
Música, como fiz.
Eu
saí de Natal em 25 de maio de 1925. Em janeiro de 26 fiz vestibular para Escola
de Música. A faculdade de Direito fiz até o 3º ano. Não aguentava. No terceiro
ano eu achei que era uma falta de consciência minha. Depois me formei em
compositor de música popular brasileira. Fiz recital em diversas cidades do
Brasil, a crítica sempre foi muito receptiva. Em Natal eu nunca fui convidado
nem para tocar berimbau, mas eu não guardo mágoas.
Tenho
muitas recordações da época que morava aqui. Nós moramos na casa que ainda hoje
existe ali no cruzamento das ruas Potengi com a Prudente de Morais.
Aquela
casa teve os projetos e a própria construção de um italiano que apareceu aqui
em Natal, o Miguel Micucci que também fez o edifício da Prefeitura. Ele
construiu a Prefeitura e depois outras casas, como o chamado Castelinho de
Moisés Soares, que já foi demolido, onde está hoje o banco que fica na esquina
das ruas João Pessoa e Deodoro, em frente ao Centro Cearense.
Depois
que ele fez a Prefeitura, papai (Cícero Franklin de Souza) queria fazer uma
casa, pediu então que fizesse umas plantas. Ele fez o primeiro projeto; papai
não gostou, fez o segundo e papai também rejeitou, o terceiro projeto é aquele
que está lá (fotos). Eu ouvi dizer que estão querendo demolir. É uma pena. Nós
sentimos um desamor muito grande pelas coisas daqui, de tradição.
A
construção se não me engano é de 1919, foi a casa mais importante construída
naquela época, era a casa de melhor destaque. Ela é muito bem construída, papai
era um homem muito caprichoso e mandou fazer tudo de primeiríssima ordem, todo
material daquela casa, por exemplo, papai mandou buscar no Pará, as paredes são
bem largas, parece até uma fortaleza. Ela está hoje muito bem conservada. Do
projeto original, só foi mudado o telhado do alpendre que circula a casa,
aquilo era coberto com uma telha francesa, pareciam lâminas de amianto.
A
casa era muito grande e confortável, nós éramos quatro pessoas, meus pais, eu e
meu irmão. Tinha quatro quartos, salas amplas, uma sala de visitas que se
chamava sala de música, sala de jantar, um escritório que era naquela torrinha,
ali era o escritório do meu pai, uma copa, uma despensa, um banheiro, uma ampla
cozinha, quarto de empregada, que mais lembrava um apartamento. A casa era
muito boa, ainda hoje é uma bonita casa de Natal.
Naquele
tempo os bangalôs estavam na moda, então com muito esforço Mucucci fez a casa
inspirada nesse tipo de construção da época, como o sobradinho da avenida Rio Branco
com a rua João Pessoa e o Castelinho de Miguel Soares que eu já citei. Do tipo
bangalô só existiam estas três casas em Natal, depois foram construídas outras.
Moramos
lá muitos anos, até papai se aposentar, depois fomos para a Bahia. Papai vendeu
a casa a um senhor Júlio Maia, de Mossoró. Depois foi vendida aos Ferreira de
Souza.
Divertimento:
era só cinema, o Royal que ficava onde hoje é o prédio da Prefeitura, na
Vigário Bartolomeu e o Politeama, na Ribeira. O primeiro sorvete que eu provei
na minha vida foi no cinema. Não existia gelo, a gente soprava o gelo para
esfriar.
Depois
de morar em várias cidades, voltei para Natal a convite do então governador
Aluízio Alves, no início da década de 60, para fazer um levantamento do
Patrimônio Histórico e Artístico do Rio Grande do Norte. Eu sou funcionário
aposentado do SPHAN.
Quando
cheguei, achei a cidade triste, era outra cidade, parece que não era mais
aquela que eu conhecia. Eu andava nos bairros como Lagoa Seca, Alecrim e no
próprio Tirol, ali onde é o Aero Clube, a cidade acabava ali. Na realidade, a
cidade cresceu demais, isso me surpreendeu. Mas Natal conserva sempre esse
jeitinho gostoso, esse jeitinho que só nós sabemos. Eu gosto muito dessa
cidade. Eu acho a cidade um encanto, eu não queria outra cidade para morar.”
(Oswaldo de Souza é Músico e Compositor). (Correspondências para o Setor de
Pesquisa e Microfilmagem do Diário de Natal/O Poti. Av. Rio Branco, 325 –
Natal/RN).
29 anos depois Natal está assim ...
Nota do blogueiro: Oswaldo de Souza faleceu em Natal, no dia 20 de maio de 1995, aos 91 anos.